Ela era aquela mulher mais velha por quem nós, jovens estudantes inquietos e utópicos, nos apaixonamos, acreditando estar ali a redenção intelectual e estética para tantos imberbes conflitos. Por quase duas décadas, a Cosac Naify foi essa educação sentimental flaubertiana em um cenário carente de afeto. Por todo esse tempo, nos desacostumamos a ser bem cuidados por edições que podiam passar vários anos sendo artesanalmente talhadas e trabalhadas por pessoas que sabiam o que estavam fazendo - e aqui fica nosso imenso carinho por todas elas. Com o anúncio do encerramento dessa alquimia audaciosa de transformar livros em fetiche num país onde taxas de leitura sempre estiveram no alerta vermelho, a Cosac se despede com um catálogo invejável para qualquer editora do mundo. Em janeiro, a Cepe, que publica o Suplemento Pernambuco, lança em parceria com a Cosac Naify uma antologia do poeta Sebastião Uchoa Leite. Será um dos últimos lançamentos com o selo da editora paulista. Do lado de cá da porta por onde essa elegante senhora se despede (será que ela vai olhar pra trás?), ficamos, por enquanto, a sentir saudades, tirando da caixa o álbum de fotografias, rememorando melhores momentos. Eis então aqui a nossa lista dos 10 livros de literatura que mais nos tocaram ao longo desses últimos anos de relacionamento.
10 - Facundo, ou civilização e barbárie - Eis a pedra fundamental da literatura argentina tal como ela é conhecida hoje. A edição da Cosac Naify é primorosa em dar o peso certo à obra de Domingo Faustino Sarmiento, com uma tradução muito bem cuidada (com notas do tradutor) feita por Sérgio Alcides, um prólogo escrito especialmente para esta edição do escritor Ricardo Piglia e uma quarta capa feita tão-somente por Manuel Bandeira.
9 - Rilke Shake - A coleção Às de Colete, parceria da Cosac com a 7 Letras, lançou alguns dos mais importantes livros de poesia contemporânea brasileira. Entre eles, Rilke Shake, da Angélica Freitas, que renovou o estoque de feminismo, ironia e cultura pop em nossa poética.
8 - Antologia poética Murilo Mendes - A compilação inédita do poeta Murilo Mendes surgiu de uma parceria entre a Fundação Casa de Rui Barbosa, sob coordenação de Júlio Castañon Guimarães, com Murilo Marcondes de Moura, da USP. É um marco da editora, não apenas pelo ineditismo da obra, mas por ter sido efetivamente o resultado de uma pesquisa histórica sobre Murilo Mendes, trazendo um texto adicional do próprio poeta sobre sua obra.
7 - Doutor Pasavento - O fascínio pelo abismo, o duplo que carregamos por aí debaixo do braço, a ausência como estratégia de guerrilha... Esses são apenas alguns dos temas de Doutor Pasavento, grande romance de Enrique Vila-Matas. Graças ao trabalho de edição impecável da Cosac, o Brasil teve acesso a um dos mestres da literatura da língua espanhola hoje.
6 - O passado - Talvez o mais acertado fosse falar da trilogia em que Alan Pauls descreve a derrocada argentina das últimas décadas (A história do pranto, A história do dinheiro e A história do cabelo), mas foi com O passado que muita gente descobriu a maestria da prosa de Pauls, que aqui refaz a lição proustiana: nos lembra que o amor é uma busca eterna atrás do tempo perdido.
5 - Mrs. Dalloway - Toda a coleção "Mulheres Modernistas" da Cosac é de uma preciosidade sem tamanho. Mas essa edição da obra paradigmática de Virginia Woolf, com tradução de Claudio Alves Marcodes e um posfácio de ninguém menos que o escritor Alan Pauls, é para guardar com carinho no lugar mais nobre da estante. Uma edição que disse que ela própria iria fazer história.
4 - Moby Dick - Publicada em 2008, a edição trouxe uma tradução integral do livro, além de sugestões bibliográficas, gravuras com os nomes de partes do navio e o trajeto percorrido na busca pela baleia, todos fundamentais para a compreensão holística da obra de Herman Melville. O livro foi indicado ao prêmio Jabuti na categoria Tradução, feita por Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza, e muito justamente premiado na categoria Projeto Gráfico, realizado por Luciana Facchini.
3 - Drummond - Poesia 1930 a 62 - O crème de la crème do poeta mineiro está aqui, reunido em uma edição muito bem cuidada e organizada pelo também poeta mineiro Júlio Castañon Guimarães, que viu aqui o resultado de um trabalho de dez anos estudando Drummond ao lado de sua equipe na Fundação Casa de Rui Barbosa.
2 - Clarice, - A vírgula que se segue ao título já dava a pista de um livro que te leva por novos caminhos. A mais completa biografia de Clarice Lispector, escrita pelo pesquisador Benjamin Moser é referência que faltava para se entender e se debater a autora sem cair no lugar comum de criar uma atmofera mística em torno dela. Tradução de José Geraldo Couto.
1 - Guerra e Paz - A primeira tradução direto do russo para o português do clássico de Liev Tolstói custou três anos de trabalho ao escritor e tradutor Rubens Figueiredo, que de Tolstói ainda traduziu, pela mesma Cosac, os Contos completos e Anna Karenina. A caixa com os dois volumes de Guerra e Paz são, na nossa opinião, o fetiche maior já publicado pela editora.