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Ao perguntarmos a alguns tradutores quais as obras que eles consideram “intraduzíveis”, nos deparamos – naturalmente – com uma série de ressalvas. Nunca partimos da ideia de que algo é, literalmente, intraduzível; queríamos, na verdade, pensar obras de difícil tradução ao português e, se possível, fomentar um debate.

“Só aceito a intradutibilidade se for uma questão da língua, ou seja, de palavras que só existam numa determinada língua e traduzam um fenômeno específico, singular da cultura dessa língua, impossível de ser traduzido para outra língua. Se for uma questão de linguagem, ou seja, de uso peculiaríssimo da língua por certo autor, haverá de aparecer alguém capaz de traduzi-la”, pontuou o tradutor Paulo Bezerra, conhecido por seu trabalho com autores russos na Editora 34.

Diante da complexidade, alguns preferiram não opinar sobre o assunto. Ainda assim, conseguimos uma pequena lista de autores ou obras complexas, algumas já vertidas ao português, ou em processo de passagem para nossa língua.

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Julia Romeu, tradutora e jornalista, já trouxe para o português obras de Chimamanda Ngozi Adichie, Rudyard Kipling, Bill Clegg e outros.

“Considero um dos meus escritores preferidos, o autor cômico inglês P.G. Wodehouse, muito difícil de traduzir. Adoro a obra dele, que já teve algumas traduções para o português, mas não muitas – no entanto, quando penso em tentar traduzi-la, me desanimo. Wodehouse é um dos maiores mestres do chamado humor inglês. Ele tem uma alma essencialmente britânica e uma graça que eu considero intraduzível, por ser, em grande parte, fruto não apenas das situações descritas pelo autor, mas das palavras que ele escolhe para descrevê-las. Aliás, acho o humor uma das coisas mais difíceis de traduzir. Quando traduzi Jane Austen, por exemplo, que considero uma das escritoras mais engraçadas da História, tomei muito cuidado para que essa faceta de sua obra permanecesse presente na tradução”.

 

Paulo Bezerra, já traduziu diretamente do russo mais de quarenta obras nos campos da filosofia, psicologia, teoria literária e ficção, destacando-se suas premiadas traduções de Crime e castigo, O idiota, Os demônios e Os irmãos Karamazov, de Dostoiévski. Em 2012 recebeu do governo da Rússia a Medalha Púchkin, por sua contribuição na divulgação da cultura russa no exterior.

“Eu, Paulo Bezerra, posso não conseguir tradutor autor X, mas certamente outro tradutor o conseguirá. Por exemplo, traduzir o poeta futurista russo Vielimir Khlíebnikov é algo dificílimo; há em sua poesia momentos de quase intradutibilidade, mas os irmãos Campos, em parceria com Boris Schneiderrman, conseguiram uma boa tradução de seus poemas 'Tempos juncos', 'Encantação pelo riso' e 'O grilo'”.

 

Daniel Pellizzari, escritor, editor e tradutor. Verteu para o português livros de Irvine Welsh, David Foster Wallace, Hunter S. Thompson e William Burroughs.

“No excelente The Wake (2014), Paul Kingsnorth cria um idioma imaginário, híbrido entre anglo-saxão e inglês contemporâneo, para contar uma história passada na Inglaterra do século XI, logo após a invasão normanda. Um gostinho: 'aefry ember of hope gan lic the embers of a fyr brocen in the daegs beginnan brocen by men other than us'. Vai além do vocabulário, é um pacote completo: como no anglo-saxão (que alguns preferem chamar de inglês antigo), não há pontuação ou diferença entre maiúsculas e minúsculas, e a sintaxe também pega emprestados elementos dos dois idiomas. Essa língua é um elemento crucial da narrativa, e por ser indissociável do contexto do enredo, não há como transpor o mesmo efeito para o português de forma satisfatória. Criar um híbrido entre galego-português e português contemporâneo seria a solução mais óbvia, mas ainda insuficiente, pois temos aqui uma daquelas obras em que a linguagem é o livro e qualquer afastamento disso prejudicaria algo essencial ao efeito buscado pelo autor".

 

Caetano Galindo, professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace, Thomas Pynchon, entre outros.

“Finnegans Wake. O último romance de Joyce é uma obra ainda mais poderosa que o Ulysses. Mas gerações de leitores o consideraram ilegível. Mesmo em inglês. Afinal, pra começo de conversa, ele está em inglês? Partindo de um procedimento baseado na criação de trocadilhos multilíngues abertos, Joyce empregou mais de 60 idiomas para escrever esse sonho de uma família comum, esse sonho de toda a humanidade. Como traduzir um texto que é, no limite, inapreensível, sem significado fechável? Bom... eu estou tentando. E me divertindo horrores”.

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