Ao longo de quase meio século de escrita, Sérgio Sant´Anna construiu uma obra incessante na investigação dos limites da escrita e do real. Na vasta produção literária de Sant´Anna, nota-se o diálogo com outras formas estéticas e gêneros literários, sem que, no entanto, os dilemas do sujeito sejam colocados de lado. Pelo contrário, é através do artifício, do jogo de cena, que Sant´Anna atinge as dobras da condição humana na contemporaneidade. Aproveitando que o autor lança em setembro um novo volume de contos, Anjo noturno, quatro títulos que servem como chave para sua obra.
Confissões de Ralfo (1975) marca a estreia de Sérgio Sant´Anna no romance. Sem desviar de sua busca pelo experimentalismo na forma e na linguagem, o autor nos apresenta uma autobiografia imaginária em um momento histórico dominado pelas narrativas memorialísticas e documentais referentes à ditadura militar brasileira. O absurdo presente em passagens do romance ecoa práticas naturalizadas pelo autoritarismo, como os interrogatórios e a tortura onde a confissão verdadeiramente não interessa, mas sim a encenação do interrogatório e a violência ritualizada.
O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro (1983) é uma aula sobre domínio das formas breves. Um livro de contos, mini-ensaios, sobre a impossibilidade narrativa e, simultaneamente, sobre as mil possibilidades do narrar. Não por acaso dois músicos que fizeram do silêncio parte integrante de suas obras comparecem aqui como personagens: João Gilberto e John Cage.
Um crime delicado (1997)– Neste romance narrado por um crítico teatral, encontramos um dos temas caros a Sérgio Sant´Anna: as fronteiras entre criação estética e as relações com o real. Desejo, crime, o estatuto da arte, persuasão por meio da escrita, mesclam-se para discutir a dissolução da verdade no contemporâneo.
O voo da madrugada – Talvez, o livro mais pessoal do autor, que expõe várias de suas memórias ao longo dos contos sem concessões fácies. Como uma sinfonia, podemos notar as variações conseguidas por Sérgio Sant´Anna em torno do conto. O ensaio; o memorialístico; o fantástico; o policial; a fricção com outras artes, como a música e as artes plásticas, surgem ao lado de enredos em que são testados os próprios limites éticos e vulneráveis do sujeito.