As leituras infantis, ainda que algumas vezes relegadas a um segundo plano dentro da academia, normalmente são as que deixam mais marcas, além de serem o principal meio de se formar um futuro leitor. Quem não se lembra de sua obra infantil preferida, de autores como Monteiro Lobato, Ruth Rocha, Ziraldo? Ciente disso, o 1º Concurso Cepe de Literatura Infantil e Juvenil, com mais de quatrocentos trabalhos inscritos, anunciou as seis obras vencedoras de sua seleção, buscando incentivar a publicação de novos autores.

Coube à comissão julgadora, formada pelos professores Wanda Cardoso e Aldo Lima, pela editora da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, Heloísa Arcoverde, e por dois escritores com experiência  na área, Ronaldo Correia de Brito e Fernando Monteiro, a missão de escolher os vencedores. Os primeiros prêmios – de R$ 8 mil cada – foram para dois pernambucanos, ambos estreantes no campo da literatura infanto-juvenil: Lucas Mariz, vencedor da categoria infantil, e Manoel Constantino, vencedor da juvenil. A paulista Ana Cristina Abreu e o pernambucano Itamar Morgado ficaram em segundo e terceiro lugar na categoria infantil, que ainda teve duas menções honrosas, com Renata Wirthmann e Francisco Hélio. No juvenil, o pernambucano Urian Agria ficou em segundo, o paulista Felipe Arruda, em terceiro, e houveram quatro menções honrosas às obras de Junior Camilo de Souza, Rejane Maria Paschoal, Gisele Werneck e Elói Elisabete Bocheco.

Segundo Lucas, o seu O conto do garoto que não é especial ironiza um clichê de obras infantis. “Em Percy Jackson, Harry Potter e Kung Fu Panda, existe uma agonia para que todos sejam especiais. No meu conto, o personagem não é especial. O mundo é que é especial, e as pessoas participam desse mundo”, explica o autor.

O jornalista e diretor teatral Manoel Constantino, por sua vez, criou, em Anjo de rua, uma narrativa centrada na história de meninos de rua do Recife. “Eu escrevi o livro há dez anos, e quase não mostrei a ninguém”, comenta. A obra surgiu da notícia real de que um menino, depois de roubar uma bolsa, foi pego por populares e jogado de uma das pontes do Bairro do Recife, sendo encontrado morto. Na versão de Manoel, o jovem morto é o anjo da guarda que acompanha o personagem principal do livro.

“A Cepe acertou em cheio com o concurso, criando um espaço em âmbito nacional para uma seleção com esses gêneros. Foram positivos também a quantidade de obras submetidas e o consenso dos jurados, bastante raro, sobre quais obras deveriam ser premiadas”, elogia Heloísa Arcoverde. Outro destaque para a editora foi que, mesmo com a seleção anônima, dois pernambucanos terminaram com os prêmios principais. Já Wanda Cardoso, vinculada à Secretaria Estadual de Educação, ressaltou o alto nível dos textos, assim como a importância da iniciativa. “Na era da sociedade da informação, cada vez mais as crianças estão distantes da leitura de obras impressas. A proposta é incentivar essa leitura”, comenta.

Para Ronaldo Correia de Brito, autor de um clássico da literatura infantil pernambucana, Baile do menino Deus, a primeira parte do processo de escolha foi a separação entre o que era literatura infantil e o que era literatura juvenil. “De fato, o meu critério principal foi avaliar nas obras a sua criatividade, seu o valor narrativo e o que elas tinham de ensinamentos. Tive uma preocupação com os aspectos éticos, humanos, mas sem ser moralista”, explica. Ainda segundo ele, a preocupação com os aspectos éticos se deveu à presença de histórias de conteúdo amoral. “Ao mesmo tempo, a ideia foi fugir, embora com cuidado, de olhares apenas morais, de meras fábulas”.

Fernando Monteiro, autor do infantil O nome de um hamster, ressalta que, nas obras juvenis, deve-se privilegiar no texto uma abordagem sincera do mundo. “O cuidado maior é com não ser hipócrita nem sancionar uma visão hipócrita das coisas, porque ser adulto é, em parte, lidar com a hipocrisia 23 horas por dia”, defende. Em relação às histórias infantis, o principal ponto, para ele, é evitar a concepção errônea que alguns autores têm do público-alvo. “O critério básico seria não subestimar as crianças, mas respeitar a maravilhosa percepção que elas têm de tudo, antes de irem penetrando no mundo de um suposto ‘amadurecimento’”.

Ronaldo faz uma análise semelhante. “Existe essa tendência negativa no escritor infantil. Ao invés de ajudarem as crianças a pensar, a construir uma linguagem, a brincar com as palavras, eles reduzem a idade mental das crianças com o texto”. Para ele, muitos escritores simplesmente se deixam levar pela vontade de falar como crianças. “Quando se escreve para elas, há normalmente um desejo de abordar algumas questões da infância. Mas eu estou de acordo com vários autores que dizem que o bom texto para crianças é também um bom texto para adultos”, argumenta Ronaldo, comentando também que está em seus planos fazer outras obras infantis, quando conseguir uma pausa na literatura “adulta”. Para Fernando, no entanto, o papel principal de quem se dirige às crianças é descer do próprio pedestal do amadurecimento. “Quem escreve para crianças deve se esquecer que cresceu”, sintetiza.