Mat. Capa Grace 1 Pedro Pessanha outubro.21

 

Quem primeiro me falou de Grace foi Telma Fernandes, décadas atrás. Em uma rua do Barro Preto, bairro de Beagá, caminhávamos em direção ao teatro. Telma me perguntou se eu tinha assistido Por Elise, de Grace Passô. Com muito entusiasmo, falou-me da então muito jovem dramaturga e atriz, de seus talentos. A partir de então passei a acompanhar os trabalhos e a ler os textos e entrevistas de Grace. Fiquei encantada. Fui inúmeras vezes ao Espanca, espaço cultural por ela criado. Que potência, a dela, já ali se anunciava.

Suas inúmeras realizações e o reconhecimento que tem alcançado refletem um percurso digno de vastos elogios. Seus múltiplos talentos, no teatro, como atriz, diretora, dramaturga, no cinema, nas ideias e práticas performáticas insurgentes, reverberam e se tornam referência. Na postura ética, na utilização da corporeidade negra como instrumental possante, sofisticado, complexo; na modulação exímia da voz em performances memoráveis, nos enredos inusitados em que nos defronta com inúmeros outros falares e memórias de personagens que são traduções de mulheres e do feminino, enoveladas e intrincadas em linguagens cênicas que experimentam as mais diversas inflexões e ressonâncias de falas e silêncios, reticências e postulações, Grace sempre se reinventa.

Anos depois de Por Elise, a conheci pessoalmente. E à admiração aliou-se o afeto. Grace é uma pessoa doce, terna, de olhar perspicaz e curioso, atravessado por uma escuta atenta, generosa, ouvido pulsante de tantas polifonias com as quais desenha no palco visualidades sonoras vibrantes. Ímã.

Admirável Grace!

Vozeada de arrulhos, gritos, ressonância, ecos, solfejos e líricas contundentes, mas também lúdicas e irônicas, Grace, em suas performances e nas listras sensíveis dos textos, mistura sentimentos com agudas percepções dos entornos e transtornos do mundo, empresta voz às dissonâncias, mareia no universo das alteridades e não se deixa capturar pelas soluções fáceis. Compromete-se, inventa, transita, tece. Pura cinesia. Mira o de perto e alcança o infinito em nós. Seu corpo-mola, sua voz-tela, suas corpografias são sinônimos transversos de nossas múltiplas alteridades. Com labor, criatividade e talento ímpares, Grace nos enleva, nos atravessa de encantos.

À Grace, essa garça negra, senhora do verbo e dos palcos, menina travessa que faz arte, com graça e ardor, os meus mais ternos afagos e a minha mais pujante admiração.