Numa exposição de Robert Polidori

a escadaria carcomida e as roupas no varal
dentro de um antigo palacete de Havana
isso é Charlotte Rampling

a residência da señora Faxas
os retratos nas paredes descascadas
a mesa pensa
os livros empilhados
isso é Charlotte Rampling

quatro berços esquecidos
no quarto a ser devorado pelo jardim
em Chernobyl
isso é Charlotte Rampling

uma rua da Índia
que é uma rua de Anastácio
tentando parecer uma rua da Índia
isso é Charlotte Rampling

o carro branco
diante da casa branca
sujos do mesmo barro atirado pelo Katrina
isso é Charlotte Rampling

as panelas de alumínio
incrivelmente douradas
pendendo inúteis
numa cozinha que é o inferno
isso é Charlotte Rampling

o sofá vermelho coberto pelo lodo
que antes da tragédia era apenas um sofá
mas que agora pensa e quer a revolução
isso é Charlotte Rampling

e o que não é Charlotte Rampling não me interessa


Kintarô


1

Kintarô é um boteco da Liberdade
o melhor boteco da Liberdade
e talvez o melhor boteco do mundo

uma vez um amigo me disse que
como eu não conhecia todos
os botecos do mundo
não tinha o direito de eleger o melhor —
eu estava animado com o bar do Ademar
em Picinguaba
e tinha lá meus motivos —

mas sendo esse amigo um grande chato
e eu o dono do poema
repito para quem quiser ouvir

Kintarô é um boteco da Liberdade
o melhor boteco da Liberdade
talvez o melhor boteco do mundo

2

a história de Kintarô
personagem do folclore japonês
conforme me contaram no Kintarô ontem à noite
é a seguinte —

Kintarô era órfão de pai
que tinha sido comido por um urso
e trabalhava para sustentar a mãe
um dia Kintarô entrou na floresta
encontrou o urso
e lutou com ele até quase matá-lo
então chegou o filho do urso
e implorou para Kintarô poupar a vida de seu pai
Kintarô atendeu ao pedido do ursinho
e um samurai amigo de seu falecido pai
entusiasmado com sua valentia
e com seu nobre coração
fez de Kintarô um samurai
Kintarô foi um extraordinário samurai

a melhor parte da história vem agora

nos dias de folga
quando Kintarô visitava sua mãe
aproveitava para ir até a floresta
lutar sumô com o urso —

o Kintarô da Liberdade
é frequentado por sumotoris
e aficionados por sumô de modo geral
e há uma tabela do campeonato japonês na parede

o Kintarô da lenda
é representado por um garoto simpático
que leva um machado às costas
pois antes de se tornar samurai
Kintarô era lenhador

3

em Paris
existe um restaurante japonês
também chamado Kintarô

o Merinho que me falou
e depois Milton Ohata mandou a foto

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