G0LPE Rodrigo SommerA crise política do Brasil inspirou um grupo de escritores, formado por Ana Rüsche, Carla Kinzo, Lilian Aquino e Stefanni Marion, a realizar Golpe: antologia-manifesto, que será disponibilizada nas próximas semanas para download gratuito. “O projeto nasceu por acreditarmos que a força da união dos artistas que lutam pela democracia e contra esse governo ilegítimo é muito importante no momento que vivemos. Dias atrás apoiamos a ocupação da Funarte-SP e pretendemos fazer o lançamento simbólico lá dentro de duas semanas”, afirmou Marion.

Da obra participam nomes como Márcia Tiburi, Andréa del Fuego, André Dhamer, Bruna Beber, Gregório Duvivier, Marcia Denser, Noemi Jaffe, Julián Fuks, João Paulo Cuenca, Marcelino Freire, Frederico Barbosa e Micheliny Verunschk. A arte da capa, com um simbólico rato morto, é do artista visual Rodrigo Sommer.

Publicamos no Pernambuco, com exclusividade, o texto de Julián Fuks e de Dirceu Villa, que integrarão Golpe.

Desembarque (Julián Fuks)

Embarquei na tua nau, a nau que dizias sem rumo, a nau que cruzaria ao futuro. Acabado de chegar, vi homens brancos velhos pregando ordem e progresso, vociferando em uníssono contra a cultura. Dominavam todo o convés, com poder concedido a si mesmos. Soberbos em seus ternos, gritavam mesóclises equívocas, Acabá-la-emos a roubalheira, enquanto enchiam os bolsos de papéis das empreiteiras. Pregavam medidas austeras em prol do equilíbrio do barco. Queriam os poucos gordos de um lado, a engordar quanto pudessem, e os magros todos do outro, acumulando apenas magreza. Resolvi descer ao porão, não conseguia ficar ali em cima. Vi homens mais magros ainda, sobretudo jovens negros, padecendo a aspereza dos remos. Vi mulheres de olhos ferinos, tramando a revolta certeira. Na tua nau o salário era mínimo: quem não aceitasse, afogar-se-ia. Na tua nau se dormia ao relento e sem nenhum cuidado médico. A tua nau garantia a certeza de que todo direito era excesso. Cogitei um instante me jogar no mar, mas não quis te dar esse prazer. Me juntarei agora às mulheres, ocuparei com elas o convés, beberei suas palavras tão firmes, me embriagarei de sua resistência. Antes te escrevo esta mensagem, sobre o passado que habita o futuro. Antes te escrevo esta carta com rimas, esta carta que emula o teu pobre poema. Antes te digo o óbvio, o que tão logo dirá o tempo. A tua nau, meu caro Temer, é um navio negreiro.

ratos brotando dos bueiros (Dirceu Villa)

você sabe bem que eles são roedores,
e que também são infectos: os ratos,
eles se escondem até que então saem,
ratos dos grandes, com muita energia
nervosa, cheios de peste nas presas,
furtivos não mais, animais regressivos,
os sempre velhos covardes de esgoto 
na espessa violência de gangue: a sujeira
em suas línguas de ralo ergue os ratos
do escuro e antigo buraco; não vivem
de resto ou rasteiro: reis na ratice,
nos golpes, & ditam as regras de ratos
pra todo mundo que seja um bom rato
como eles — às vezes, num país inteiro,
& às vezes depois de fugir por uns bons
30 anos. quem não é rato, cuidado:
pois há ratos brotando dos bueiros.

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