O escritor Ramon Nunes Mello (foto) reuniu 96 poetas brasileiros, de várias gerações, para um livro em que a temática do HIV/Aids atravessa e sustenta os textos. Lançado pela editora Bazar do Tempo, com arte de Leonilson na capa, Tente entender o que tento dizer traz nomes como o imortal da ABL Antonio Carlos Secchin e a escritora e ativista trans Amara Moira. E são justamente desses dois que selecionamos os seguintes poemas:
Pela décima vez
(Amara Moira)
Confia em mim, sou casado,
doador de sangue e, por deus,
primeira trava com que eu
saio é você, olha o estado
em que ele fica, babado:
te dou mais dez, nem assim?
Você tem cara que fez
teste, o meu deu nem um mês;
aliança e tudo, eu sou, sim,
casado, ó, confia em mim.
***
Noite na taverna
(Antonio Carlos Secchin)
1
Senta uma puta perto da taça.
Arde uma tocha acima da mesa.
Salta uma estrofe em cima da coxa.
Nasce um poema a toque de caixa.
Fora, uma virgem dorme na lousa.
Ri-se o poeta em torno da brasa.
A mão do poeta passeia na moça.
O seio da moça é uma pétala gasta.
2
Crepúsculo, vinho, hemorragia:
vai vermelha a voz da poesia.
A vida só vale o intervalo
entre início e meio de um cigarro.
Traga, taverneira, algo bem ríspido,
afogue em rum qualquer sonho nosso.
Brindemos ao que esconde o futuro:
metáforas, Aids e ossos.