Anti-silogismo


Proust vivia de rendas.
Assistiu a concertos.
Frequentou salões.


Rimbaud não tinha
onde cair morto.
Traficou armas.
Escandalizou o burguês.


Viver de rendas,
assistir a concertos,
frequentar salões
não basta.


Não ter onde cair morto,
traficar armas,
escandalizar o burguês
não basta.



Respirando


A gente inventa,
mas a gente não mente.


A gente convoca os mortos,
a gente fala com eles,
a gente os traz de volta,
mas a gente não é médium.


A gente testemunha
contra o esquecimento,
mas a gente não participa
de nenhum tribunal.


A gente mantém sempre limpo,
lavado,
perfume de alfazema,
o velho terno branco da poesia,
lustra-lhe os sapatos gastos,
mas a gente não cogita
de coluna social.


A gente distribui uma hóstia,
a gente faz uma comunhão,
mas a gente não é nenhum sacerdote
e a gente não participa
de nenhuma igreja.


A gente compartilha
um placebo que alivia,
mas a gente não é médico
nem curandeiro.


A gente vira por vezes
o mundo de ponta-cabeça,
mas a gente não é bobo da corte,
a gente não frequenta a corte.


A gente fala da morte,
da saudade,
do fracasso,
a gente fala da dor,
mas a gente não sabe falar
das vitórias,
das conquistas,
do sucesso.
Por isso o poder
olha pra gente de viés.


Até que às vezes
a gente escreve brincando.
Nunca porém
a gente escreve por brincadeira.


Não é um hobby
como quem coleciona selos
ou como quem joga tênis
duas vezes por semana.
A palavra é nossa respiração.

SFbBox by casino froutakia