Ilustração por Janio Santos

Nos dois dias em que tivemos que ficar na estalagem esperando a partida do navio, Bopp desapareceu. Ninguém tinha notícias dele. Achei que havia desistido da viagem. Mas, na hora do embarque, já fechado o bagageiro, eis que Bopp despontou numa curva do porto, descabelado e descomposto, gritando e correndo e tropeçando nas suas infindáveis malas. As pernas curtinhas não colaboravam com aquela corrida desvairada. Chegou esbaforido ao convés e, sem dar tempo para recuperar o fôlego, foi logo despejando uma história em que era difícil acreditar. Mal se acomodara na estalagem, ouviu um som vindo da rua. Parecia música, mas era diferente de tudo que escutara até então. Lembrava vagamente sons com que tivera contato na Amazônia. Pensou que seria semelhante a isto um jazz tocado pelos Waimiri Artroari. Selvagem, violento e, ao mesmo tempo, sedutor. Bopp desceu, é claro. Só pensava em ir atrás do som. Na porta da estalagem, parou, fechou os olhos e apurou os ouvidos para identificar de onde provinha a música que, ali fora, se misturava ao rumor da cidade. Deu uma volta no prédio e seguiu pela ruela que ficava diante da janela de seu quarto. Ali, a música estava mais alta, mas ainda distante. Seguiu célere em sua direção. No final da ruela, a música soava mais baixa. Bopp não sabia para onde ir. Buscou se concentrar para reconhecer o lugar do qual ela vinha. Depois de um instante, não tinha mais dúvida. A música saía da rua à esquerda. Tão logo dobrou, já a ouviu mais alta, porém ainda afastada. A rua era longa e Bopp se apressou. Precisava alcançar o som. Mas este escapava. Primeiro ficava fraco, depois sumia. Bopp acelerava e voltava a escutá-lo. Urros agora acompanhavam a música. Bopp queria ouvir mais. Mas a música continuava a se deslocar pela rua. Bopp então correu. Julgou ver, ao longe, cinco rapazes cabeludos carregando instrumentos musicais. Vestiam calças e camisas pretas com paletós lilases por cima de tudo. No escuro, a cor berrante do paletó sobre a roupa negra fazia com que eles se assemelhassem a flores gigantes que, libertas do buquê, pairavam soltas no ar. Eles se saracoteavam enquanto tocavam, numa dança ainda mais insana que a música. Rebolavam a cintura e jogavam as pernas para a frente. Levantavam os instrumentos para o alto e davam saltinhos. Por vezes, se jogavam no chão e deslizavam sobre os paralelepípedos, e esta dança, tivesse um nome, pensou, poderia ser kinkiliba. (Não sabia de onde lhe chegaram tal pensamento e tal nome.) Bopp continuou a correr. Os rapazes sumiram por uma rua transversal. Bopp foi atrás. Assim que virou a rua, não viu ou ouviu o que quer que fosse. O repentino silêncio o deixou preocupado. Olhou para os lados e nada. Continuou a andar. Caminhou uns duzentos metros à frente antes de voltar a escutar aquela estranha música. Acelerou o passo. Lá no fim estavam os rapazes. Os cinco, que depois viraram quatro, percorreram as ruelas sujas do bairro. Andaram por tudo, cantando e dançando. Bopp os seguiu noite adentro, sem nunca conseguir chegar perto deles, o que o angustiava. Queria poder dançar também, rebolar e jogar as pernas para frente, mas se parasse para fazê-lo os perderia de vista. Resignou-se a acompanhá-los, de longe. Acompanhou-os até o infinito, até as prostitutas se recolherem e as lojinhas começarem a abrir, até o sol se pôr e voltar a ser noite e as lojas fecharem e as prostitutas saírem às ruas, até o sol nascer de novo, as prostitutas voltarem para suas casas e as lojas levantarem novamente suas portas e não ser mais possível ouvir a música. Eles pareciam fantasmas, me disse Bopp. Mas não fantasmas do passado, acrescentou depois de uma pausa, e, sim, fantasmas que tivessem vindo do futuro.

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