Cidade
Sou um efêmero e não muito descontente cidadão de uma metrópole considerada moderna porque todo estilo conhecido foi excluído das mobílias e do exterior das casas bem como do plano da cidade. Aqui você não encontrará o menor sinal de nenhum monumento de superstição. A moral e a língua estão reduzidas às expressões mais simples, enfim! Estes milhões de pessoas que nem tem necessidade de se conhecer levam a educação, o trabalho e a velhice de um modo tão igual que sua expectativa de vida é muitas vezes mais curta do que uma estatística louca encontrou para os povos do continente. Assim como, de minha janela, vejo espectros novos rolando pela espessa e eterna fumaça de carvão, — nossa sombra dos bosques, nossa noite de verão! — as Erínias novas, na porta da cabana que é minha pátria e meu coração, já que tudo aqui parece isto, — Morte sem lágrimas, nossa filha ativa e serva, um Amor desesperado, e um Crime bonito gemendo na lama da rua.
Promontório
A aurora dourada e o pôr do sol arrepiante encontram nosso brickem alto-mar diante dessa vila e de suas dependências, que formam um promontório tão extenso quanto o Épiro e o Peloponeso, ou mesmo a grande ilha do Japão, quem sabe a Arábia! Templos iluminados pelo retorno das teorias, das vistas imensas da defesa das costas modernas; dunas ilustradas de flores quentes e de bacanais; dos grandes canais de Cartago e os Embankments de uma Veneza suspeita; a erupção mole de Etnas e as fissuras de flores e águas nas geleiras; lavatórios rodeados de álamos da Alemanha; declives de parques singulares inclinando as copas da Árvore do Japão; e as fachadas circulares dos “Royal” ou dos “Grand” de Scarbro e do Brooklyn; e seus railways flanqueiam, cruzam e pendem sobre as disposições deste Hotel, escolhidas na história das mais elegantes e mais colossais construções da Itália, América, Ásia, em cujas janelas e terraços, agora cheios de luzes, de bebidas e brisas chiques, estão abertos ao espírito dos viajantes e dos nobres — permitindo, durante o dia, a todas as tarantelas do litoral, — e até mesmo aos ritornelos dos vales ilustres da arte, decorar maravilhosamente as fachadas do Palácio-Promontório.
Cidades
Que cidades! É um povo para o qual foram montados Alegânis e Líbanos de sonho! Chalés de cristal e madeira deslizam sobre trilhos e polias invisíveis. Crateras ancestrais circundadas de colossos e palmeiras de cobre rugem melodiosamente dentro dos fogos. As festas do amor badalam nos canais suspensos atrás dos chalés. A caça dos carrilhões grita nas gargantas. Matilhas de sinos gritam nas gargantas. Corporações de cantores gigantes chegam em trajes e adereços cintilantes como a luz nos cimos. Sobre as plataformas, em meio a precipícios, os Rolands trombeteiam sua bravura. Sobre as passarelas do abismo e os tetos dos albergues, o ardor do céu hasteia os mastros. O colapso das apoteoses concentra os campos das alturas onde centaurinas seráficas evoluem entre as avalanches. Acima do nível das mais altas cristas, um mar atormentado pelo eterno nascimento de Vênus, repleto de frotas orfeônicas e do murmúrio de pérolas e conchas preciosas, — às vezes o mar se escurece com brilhos mortais. Nas encostas, safras de flores imensas bramem como nossas armas e taças. Cortejos de Mabs em robes roxos e opalinos, trepam nas ravinas. E lá em cima, os pés nas sarças e na cascata, cervos sugam os seios de Diana. Bacantes de subúrbio soluçam e a lua queima e uiva. Vênus penetra as cavernas de ferreiros e eremitas. Grupos de campanários cantam as ideias das pessoas. Música desconhecida escapa dos castelos de osso. Todas as lendas evoluem e veados invadem os burgos. O paraíso de tempestades despedaça. Selvagens dançam sem cessar a festa da noite. E, uma hora, desci na agitação de um bulevar em Bagdá onde companhias cantavam a alegria do trabalho novo, sob uma brisa espessa, circulando sem poder iludir os fantasmas fabulosos dos montes, onde ficamos de nos reencontrar.
Que braços bons, que hora adorável vão me devolver essa região de onde vêm meus sonos e meus movimentos mais sutis?
Desfile
Os malandros sólidos. Muitos já exploraram vossos mundos. Sem necessidades, e pouca pressa em aplicar suas brilhantes faculdades e a sua experiência de vossas consciências. Que homens maduros! Olhos vidrados como noite de verão, vermelhos e negros, tricolores, aço salpicado de estrelas douradas; faces disformes, plúmbeas, pálidas, incendiadas; rouquidões burlescas! A marcha cruel dos ouropéis! — Alguns são jovens, — mas achariam o que de Querubim? — munidos de vozes medonhas e uns truques perigosos. São enviados para trepar na cidade, fantasiados num luxo que dá nojo.
Oh o mais violento Paraíso da careta furiosa! Nada comparável a seus Faquires e outras tantas teatrais bufonerias. Em trajes improvisados com sabor de pesadelo, encenam litanias, tragédias de bandidos e semideuses espirituosos, como jamais foram a história ou as religiões. Chineses, Hotentotes, ciganos, otários, hienas, Moloques, velhas demências, demônios sinistros, misturam os folguedos populares, maternais, com poses e ternuras bestiais. Interpretariam peças novas, canções “para moças”. Mestres jograis, eles transformam o lugar e as pessoas e usam a comédia magnética. Os olhos inflamam, o sangue canta, ossos se dilatam, rolam lágrimas e filetes rubros. Sua zombaria ou seu terror dura um minuto, ou meses inteiros.
Só eu tenho a chave desse desfile selvagem.