É preciso pensar em um jornalismo que se utilize, sem constrangimentos, da subjetividade, reconhecendo-a como um ganho fundamental na prática da reportagem e mesmo na notícia cotidiana. Nele, são considerados, e não negados, os elementos que escapam da “rede técnica” dessa área de conhecimento. Assume-se que não é possível domar o mundo exterior — e o Outro — em sua totalidade (independentemente de estarmos lidando com um “fato”, “fenômeno” ou “acontecimento”), mas que devemos, antes, incorporá-lo, dentro de nossas limitações, às práticas jornalísticas. Assim, englobamos as fissuras e as subjetividades inerentes à vida — o resultado é uma produção na qual o ser humano é percebido em sua integralidade e complexidade, com menos reduções. É, certamente, um caminho para minar clichês e lugares-comuns que tantas vezes só engessam nosso olhar sobre o mundo.
Reconhecer que não somos capazes de guiar comportamentos, falas, sentimentos e situações, aliás, não prejudica a narrativa jornalística; ao contrário, pode enriquecê-la. Parece óbvio, mas o fato é que grande parte da produção desse campo midiático funciona a partir de um imenso e terrível ato de manipulação e autoritarismo, no qual pessoas e grupos são praticamente obrigados a se comportar, a responder e mesmo a sentir aquilo que o jornalista - quase sempre apressado ou ansioso para dar conta de algo que está em sua cabeça - quer. A inclusão daquilo que escapa ao nosso controle não significa o fim do respeito a uma prática/teoria na qual diversas regras da objetividade são vitais, mas acarreta seu necessário amadurecimento e o entendimento de limites teóricos, profissionais e individuais. Significa, enfim, pensar na produção dessa área de conhecimento de maneira dialética (e aqui não me refiro à dialética no registro marxista, e sim em seu aspecto filosófico, como pensamento dinâmico que procura explicar a realidade levando em consideração sua complexidade e constante instabilidade).
É importante levar em conta que objetividade e subjetividade não podem ser extraídas da produção noticiosa, uma vez que estão imbricadas, como percebe Francisco Karam no livro A ética jornalística e o interesse público.A notícia é feita a partir de uma articulação entre essas duas dimensões. Assim, numa prática que reconhece a subjetividade, não são colocados de lado elementos vitais do jornalismo - tais como a pertinência da informação, a checagem minuciosa de dados e fatos, a clareza na escrita - e, importante, não se assume a distorção deliberada do acontecimento (ou fenômeno). Afinal, é no campo da realidade socialmente compartilhada que o jornalismo estabelece seu índice, e, mesmo com a adoção de vários elementos da literatura na escrita, é essa a pedra fundamental da prática jornalística e o que a separa, no fim, da ficção. Dar conta dessa lógica no momento da produção não implica um jornalismo que deixa de lado a “Verdade”, maiúscula palavra vastamente utilizada para exprimir a ideia de excelência e que serve, há séculos, para blindar o próprio jornalista (“Apenas relatei a verdade”). Aliás, um dos motivos para a resistência em agregar essa prática subjetiva ao trabalho talvez seja a própria desmistificação do papel do profissional da imprensa, fenômeno que vem ocorrendo há muito, quer ele queira ou não.
Trecho do livro O Nascimento de Joicy, da Arquipélago Editorial