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Abaixo, um trecho de Ida Um Romance, livro de Gertrude Stein (1874-1946) lançado pela Ponto Edita com tradução de Luís Protásio. Obra para ser lida e ouvida, nela Stein constroi uma protagonista "que se singulariza, entre as mulheres de Stein, por ser absolutamente distraída e por não fazer quase nada em mais ou menos 150 páginas de uma prosa meio hilária e absurda", diz o crítico Victor da Rosa (UFOP), cuja resenha sobre o livro pode ser lida aqui

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Ida casou-se com Frank Arthur.

Arthur tinha nascido bem no meio de um país grande.

Ele sabia desde muito pequeno que a terra era redonda então para ele isso nunca foi surpresa. Sabia que as árvores tinham folhas verdes e que nevava quando era hora de nevar e que chovia quando era hora de chover. Ele sabia à beça.

Quando Arthur era pequeno conheceu um rapaz reto que tinha um pé torto e era alto e magro e trabalhava para um fazendeiro.

O rapaz do pé torto andava de bicicleta e ficava de pé e encostava na bicicleta e contava tudo para Arthur.

Contou tudo sobre cachorros.

Contou que um cachorrinho, depois que descobria, não parava de fazer amor com tudo, a perna de um cachorro grande, a perna de uma mesa, tudo, contou que a voz de um cachorrinho de caça muda, falha que nem voz de menino falha e aí sobe e desce e aí enfim se firma. Contou sobre os cachorros dos pastores, que os pastores só podiam valer-se de seus cachorros por oito anos que quando o cachorro tinha nove anos o pastor tinha que enforcá-lo, que quase sempre o pastor ficava muito triste e chorava muito quando tinha que matar o cachorro enforcado mas não dava para ficar com o cachorro depois que o cachorro tinha oito anos, eles realmente não dão a mínima para o pastoreio depois disso e por que alimentar um cachorro se ele não dá mais a mínima para o pastoreio e aí os pastores às vezes choravam bastante mas quando o cachorro fazia oito anos eles o enforcavam. Aí ele contou para Arthur sobre outro cachorro e uma menina. Ela sempre dava um torrão de açúcar para aquele cachorro sempre que o via. Era a menina da vendinha que vendia açúcar, e aí um dia ela viu o homem que tinha o cachorro entrar, e quando ele entrou ela disse cadê o cachorro e ele disse o cachorro morreu. Ela estava segurando o torrão de açúcar e quando ele disse aquilo ela pôs o torrão de açúcar na boca e comeu e aí desatou a chorar.

 

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Ida não tinha hábitos, ela estava descansando. 

E aí pouco a pouco alguém teve ciência.

Que gentileza seria se não fizessem reverência.

Ida tinha um hábito engraçado. Uma vez ouviu dizer que os albatrozes aves de cujo nome ela gostava sempre faziam reverência antes de fazerem qualquer coisa. Ida fazia reverência assim para toda coisa de que gostava. Se dispunha de um chapéu de que gostasse, dispunha de vários chapéus mas às vezes dispunha de um chapéu de que gostava e se gostava punha o que gostava em cima de uma mesa e fazia reverência. Ela dispunha de muitos vestidos e às vezes gostava de um deles. Punha então aquele num canto e então fazia reverência. Naturalmente joias mas sem dúvida vestidos e chapéus particularmente chapéus, às vezes particularmente vestidos. Ninguém sabia nada a respeito disso seguramente ninguém e seguramente o Andrew não, se alguém soubesse seria por acidente pois quando Ida fazia reverência assim para um chapéu ou para um vestido ela nunca dizia. Uma camareira poderia vir a saber mas evidentemente nunca tendo ouvido falar de albatrozes, a camareira não entenderia.

Ah sim disse Ida enquanto estava descansando. Evidentemente ela nunca fazia reverência enquanto estava descansando e ela estava sempre descansando quando eles estavam lá. Querida Ida.