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O texto a seguir é a introdução do livro Direito antifascismo brasileiro, de Paulo Scott (foto), que é lançado pela Companhia das Letras no primeiro semestre de 2023.

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O QUE PODE A ESCRITA DIANTE DA BRUTALIDADE

Este livro, este projeto, é resultado de um processo de escrita que – depois de um ciclo de busca em que me dediquei exclusivamente à Literatura – me devolveu a um processo de reflexão sobre as idiossincrasias do Direito brasileiro e, nos últimos anos da primeira década do século XXI, desencadeou um buscar entender o retorno do pensamento (da truculência irracional e homicida) do tipo fascista ao país. Também é sobre as possibilidades de cercar a expressão fascista e combatê-la a partir de leituras-estudante, de sabedorias renovadas, transparentes, democráticas, interdisciplinares, amadurecidas, éticas. 

É parte de um questionamento antigo compartilhado em interlocuções diversas, turmas diversas, sobre como encarar a faceta da ordem social brasileira estruturada na base do medo – um medo generalizado, e propulsor, que é a espinha do projeto civilizatório brasileiro desde sempre –, sobretudo quando essa ordem do medo passa a ser alimentada direta e explicitamente por uma lógica ruidosa e covarde, que pode, sem a necessidade de grandes malabarismos mentais, ser tachada de fascista, protofascista, neofascista, fascistoide ou como se queira enquadrar essa onda – decorrência tardia dos movimentos históricos conhecidos como fascismo italiano e fascismo alemão, bem como dos seus clones, dos seus replicantes, dos seus arremedos, Europa afora, mundo afora[nota 1] – que, incontida, assaltou brasileiras e brasileiros.

Nesse sentido, penso em um lugar estabelecido sob as lentes da moral e, mais importante do que a moral (subvertida por moralidades e moralismos hegemonizadores de ocasião), da ética (do engajamento ético que foi relegado a segundo plano, quando não recusado, desabilitado, esquecido, por aqueles que, pela posição funcional que ocupam, pelo dever de tutela dos direitos fundamentais, deveriam compreendê-los, observá-los, assumi-los, expandi-los) – perspectiva ética (desejo ameaçador) trabalhada na poderosa letra da canção O rap da felicidade[nota 2], de autoria dos artistas cariocas MC Cidinho e MC Doca, cujo estribilho diz:

Eu só quero é ser feliz/ Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é/ E poder me orgulhar/ E ter a consciência que o pobre tem seu lugar

–, um espaço de exposição de hipóteses de trabalho desencadeadas pela inquietação de quem permanece ligado ao Direito de maneira não confortável, desconfiando que os esforços da vida, bem como os riscos que a circundam, são sempre preparação – em relação ao que chegará e ao que, em razão dessa possibilidade de chegar, se prepara, como sintetizam, em um plano de afeto, os seguintes três versos do poema Sobre como o começo se funde com o fim na descoberta do mundo[nota 3] da poeta gaúcha Fernanda Bastos: 

Quando não sabia de ti,/ Tinha a fome da busca/ (mas não sabia que era preparação).

–, e, colocando-se distante do mero desejo, quer um Direito que não seja consequência de um projeto de amputação da dignidade humana, das autoestimas de certos grupos sociais sistematicamente oprimidos, da vida, um projeto atualizado para tornar ainda mais subalternas (subalternizadas) e rejeitadas pessoas que não sejam da elite[nota 4] (ou da órbita de puxa-sacos da elite fazendo, com o seu poder estamental, cartorial, técnico-profissional, de tudo para, ostentando o crachá de funcionário do mês, cruzar a catraca do clube da elite), para diminuí-las, oprimi-las, desconstituí-las, assassiná-las. 

Em resumo, um lugar que se transforme em experiência instrumental (e sonhadora), imagino próxima da experiência sonhadora ressaltada pelo pensador francês chamado Michel Foucault[nota 5], um sujeito cuja inquietação de pensamento foi importante na minha trajetória estudantil:

Sou um experimentador, e não um teórico. Chamo de teórico aquele que constrói um sistema global, seja de dedução, seja de análise, e o aplica de maneira uniforme a campos diferentes. Não é o meu caso. Sou um experimentador no sentido em que escrevo para mudar a mim mesmo e não mais pensar na mesma coisa de antes.


DO PENSAMENTO

Mais do que deliminar, e conhecer, a extensão contemporânea da palavra fascismo no Brasil, é preciso – além da, já anunciada, palavra medo – prestar atenção à palavra violência. 

Na problemática relação entre o Direito e os protagonismos da violência em território brasileiro (a realidade da violência estrutural, estamental, classista, racial, de gênero, colonial, característica do Brasil, do projeto de Estado brasileiro, manifestações que, mesmo interligadas, em graus variáveis, à movediça dramaturgia cumprida, acirrada, no plano geopolítico mundial, só poderiam ser detectadas nas frações mais assombrosas da solução civilizatória brasileira – como escancara, com amplitude, a partir de um cenário narrativo problematizado em que o Estado, no caso o Estado que se materializa sobre a realidade urbana paulistana, é pleno quando se trata de espalhar a violência estatal, e, com isso, ampliar um seletivo, e planejado, flagelo social, que interdita a cidadania, iniciativas, perspectivas de futuro, infligindo uma pauta de ódio, uma inclemente moralidade de ódio, e uma deturpada ética da violência[nota 6], o seguinte trecho do rap Mágico de Oz[nota 7], do grupo de rap paulista Racionais MC’s: 

Se diz que moleque de rua rouba/ O governo, a polícia no Brasil, quem não rouba?/ Ele só não tem diploma pra roubar/ Ele não se esconde atrás de uma farda suja/ É tudo uma questão de reflexão, irmão/ É uma questão de pensar/ A polícia sempre dá o mal exemplo/ Lava minha rua de sangue, leva o ódio pra dentro/ Pra dentro de cada canto da cidade/ Pra cima dos quatro extremos da simplicidade/ A minha liberdade foi roubada/ Minha dignidade, violentada/ Que nada dos manos se ligar/ Parar de se matar

–, nos ambientes ditos periféricos diuturnamente invisibilizados) se acumulam e se acomodam perguntas sobre o quanto a institucionalidade brasileira (as entidades e órgãos institucionais brasileiros, os seus servidores, seus condutores, suas autoridades e oficialidades e, não menos censuráveis, seus paralelos de sustentação) participa na promoção de pensamentos, atitudes, irracionalidades e violências flagrantemente neofascistas.

Nessa análise, provocada e convocada pela escrita, também está a percepção do adoecimento comportamental brasileiro (consequência de uma sociedade não integrada; por isso desintegrada) na violência, sob a violência. Nesse adoecimento, a normalização do medo (e da violência), a normalização de um estado patológico assentado em modo

(...) acho tudo normal/ bem mal, eu vou vivendo bem mal/ bem mal, contigo tudo igual/ bem mal, vamos vivendo bem mal

crônico (no tom da estrofe acima, parte da letra da música Bem Mal[nota 8], da banda gaúcha Ultramen), um estado de amortecimento que impede a maioria do povo (a que não participa da elite; a elite que é menos de 1% da população) enxergar com nitidez o lado autodestrutivo de funcionar do nosso modo social (político e jurídico).

Um quadro em que todas e todos perdemos e, ainda assim, insistimos em continuar acometidos pelo não enxergar, não atingir o ânimo que nos leve à revolta, à ação, ação da revolta – como aborda (e, sim, problematiza), desvelando o ideal protofascista que condiciona o ler errado e o agir errado dos agentes do Estado, a poeta carioca Maria Isabel Iorio nestes versos do poema Como diluir um pigmento histórico[nota 9]:

o guarda tava dando/ uma dura/ em dois garotos negros/ e falou pra gente se afastar porque/ a bala podia/ pegar/ na gente/ como se só a gente/ fosse// [eu viro um bicho com vontade de falar]// eles tão apertando/ a coagulação é/ um trabalho militar/ que mesmo à noite enxerga e procura sempre/ a mesma cor 

– e, como sociedade afetada por um traumatismo nunca tratado, posta sob a opressora conveniência de uma meia dúzia, continuar errando e errando e errando.

 

DIANTE DO TERROR

Como um tumor – um que, no ciclo atual, se avoluma perigosamente na máquina da justiça, máquina de que participam, alimentando-a, as escolas de Direito, justo porque geram uma visão e uma linguagem capengas do mundo e da vida – que impede o que deveria ser o debate público em torno da vontade de construir uma ética constitucional, contempladora, agregadora (não meramente conciliadora em que uns se submetem à opressão e outros poucos, pouquíssimos, mantêm seus privilégios), inspiradora (não suscetível ao medo e ao terror projetado pelo medo), uma democracia brasileira, uma outra nação brasileira (composta pela diversidade de muitas nações brasileiras), uma nação de verdade (indígena, negra, branca, plural). Falta esse debate público. Falta essa coragem. 

Uma consistente mobilização cultural que revelasse o quanto o passado do Brasil é consequência de um passado perturbado e desgraçado pelo predomínio da violência da colonialidade[nota 10] – a que fez do país um lugar de usurpação, sugação, um lugar de saque, um lugar da morte – ajudaria bastante. Esse retorno, entretanto, pela enorme dor que causa às pessoas (e por ter sido lançado à complicada zona dos tabus), não é fácil de programar, de realizar.

Um debate público maduro e satisfatório ainda está, entretanto, distante da nossa rotina social (das faculdades de Direito e dos tribunais), do nosso funcionar, a ponto de ser possível afirmar, e com baixa chance de erro, que somos conduzidos por uma cegueira, uma cegueira induzida – sobre isso, e considerando que essa indução é flagrada em um projeto de esquecimento, uma política do esquecimento, bastante pertinente é a série de reflexões registrada no ensaio A violência constitutiva e a política do esquecimento[nota 11], do professor gaúcho Jaime Ginzburg, em que se encontra o seguinte trecho:

Aos regimes autoritários interessa enfocar o passado como totalidade fechada, frequentemente como mistificação unificadora, a fim de controlar as imagens das identidades coletivas. Para a convivência democrática, ocorre o oposto. O passado é constantemente reinterpretado, em um trabalho sempre incompleto.

–, dentro da qual nos acomodamos e, inoculados pela acomodação, tentamos ser felizes mentindo para nós mesmo uma paz – denunciada pelo poeta carioca Marcelo Yuka quando, na letra Minha alma (a paz que eu não quero)[nota 12], escreveu:

(...) paz sem voz/ paz sem voz/ não é paz/ é medo

– que, se confrontada, sobretudo pelo enxergar de quem está condenada, condenado, a perder, a perder todos os dias, o tempo todo, jamais passará de trauma coletivo que resulta em um imenso não querer enxergar, não querer lembrar, não querer falar, não querer pensar. 

 

DIÁLOGO E REVOLTA

As insatisfações invisibilizadas pela ausência de diálogo e ausência das tensões legítimas necessárias – sobretudo para a construção de uma democracia real – que ele produz (não há democracia sem tensões, sem choque de expectativas) são parte desse processo de fascistização, de banalização das injustiças, de adesão a soluções instantâneas (neste mundo de imagens e narrativas instantâneas, operadas por uma imaturidade comportamental aparentemente inalterável, em que a velocidade, a pressa que a desova, abala a qualidade de nossa percepção dos fatos) defendidas por quem faz pouco dos compromissos em relação à condição humana, em relação à sensibilidade humana, à vida humana.

A insatisfação que se transfigura em ódio, raiva, insensatez, e, assim, desperta e impulsiona o retorno do fascismo, deste fascismo do século XXI – impossível não considerar nossa suscetibilidade contemporânea quase completa à violência, ao medo –, pode ser também a que inspira o combate ao pensamento e às práticas fascistas. 

Há uma disputa entre raivas.

Nessa angularidade, é preciso revolta contra a mentalidade institucionalizada[nota 13] que deprecia o outro e torna comum a morte do outro, revolta contra sua ampliação. Também o seu enfrentamento pelas pessoas não afetadas pelo encantamento em relação ao fascismo, pelo sonambulismo que acarreta, pelo fascínio[nota 14] – fascínio salientado liricamente pelo compositor gaúcho Humberto Gessinger nestes emblemáticos dois versos da música Toda forma de poder[nota 15]:

O fascismo é fascinante/ Deixa a gente ignorante fascinada

– que atiça em razão da suposta existência de atalhos, de um molde simplificador apressado, tosco[nota 16], uma simplificação mentirosa, generalizante, que desconsidera o diálogo com as outras pessoas e que admite a possibilidade de que resolva determinados impasses pelo extermínio (extermínio dos subalternos, dos matáveis, dos chacináveis, dos genocidáveis), como se o exterminar o outro fosse tolerável, aceitável, fosse consequência de um agir natural.

Durante anos fiquei hipnotizado com a possibilidade de um real processo de redemocratização (democratização do Brasil) a partir da Constituição Federal de 1988. Em algum momento da segunda metade da primeira década deste século XXI, comecei a acordar (quanto às possibilidades de se estabelecer, sem uma revolução democrática, apenas na base de reformas acanhadas, uma democracia de verdade no país), custei a acordar por completo. 

O golpe político de 2016, o governo que se sucedeu e o governo de lógica protofascista que assumiu em 2019, acabando – em dois movimentos realizados em benefício dos interesses da mesquinha elite brasileira – com a Nova República, provou que as instituições produzidas pela CF 88 não eram sólidas, como os que permanecendo hipnotizados imaginavam.

Na escrita deste livro, nas movimentações de pensamentos que o desencadearam e também na abertura de diálogo que nele se propõe[nota 17], o fascismo é uma das variações da violência cumprida neste país, variações projetadas e cometidas neste país. Fascismo – que já foi comparado ao bacilo da peste que permanece latente por um bom tempo e depois, surpreendendo as pessoas que imaginam superados os terrores do seu último assalto, faz a peste retornar[nota 18] – é expressão-parasita da violência e do medo, necessitada do fértil terreno das violências e dos medos – também da aceitação pelo Direito (na verdade, pelo antiDireito[nota 19] que contorna violências e medos e que, desse modo, os agrava) – para retornar.

Retorno que pode ser barrado pelas mentes e vozes (pelas subjetividades) que se revoltam contra a morte (a morte reapresentada pelo que parecia não realizável), não apenas pela busca da vida e da justiça, mas também, e no jogo do impossível, pela aderência, às vezes por um fio (o fio que escapa da impossibilidade), à alegria, à felicidade. Algo bem sintetizado neste poema[nota 20] do escritor mineiro Sergio Vaz, em que ele trabalha a ideia de ética que se impõe, em potência de festa (a festa mais do que resistência, festa que é resposta), potência de encontro, potência que leva ao não se quebrar, diante do conduzir civilizatório que pressiona a ponto de oprimir: 

Resistir/ ao lado das pessoas/ que a gente gosta/ deixa a luta mais suave,/ a gente não quebra, entorta./ As lágrimas ficam filtradas,/ o suor mais doce/ e o sangue mais quente./ E sem que a gente perceba, percebendo,/ as coisas começam a mudar à nossa volta./ E aquele sonho que parecia impossível/ acaba virando festa/ enquanto a gente revolta.

Realizar esse debate hoje, e continuá-lo no futuro, penso, é maneira de salvar nosso presente (o hoje sempre resposto). A escrita que se seguirá nos capítulos deste livro, deste projeto, parte dessa premissa.

 

NOTAS

[nota 1] “Pode-se dizer que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita que dominou um país europeu e que, em seguida, todos os movimentos análogos encontraram uma espécie de arquétipo comum no regime de Mussolini. O fascismo italiano foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e até mesmo um modo de vestir — conseguindo mais sucesso no exterior que Armani, Benetton ou Versace. Foi somente nos anos 1930 que surgiram movimentos fascistas na Inglaterra, com Mosley, e na Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, Noruega e até na América do Sul, para não falar da Alemanha.” ECO, Umberto. O fascismo eterno. Tradução de Eliana Aguiar. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2018, p. 29.

[nota 2] MC CIDINHO E MC DOCA. O rap da felicidade. Produção DJ Malboro. Rio de Janeiro: Columbia, 1994.

[nota 3] BASTOS, Fernanda. Eu vou piorar. Porto Alegre: Editora Figura de Linguagem, 2020, p. 20.

[nota 4] A palavra elite, neste livro, será tratada como palavra que significa lugar do melhor, dos melhores, grupo (um clube) dos melhores, um grupo eleito, que se coloca acima (justificado a se colocar acima) de outros grupos – a partir da chave da saída solitária, da solução solitária (cada um a partir do seus méritos personalíssimos, intransferíveis, do seu merecer os louros, como prêmio justo, inquestionável, da sua posição, dos louros a que essa superioridade, essa supremacia, lhe faça digno de auferir; da aptidão individual (e egoísta) para estar em uma posição destacada, muito melhor (ungida pelo destino, pela natureza, pelo sagrado), do que o coletivo, do que a massa, do que o resto; quase diretriz moral, uma diretriz válida merecedora de se estabelecer ao lado da moral informante do Direito) – e que, por se entender superior, muito mais capaz, tem a prerrogativa, a possibilidade, de dizer aos demais grupos os seus lugares (o seu inquestionável lugar abaixo). 

[nota 5] FOUCAULT, Michel. Repensar a política. Tradução de Ana Lúcia Paranhos Pessoa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 290. 

[nota 6] A ética da violência seria, entre outras possibilidades, expressão do fracasso civilizatório em que a permanência ininterrupta da violência afeta as escolhas (a autonomia) de todas as pessoas que participam de uma determinada sociedade, levando-as a agir (a realizar suas escolhas em face do pouco espaço para respirar normalmente que lhes sobra) por meio da naturalização completa e absoluta (e patológica) da violência como parâmetro de julgamento e determinação do melhor a fazer em face das relações possíveis nos ambientes em que (sempre com a participação do Estado, inclusive pela sua ausência) evolui a violência.

[nota 7] RACIONAIS MC’S. Mágico de Oz. In: Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Cosa Nostra, 1997.

[nota 8] ULTRAMEN. Bem Mal. In: Olelê. Rio de Janeiro: Rockit!, 2000.

[nota 9] IORIO, Maria Isabel. Aos outros só atiro meu corpo. Bragança Paulista: Editora Urutau, 2019, p. 141.

[nota 10] A colonialidade constituiu para esse país um Estado (a governabilidade inercial e a institucionalidade que dele resultam) que vacila em ser soberano, dono de si, dono de uma Justiça que trate de maneira adequada e humana suas cidadãs e seus cidadãos –, pelos temores e abalos que ela, a própria colonialidade, gerou.

[nota 11] GINZBURG, Jaime. A violência constitutiva e a política do esquecimento. In: Crítica em tempos de violência. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp, 2017, p. 201.

[nota 12] YUKA, Marcelo. Astronautas daqui. Rio de Janeiro: Leya, 2012, p. 331.

[nota 13] ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, Editora Jandaíra, 2020, p. 40: “(...) detêm o poder os grupos que exercem o domínio sobre a organização política e econômica da sociedade. Entretanto, a manutenção desse poder adquirido depende da capacidade do grupo dominante de institucionalizar seus interesses, impondo a toda a sociedade regras, padrões de condutas e modos de racionalidade que tornem ‘normal’ e ‘natural’ o seu domínio”.

[nota 14] A paixão pelo lado mortífero da vida. Cf. MIZOGUCHI, Danichi Hausen. PASSOS, Eduardo. Antifascismo tropical. São Paulo: n-1 edições, 2019, p. 7. (https://www.n-1edicoes.org/book/cordeis/detail_pdf/20)

[nota 15] GESSINGER, Humberto. In: Longe demais das capitais. Rio de Janeiro: RCA Victor, 1986.

[nota 16] Tenho sempre receio quando emprego esse termo (porque é muito acionado sob intenções preconceituosas). Penso, entretanto, que seu uso aqui, relacionado à postura protofascista, é apropriado.

[nota 17] Como tudo neste mundo interconectado contemporâneo, a expansão do novo fascismo, a redescoberta da inclinação e despudor fascistas, com repercussões tão particulares e medonhas no Brasil, se dá no campo da linguagem (a linguagem pela qual se opera a dimensão literária e também a política e a jurídica). 

[nota 18] “O Fascismo Eterno pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas novas formas — a cada dia, em cada lugar do mundo.”  ECO, Umberto. O fascismo eterno. Tradução de Eliana Aguiar. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2018, p. 61. Também sobre a imagem da peste que retorna (também sob a perspectiva de autor estrangeiro, relacionando a peste bubônica ao fascismo alemão): “Na verdade, ao ouvir os gritos de alegria que vinham da cidade, Rieux lembrava-se de que essa alegria estava sempre ameaçada. Porque ele sabia o que essa multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.” CAMUS, Albert. A peste. Rio de Janeiro: Record, 1988, p. 213.

[nota 19] “Quando falamos em Direito e Antidireito, não nos referimos a duas entidades abstratas e, sim, ao processo dialético do Direito, em que as suas negações, objetivadas em normas, constituem um elo do processo mesmo e abrem campo à síntese, à superação, no itinerário progressivo.” LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito? São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 57. O preceito, o dispositivo em si (as palavras agrupadas, dispostas), que veicula uma solução que, na inscrição legal, em razão do cumprimento das formalidades legislativa, parece justa, materialmente legal, constitucional, moral, ética, mas não é.

[nota 20] VAZ, Sergio. Flores da batalha. São Paulo: Global Editora, 2022. Obra no prelo.