Divulgação

De Bruxelas eu 
esperava tudo, talvez
a reprise
do que ali já vivera,
uma noite ao lado
de Jey Crisfar,
chuva e cansaço,
conversas com taxistas
e árabes, mas não
este acordeonista
loiro de 20 anos
diante da Catedral,
sim, a de Bruxelas,
acordeonista loiro e imberbe,
alto e imundo,
músico a quem dei 2 euros,
um segundo de tacto
entre meus dedos e sua palma,
após fazer com os olhos
o rodízio contemplativo e luxurioso,
alternando o foco dos olhos
entre a catedral imberbe e loira
e o acordeonista alto e imundo,
a quem ensaiei, por 20 minutos
que mais pareceram seus 20 anos,
perguntar seu nome, quiçá filmá-lo
com a câmera que deixara
no Berlimbo,
ou imaginá-lo fotografado em série
por Adelaide Ivánova,
Heinz Peter Knes,
íntimo que me cedesse
os direitos autorais
desta imagem
imberbe,
imunda,
para que eu de alguma forma
possuísse
este acordeonista imberbe e alto
em seus 20 anos,
a quem então batizo
em minhas glândulas
e passarei a chamar de Loïc
ou quem sabe Guillaume
pelo resto dos meus dias
após falhar em criar os colhões
de pedir-lhe seu nome,
e é assim, Loïc ou Guillaume
aos 20 anos imundo e acordeonista,
que a você eu dedico
diante da alta e imberbe
Catedral de Bruxelas,
estes 2 euros
e uma ereção.

Bruxelas, 8 de outubro de 2010.


SOBRE O AUTOR
Ricardo Domeneck é autor de, entre outros, Sons: arranjo: garganta pela Cosac Naify/7 Letras e mantém o blog ricardo-domeneck.blogspot.com


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