Ele foi comprar cigarros e nunca mais voltou. Como ele não fumava, ele só nunca mais voltou. Desde a mudança para o Brasil, avisou que ia para o casamento da prima, em Santiago, duas semanas depois. Coisa rápida, bate e volta para a nova vida conjugal. Bateu, não voltou, e o impacto quebrou cada andar da minha coluna vertebral.
O amor sobreviveu à distância por um ano e vá lá. Mas não à presença de um mês. Foi morte de bebê. Súbita e sem traumatismo. Nenhuma desilusão, nenhuma briga, nenhum fonema. Nem um telefonema. Nada. Faltou tutano para os dois. O medo fez do tecido poroso e quebradiço. Rebentou sem chance de reparo.
Doeu na osteína, tipo cárie, só que nos 206 dentes encarnados que sustentam o corpo. Em um holofote de tristeza, você se acha o João do Pulo, e que a fratura vai acabar com a carreira do coração. Mas todo o mundo tem fraturas . O mundo, inclusive, é chacoalhado pelas fraturas do que já foi, se ralando uma na outra. Você não é o único moleque da rua Conrado Offa a se lambuzar de gesso. Seu esqueleto é igual ao do vizinho e ao do cara que te trocou pelo nada. Radiografado, todo amor é igual. Pelo menos, há amor.
E há tempo. Com ele, a geleia de mocotó calcifica em ossobuco. Um dia você está por aí, ereto de novo. Ou quase: aquele punhal de marfim continua para fora. É bom polir pra que não vire um exoesqueleto. Um chifre de narval que machuca quem chega perto. Mas também é bom deixar ele na junta dele, sem muita atenção ao ligamento, para não virar o garoto dos ossos de vidro, numa bolha. Colocando o amor em vitrine, com preço impagável. Não é assim que tem de ser. Fratura faz anticorpo de coração.
Há seis meses a gente voltou a se falar, depois que ato-falhei na internet e caí no blog dele, então aberto há dois dias. Lá, ele ensina a cozinhar como cozinhava para mim: berinjela às cegas, pão de milho, parrilhada. A última receita que li por lá chamava “Cheescake rápido y chico”. Era do meu doce preferido. Só que o Chico não era eu.
SOBRE O AUTOR
Chico Felitti é jornalista e ainda inédito em livro