abc
theres’s something about the boys do subúrbio.
tem alguma coisa em São Fetiche do Campo.
Terça-feira,
1° de junho
“your room has a red couch, bed, a record player, desk.
not too much storage space though...
but enough space to dance”
nunca imaginei que alguém faria poesia nos classificados.
Domingo,
25 de julho
de 2010
é aquela velha coisa:
a gente termina um namoro
e passa um batom pra encobrir o incobrível
e vai pra boate crente que já vai conseguir se divertir
e passa a noite inteira
sentada no bar
sentindo saudade
e pensando (enquanto os outros suam away)
em como tudo era mais divertido com ele.
e o fato da cerveja ser de Colônia
e custar 4 Euros
ajuda pouco a superar.
agora picture this:
saí da festa sem dizer tchau
andei 20 minutos até o trem
era bem de manhã
(insisti tanto, como veem, num nada irreversível)
fazia um vento gelado
esperei o S-Bahn mais 20
ventava gelo
andei três estações entre Kreuzberg e Alexanderplatz
atravessei a rua pra pegar o bonde
esperei mais 13 minutos
o vento gelava e agora chovia
desci na porta de casa
subi as escadas
abri a porta
deitei
e foi só isso.
um silêncio de morte.
nem chorar chorei.
Eu sou Ivan Ilitch, tu és Ivan Ilitch, Ele é...
Você está num aeroporto: e espera. Afinal, que outra coisa mais se faz num aeroporto além de se encher de esperanças? Como se essas duas palavras não significassem – e não trouxessem – a mesma coisa. Nada.
Um aeroporto tem o movimento da vida da gente: as pessoas vêm e vão (umas bonitas, outras feias, umas tristes, outras alegres. Outras vão indo como podem). Os carros também vão sabe-se lá para onde e, por algum mistério do universo, os taxis estão sempre bege.
Num aeroporto, como na minha existência ordinária e na sua, as malas sempre parecem mais cheias que o necessário.
A diferença hoje é que espero porque realmente não tenho escolha. Sem ajuda, não vou a lugar algum. Não por falta de destino, não porque espero alguém que me carregue. É que fisicamente não posso. Não tenho o pé direito.
Em dezembro do ano passado levei uma queda no dia do vernissage da minha exposição em Berlim, e rompi os ligamentos. Ter ignorado a ferida com o motivo de sair por aí em busca de um bar complicou ainda mais minha situação ortopédica. E o castigo veio, ao contrário da minha própria capacidade motora, a galope. E então me disse o médico, em higiênico alemão: “Mocinha, nada de andar. Fique deitada por duas semanas”.
Mas moço, deitada da minha cama eu não vejo o mundo. Eu não vivo o mundo.
Então no penar do meu repouso me veio às mãos A morte de Ivan Ilitch. Eu sei, caro letrado leitor, que nada que eu venha a dizer sobre essa novela (perfeita, se me permite um adjetivo entre parênteses) vai enriquecer a história da crítica literária. Sobre ela tudo já foi dito.
Antes de continuar minhas lamúrias, quero dizer aqui que sei muito bem que estou fazendo tempestade num pé engessado. Não comparo minha dor com aquela das pessoas que sofrem de impedimentos físicos permanentes. Quero apenas compartilhar meu infortúnio — e, como o de costume, refletir sobre o corpo e a interferência dele nas nossas emoções (ou, vá lá, nas minhas).
Ivan Ilitch, aquele Zé-Ninguém, correto, crente e obediente de Tolstoi, entendeu que mesmo uma existência inofensiva à humanidade não poderia salvá-lo de sofrer menos com o definhamento do corpo. Não era a doença que violava a humanidade de Ivan, mas a imobilidade. A Torá diz que tudo está em movimento e o que não se movimenta, morre.
Pois por isso mesmo não me admira que, depois de tanto tempo olhando para o botão encravado em seu divã, Ivan Ilitch ficou com raiva não do sofá em si, mas de Deus. “Para quê me trouxeste até aqui?”, quis saber o homem. Como outrora perguntou Vinicius, quando de uma época de coração partido: “Se foi para desfazer, por que é que fez?”.
Posso estar muito errada, mas duvido que algum deles tenha obtido alguma resposta.
Meu pé inútil, sua síndrome do pânico, nosso medo de morrer são doenças ordinárias, completamente desinteressantes. Ninguém vai fazer cara de espanto com isso. Meu pé tomou a proporção que eu lhe dei, assim como aquela tão versada sarna. E essa proporção não cabe em nenhum sapato 34. As pessoas vão dizer para você ter paciência, mas você quer conseguir tomar um banho sozinho — você quer tomar um banho em pé. Vão dizer que você está fazendo drama, que há pessoas morrendo de fome, e esse veto ficcional eu veto de volta. Não me venham dizer que minha dor é pequena, porque é a minha e é a que tenho.
Não há outra forma de se reagir quando, em vez de mover-se, de participar, lhe resta apenas a observação.
E se é isso que lhe resta, que assim seja e que assim se faça.
stadt sapatão
eu tenho uma namorada
e ela se chama Berlim
a gente se vê todo dia
ela nunca me ignora
ela está sempre disposta
ela sempre sai comigo
e gosta de andar de mãos dadas
eu tenho uma namorada
e ela está tão triste.
Like a prayer
oi pai do céu
estou neste momento vestindo meu melhor vestido e
pedindo
que o senhor me mande um motivo bem bonito
que me ajude
a sobreviver
só mais essa noite.
respeito de pista
nunca
na sua vida
nunca
faça pouco caso de uma pessoa sozinha na pista.
você não faz a mais vaga ideia do que ela está passando.
Quarta-feira,
29 de Setembro
meu Deus
nada acontece.
aprendi
com Rachel
tem gente que lê romances.
tem gente que vive em um.
Minha divina
comédia pessoal
tu és minha beatriz.
tu és tão lindo.
(essa sou eu na pista
de dança conversando
com um pobre coitado)
oh darling,
(pausa, gole)
if you’re not gonna marry me,
(pausa, gole, gole)
don’t even start the flirting.
Minha divina
comédia pessoal
tu és minha beatriz.
tu és tão lindo.
Adelaide Ivánova é fotógrafa e escritora brasileira residente em Colônia. Esses textos fazem parte do seu livro inédito Sobre meninos.