I

O certo é incerto.

A realidade é mitológica.

Palavras são poliedros impossíveis [encomendar a Escher].

A gramática é elástica.

O significado é cambiante.

A ambiguidade é pendular.

A verossimilhança é relativa.

A beleza é indomável.

O critério da correção é um equívoco.

A televisão nos deixa chatos como platelmintos.

A eletricidade mandou a noite para o exílio.

As eras são cumulativas.

A sociedade é secreta.

As cidades são cenográficas.

As civilizações são indígenas.

Fazer a barba é destruí-la.

Toda criança tem a ideia genial de não engolir o gole.

A realidade é um monopólio.

Ricocheteio dentro de mim.

As mulheres são simbolistas.

Deus é uma palavra.

Os demônios somos nós.

Nossos silêncios são plantas verbívoras.

Não há dinheiro no Paraíso.

A eternidade é uma coisa fresca.

Atear é tecer o fogo.

II

Quero a doce incompreensão de um passarinho,
que é uma funda compreensão sem ninho.

Disto de mim
inumeráveis milhas.

Eu negocio com palavras,
disse o poeta ao mercador.

Nada é visto impunemente,
tudo entra no amálgama do olho.

Por um lado o pensamento é o facho,
por outro a neblina.

O que são as entrelinhas?
Poros por onde o texto respira.

Levo comigo
meu enxame de delírios.

Preciso da solidão
como a baleia do hausto.

Os cartões postais de minha cidade
são a casca fina de um dente apodrecido.

As nuvens são permanentes,
as montanhas são temporárias.

Respostas dão perguntas novas.
A ignorância é uma hidra.

Nenhuma civilização dura mais que um dia.
Tudo passa com o vento da história.

Os reinos passam
e se transformam em sabedoria.

Capturo teu olhar
num cristal de memória.

Se tudo te irrita,
é o nada que te assola.

Choro à porta do impenetrável,
que está escancarada.

Crepúsculos são cataclismos.
Todos os dias a realidade se imola.

III

Derrubo palavras no papel:
as que se desequilibraram
no cesto cheio de silêncio.

Posto que o olho é o prisma
a coisa que vê
não se distingue da que é vista.

De repente o dia se apagou
e esperou pela noite.
O pombo virou silhueta.

Escreve um conto
como quem abre uma senda modesta
em meio à floresta densa de enigmas.

Visto de fora o ônibus lotado
parece uma pintura de Arcimboldo,
de dentro uma multidão de abismos.

Como os pormenores são infinitos,
todas as frases são incompletas
e a elipse, compulsória.

Eu sou dois;
tu, não mintas,
também sois.

Todas as palavras são descosidas.
É a agulha do olhar que as costura
com a linha da memória.

Somos pelo menos dois:
um que pensa estar no controle
e outro que controla esse primeiro.

Se Deus existe
eu acho que ele ri, incrédulo,
de quem acredita Nele.

Darwin tinha um rosto simiesco.
Teria tido ele a inspiração maravilhosa
ao surpreender seu olhar no espelho?

Assim como o uísque só pega depois de algumas doses,
o romance só pega depois de alguns capítulos.
O conto é uma lapada de cana.

Eu filosofo como quem dança,
a poesia é uma espécie de vidência,
a fantasia uma forma de vingança.

IV

Meu pensamento atônito
não sabe para onde ir
na encruzilhada vertiginosa
das picadas abertas.

Ponha duas palavras juntas
e elas imediatamente conversam
como duas senhoras que se conhecem
na sala de espera do consultório médico.

Há coisas que não podem ser explicadas,
apenas entendidas;
há coisas que não podem ser ensinadas,
apenas aprendidas.

Sempre que a uma freada mais brusca de ônibus,
alguém pergunta se o motorista está levando gado,
me dá vontade de dizer que sim,
mas ele também está sendo levado.

Li “O velho e o mar” em três vezes.
Na segunda delas, acreditei que a realidade
se abriria diante de meus olhos
como o Mar Vermelho.

Hoje o vento soprou tão forte
que uma velha de cabelos enfunados
ensaiou o primeiro passo
de um passarinho que levanta voo.

Quanto mais se aprofunda o dia
há mais tempo estamos em nossa companhia
até que o sono vem e nos avisa
quando é preciso descansar de nós.

O instante em que nasci
é o instante de minha morte.
Fui eu que deslizei sobre ele
e a isso chamei passar do tempo.

Bracejo no mar da dúvida.
A ignorância é de noite.
Caminho sobre a Terra antiga
como se ela fosse de hoje.

O dinheiro é o manto da visibilidade.
Basta tomar um cafezinho na Kopenhagen
para as mulheres ao passar olharem
como se fôssemos feitos de chocolate.