Dia dos Namorados: o amor na literatura

Adaptação de Wuthering Heights, de 1939, com Merle Oberon e Laurence Olivier
Adaptação de Wuthering Heights, de 1939, com Merle Oberon e Laurence Olivier

“Amar é compartilhar a luz que nos habita”. A frase do poeta chileno Pablo Neruda – cuja marca registrada são poemas exaltando as mulheres amadas – é perfeita para adornar esta quinta-feira, dia 12, data em que se comemora o Dia dos Namorados.

Milhões de casais pelo Recife, e pelo Brasil afora, aproveitarão o dia para celebrar suas uniões, movimentar o comércio, lotar motéis, cinemas, restaurantes… Um ritual que entrou no calendário nacional em 1948, quando o empresário João Dória – pai do político João Dória Jr. – resolveu impulsionar as vendas do varejo com um evento diferente, e que, ao mesmo tempo, está ligado a Santo Antônio, o casamenteiro cuja festa é comemorada nesta sexta-feira (13). Não bastou ao publicitário adotar o mundialmente comemorado dia de São Valentim, que inspira apaixonados do resto do Planeta. Ele tinha que criar um case. E colocar o amor como uma das atrações do mês das festas juninas.

Independentemente do tamanho da paixão, das datas e da afinidade entre os pares, uma relação amorosa depende, exclusivamente, de sintonia, ocasião e sorte. Que nem sempre é garantida. Que o diga o primeiro casal conhecido, pelo menos biblicamente, Adão e Eva, que tinham o paraíso nas mãos e por causa de uma maçã, acabaram condenados ao exílio e à mortalidade. Apesar dos perrengues enfrentados, a união deles pós-paraíso deve ter se mantido. Seus descendentes, pelo menos, foram muitos, e cresceram em progressão geométrica.

O amor passou a ser decantado nos primórdios da humanidade. Às vezes como tragédia, outras êxtase. Na História, dois casos são clássicos. E inspiraram muitos filmes e livros. A Guerra da Tróia, por exemplo, foi deflagrada pela beleza de uma mulher e pela paixão de dois homens por ela: Helena, considerada a mais bela do mundo clássico. De acordo com o poeta grego Homero, seu rapto por Páris levou o rei espartano Menelau a formar um grande exército para cercar a imponente cidade de Tróia, a fim de resgatar Helena e reconquistá-la. Obviamente, a contenda não se limita a isso, mas o sequestro da bela acendeu, certamente, a fagulha para que a guerra começasse.

Outro episódio marcante, até hoje campeão de adaptações artísticas e estudos históricos, é o caso do romano Marco Antônio e da egípcia Cleópatra. Após a morte de Júlio César, com quem teve um filho, a então Rainha do Egito engatou uma paixão avassaladora com o braço direito do ex-amante. À época, Antônio - o homem mais poderoso do mundo romano -  reivindicava o comando do Império, até ser derrotado pelo jovem e calculista Caio Otávio, que se tornou Augusto César, o primeiro imperador de Roma. Evidências históricas atribuem sua derrota ao fato de ter negligenciado suas obrigações com Roma, instalando-se no Egito para desfrutar da companhia de Cleópatra, que era uma mulher inteligente, ambiciosa, sensual e poderosa.

O conflito de culturas, as dinâmicas de poder e a paixão entre os dois provaram ser irresistíveis para os contadores de histórias. Juntos, eles viveram em suntuoso esplendor, lutaram por um império e perderam, antes de darem fim à própria vida, A versão corrente é a de que Marco teria se matado com uma espada, enquanto a egípcia teria se envenenado com a picada de uma áspide. Melhor morrer do que cair nas mãos de Otávio, que certamente os exibiria na arena do Coliseu, com feras e todos suplícios possíveis de serem aplicados.

Alguns séculos à frente, e partindo para a literatura pura, impossível não citar o casal mais romantizado de todos os tempos, Romeu e Julieta, de William Shakespeare, cuja história tornou-se o arquétipo do amor juvenil proibido pelo ódio entre duas famílias.

Criada entre 1591 e 1595, durante o reinado da rainha Elizabeth I, a primeira edição da obra foi publicada em 1597, no formato in-quarto (livro cuja folha de impressão é dobrada em quatro), e mostra o amor impossível de dois jovens de famílias rivais, os Capuleto e os Montecchio. Para driblar a família e fugir, como todos sabem, Julieta toma uma poção que a faz parecer morta. Sem saber do ardil, Romeu encontra a amada e, desesperado, tira a vida. Ao acordar, Julieta percebe a tragédia e também se mata com o mesmo punhal usado por ele.

Delirante, lúdico, fantasioso, platônico, é o amor mostrado em Dom Quixote, romance de Miguel de Cervantes, publicado entre 1605 e 1615. Nele, o cavaleiro de La Mancha transforma a camponesa Aldonza Lorenzo, por quem se apaixona, mas que não conhece, em Dulcinéia del Toboso, atribuindo a ela um nome e um estatuto social que ele não tem. Uma personagem fictícia e essencial à narrativa.

Outro amor proibido, raivoso, que desperta incômodo e vem comovendo gerações, é o registrado no romance O morro dos ventos uivantes (1847), de Emily Brontë . Nele, Heathcliff, um garoto adotado por uma família nobre, apaixona-se pela “irmã” com quem conviveu desde a infância, Catherine Earnshaw, mais tarde Catherine Linton. Seu desespero em não poder viver com a mulher que ama, e com sua posterior morte, o faz torturar a si mesmo e a todos que têm ligação com a amada. Um dos amores mais angustiantes da história da literatura. Prova de que quando mal resolvido, o amor pode se transformar numa desesperante obsessão e num transtorno para todos no seu entorno.

Ousado, e cultuado até os dias atuais, o romance Madame Bovary (1856), de Gustave Flaubert, mostra uma das facetas contidas nas relações: a traição. Jovem, irrequieta, presa a um casamento infeliz com um médico enfadonho, Emma busca uma vida mais intensa e emocionante, o que a leva a trair seu marido, Charles, e a buscar amantes, especialmente Rodolphe e Léon.

No entanto, seus relacionamentos não trazem a felicidade que buscava e a condenam a dívidas e à desesperança. O final do livro vem como uma espécie de “castigo” para a inconformista Emma, com degradação física e morte. Um final que levou às lágrimas seu autor, Flaubert, mas que era inevitável para a França conservadora de meados do século 19.

Inescrutável, instigante, impossível de ser esquecida, a relação entre Capitu e Bentinho - no livro Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis - apresenta-se como uma das situações em que a dúvida, a desconfiança diante da possibilidade uma traição - real ou imaginária - podem despertar no coração de um amante. Durante toda a história, somos levados pelo protagonista a questionar a honestidade da personagem feminina. E nem nós, nem ele, chegamos a uma conclusão definitiva. Um mistério que se estenderá pela eternidade.

Sem sombra de erros, Dom Casmurro traduz um sentimento que consome milhões de pessoas: o ciúme, o despeito, a tristeza, a imaginação obsessiva. O  medo de estar sendo traído pelo ser amado, sem, no entanto, ter provas concretas disso. Ele é, certamente, um dos livros que melhor representam o sofrimento por duvidar demais.

Na fronteira entre ilusão e traição, outra obra genial sobre as trapaças da paixão, Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado, é um livro que nos deixa sem palavras para definir o que é certo ou errado. Viúva de Vadinho, um mulherengo que morreu no Carnaval, a quituteira Dona Flor casa com o metódico Teodoro. Mas começa a receber visitas do finado e a manter relações sexuais quentes e ardorosas, na cama em que dorme com o marido.

Apesar de relutante no começo, com a insistência do falecido, ela acaba dormindo na cama com os dois, ao mesmo tempo, transando com os dois, no mesmo dia, e saindo para passear ladeada pelos amados. Uma situação inusitada, que só a imaginação privilegiada de Jorge Amado poderia nos presentear.

Amores loucos
Para chegar aos livros, os amores antes devem ser vivenciados, sentidos, sufocados ou escancarados. Muitos escritores se envolveram em histórias pessoais que acabaram sendo retratadas ou se tornaram um exemplo de como a paixão pode nos cegar, reviver, florescer, definhar.

A história de James Joyce e Nora Barnacle é uma das mais intensas e duradouras da literatura moderna – feita de amor, fuga, cartas eróticas e inspiração literária. Eles se conheceram em 10 de junho de 1904, e dois dias depois, tiveram seu primeiro encontro íntimo – data que Joyce imortalizou como o famoso "Bloomsday", o dia em que se passa todo o romance Ulysses. “Foi a primeira vez que senti a ternura do mundo”, escreveu ele a ela.

James Joyce escreveu para Nora algumas das cartas mais ousadas e eróticas da história da literatura. Nelas, mistura desejo cru, escatologia e ternura. São cartas que o mostram como um amante sem filtros, vulnerável e possessivo. “Meu amor por você me torna ousado, louco, obsceno”, escreveu.

No caso do poeta Vladimir Maiakovski foi a intelectual russa Lilya Brik, a musa absoluta de sua poesia. Ele a conheceu em 1915, quando ela era casada com o crítico e editor Osip Brik, que, curiosamente, não se opunha ao relacionamento dos dois.

Maiakovski dedicou a ela seu poema “A nuvem de calças”, considerado um dos mais importantes do futurismo russo. O relacionamento deles foi livre, intenso e intelectualizado, mas também doloroso para o poeta, que desejava exclusividade, o que nunca teve. Lili, apesar de amá-lo à sua maneira, nunca rompeu totalmente com Osip, além de manter outros relacionamentos. Isso gerava um ciclo constante de desejo e sofrimento por parte de Maiakovski.

Quando se suicidou, em 14 de abril de 1930, o poeta deixou o seguinte bilhete: “A todos. De minha morte não acusem ninguém, por favor, não façam fofocas. O defunto odiava isso. Mães, irmãs e companheiros, me desculpem, este não é o melhor método (não recomendo a ninguém), mas não tenho saída. Lilya, ame-me. Ao governo: minha família são Lilya Brik, minha mãe, minhas irmãs e Verônica Vitoldovna Polonskaia. Caso torne a vida delas suportável, obrigado.”

A história de F. Scott Fitzgerald e Zelda Sayre Fitzgerald é outra que merece destaque: é uma das mais brilhantes, trágicas e simbólicas do século XX – um romance que espelha o glamour e o abismo da Era do Jazz, os excessos dos anos 1920 e a lenta decomposição de uma geração brilhante.

Zelda Sayre era uma jovem do sul dos EUA, conhecida por sua beleza, irreverência e espírito rebelde. Scott era um aspirante a escritor, cheio de ambição. Eles se conheceram em 1918, em Montgomery, quando ele era tenente e ela uma garota de 18 anos. Zelda hesitou em aceitar seu pedido de casamento, até que ele conseguiu publicar Este lado do paraíso (1920). Com o sucesso, Zelda disse sim. “Eu não queria uma vida comum, e Scott prometeu me tornar imortal.”, disse.

Logo se tornaram o casal mais comentado da América. Viveram entre Nova York, Paris e a Riviera Francesa, frequentando festas lendárias com Hemingway, Gertrude Stein e Picasso.

Zelda não era só musa: queria ser artista, escritora e dançarina. Tentou carreira no balé. Começou a escrever contos, ensaios e até um romance. Scott, inseguro, muitas vezes usou partes dos diários e cartas de Zelda em seus livros, especialmente em Suave é a Noite, sem crédito. Isso gerou conflitos. Zelda, por sua vez, escreveu seu próprio romance: Essa valsa é minha (1932), um relato velado de sua versão do casamento, lançado contra a vontade de Scott. “Scott tirou minha alma e usou em seus livros.”, afirmou Zelda.

Enquanto Scott afundava no alcoolismo, Zelda começou a apresentar sinais graves de instabilidade emocional. Foi diagnosticada com esquizofrenia e internada várias vezes em sanatórios.

Scott morreu em 1940, aos 44 anos, de um ataque cardíaco em Los Angeles, sem ver o sucesso póstumo de O Grande Gatsby. Zelda morreu em 1948, aos 47 anos, presa em um incêndio no hospital psiquiátrico de Asheville, onde vivia isolada. “Eu te amei, e isso é o começo e o fim de tudo”, escreveu Scott, em carta a Zelda.

O português Fernando Pessoa teve um único amor público: a jovem Ofélia Queiroz, que conheceu no escritório da firma Félix, Valladas & Freitas. Fernando tinha 31 anos e trabalhava lá, um dos muitos escritórios em que exerceu a atividade de tradutor de documentos comerciais. Ofélia, com 19 anos, falava francês e gostava de ter uma vida mais independente da família, por isso, procurou trabalho como empregada na firma, onde foi admitida em 1919.

Foi a própria Ofélia, muitos anos depois, que contou o primeiro encontro com Pessoa: “Ao andar, parecia não pisar o chão”. É também pelas palavras de Ofélia que conhecemos as circunstâncias do primeiro beijo entre os dois. Em inícios de 1920 e, de repente, sozinhos no escritório, sem eletricidade por causa de um problema técnico, os dois tiveram a primeira ocasião de intimidade. E o poeta não a deixou passar em vão. Ligou um candeeiro e, à espera de que a eletricidade voltasse, declamou para ela versos de amor do Hamlet de Shakespeare, dedicados a Ophelia, personagem feminina do drama.

O namoro durou cerca de dois anos, em duas fases separadas: a primeira, em 1919-1920; a segunda, em 1929-1930. O principal testemunho destes anos são as cartas de amor, que nas décadas posteriores à morte do poeta foram publicadas em várias e sucessivas edições.

Nas cartas, descobrimos um Pessoa diferente, mais humano e sentimental do gênio abismal do Desassossego e do arquiteto que construiu a complexidade dos heterônimos. Emerge, nas palavras do “Nininho” dedicadas ao “Bebé”, um Pessoa apaixonado, por vezes ciumento, doce, dedicado e irônico. Um exemplo foi quando o heterónimo Álvaro de Campos enviou uma carta a Ofélia, para comunicar que o seu “amigo” Fernando não se encontrava, naquele dia, em condições de… comunicar-se com a própria Ofélia”. 

Foi Campos, aliás, o autor de um conhecido poema de 1935 em que parece ecoar o namoro epistolar entre Fernando e Ofélia. “Todas as cartas de amor são/ Ridículas./Não seriam cartas de amor se não fossem/Ridículas./Também escrevi em meu tempo cartas de amor,/Como as outras,/Ridículas./As cartas de amor, se há amor,/Têm de ser/Ridículas./Mas, afinal,/Só as criaturas que nunca escreveram/Cartas de amor/É que são/Ridículas.”

Pessoa rompeu o relacionamento por acreditar que ele lhe tomava tempo demais. E mandou uma mensagem a Ofélia afirmando não poder (ou não querer) casar, devido às dificuldades que a sua missão de escritor impunha à sua vida (entre elas, dificuldades financeiras notáveis).

Múltiplos
Existem histórias de amor que não envolvem apenas um casal. Mas várias pessoas. A de Henry Miller, June Mansfield e Anaïs Nin forma um triângulo amoroso que é pura combustão literária e existencial — sexo, arte, ego e transgressão. Um dos episódios mais ousados da literatura do século XX, vivido por três pessoas que fizeram do desejo e da escrita sua forma de existir.

Henry Miller era um escritor americano pobre e desconhecido. June Mansfield, sua segunda esposa, era uma mulher enigmática, com aura de cigana — dançarina de cabaré, sedutora de homens e mulheres. Casaram-se em 1924, e a relação foi marcada por amor tóxico, pobreza e fascínio mútuo.

Em 1931, Anaïs Nin conheceu Miller em Paris. Ela era casada, elegante, francesa, refinada e também cheia de inquietações. Começou como admiradora, tornou-se amante, e depois cúmplice literária. Logo, Anaïs conheceu June, e se apaixonou também por ela. Há indícios de um envolvimento sexual entre as duas — registrado nos Diários de Anaïs Nin e, com mais detalhes, em Henry e June, publicado postumamente com trechos suprimidos durante sua vida. “Ela era como um cristal partido em mil pedaços, e eu quis cada um deles.”, descreveu Anaïs sobre June.

O triângulo ruiu por si mesmo, mas deixou um rastro de obras incendiárias. Em Trópico de Câncer (1934), Henry escreveu sobre seu exílio em Paris e sua fome física e sexual, com June como musa. Já em Henry e June (1986), Anaïs narra o início da relação com Henry e o encantamento por June. Há também a versão cinematográfica da história. Em Uma paixão do outro mundo, Philip Kaufman, baseado nos escritos de Anaïs, mostra Uma Thurman como June.

June acabou desaparecendo da cena literária. Viveu na obscuridade, teve casamentos silenciosos e nunca deu entrevistas. Morreu em 1979. Anaïs morreu em 1977. Miller viveu até os 88 anos, morrendo em 1980. “June era a obra-prima que nenhum de nós pôde terminar.”, escreveu Anaïs Nin.

Os amores de Virginia Woolf, por sua vez, revelam uma mulher à frente de seu tempo: complexa, sensível, erótica e profundamente intelectual. Sua vida amorosa nunca foi simples nem convencional — marcada por relações com homens e mulheres, unindo desejo, afeto e pensamento. Ela transformou o amor em linguagem e a linguagem em território de liberdade.

Virginia casou-se com Leonard Woolf em 1912. Ele era escritor, intelectual e judeu socialista. A relação foi marcada por profunda amizade, apoio intelectual e cuidados médicos, já que Virginia sofria de transtornos psíquicos (provavelmente transtorno bipolar).

Apesar da falta de uma vida sexual ativa (sugerida por ambos em cartas e diários), Leonard foi um pilar. Ele cuidou de Virginia nos surtos, apoiou sua carreira e fundaram juntos a Hogarth Press, que publicou Mrs. Dalloway, Orlando e também A Terra Desolada, de T. S. Eliot, e textos de Freud. “Você me deu tudo”, escreveu ela em sua carta de despedida, antes de suicidar-se.

Mas o grande amor apaixonado e sexual da vida de Virginia foi Vita Sackville-West, escritora, aristocrata, jardineira e aventureira. Elas se conheceram em 1922 e viveram uma relação intensa – marcada por cartas amorosas, encontros clandestinos e inspiração mútua.

Encantada com o corpo, o estilo e a ousadia de Vita, Vírginia escreveu o romance Orlando (1928), inspirado diretamente nela: um personagem andrógino que atravessa séculos e muda de sexo.

As cartas entre as duas são hoje consideradas marcos da literatura amorosa entre as mulheres. Vita também mantinha um casamento aberto com Harold Nicolson, e ambas viveram com liberdade e ambiguidade.

Os franceses Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre são um caso à parte: passaram a vida juntos, mas tiveram vários estágios de amor. Na década de 1920, quando se conheceram, viveram uma relação plena e exclusiva, onde não existiam outros afetos. A partir dos anos 1940, passaram a ter diversos parceiros e até moravam com eles, mas publicamente se assumiam como um casal.

Simone chegou a se envolver fortemente com o escritor norte-americano Nelson Algren, que lhe fez apelos para deixar Paris e ficar com ele em Nova York. Mas em nome da parceria intelectual com Sartre, ela voltou para a Europa e nunca mais voltou a vê-lo. No caso, os dois franceses viveram um amor existencialista e aberto, onde se recusaram ao casamento e criaram juntos uma nova ética afetiva.

O que não aconteceu com Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop, que protagonizaram uma das histórias de amor mais intensas, delicadas e dolorosas da literatura — cruzando fronteiras de idioma, gênero, classe e criação artística. Foi também um caso real, vivido entre o Brasil e os Estados Unidos, e imortalizado em cartas, poemas e, mais tarde, no cinema e no teatro.

Bishop era uma poeta americana reservada, alcoólatra e profundamente sensível. Lota de Macedo Soares era uma intelectual brasileira, rica, política, autodidata e arquiteta urbana do Rio de Janeiro (idealizadora do Parque do Flamengo).

Elas se conheceram em 1951, no Rio, por meio de Mary Morse (ex de Lota e amiga de Bishop). Lota convidou Elizabeth para passar uma temporada em sua casa em Petrópolis. Bishop pretendia ficar duas semanas – ficou por 15 anos.

Lota cuidava da casa, das flores, da rotina. Bishop escrevia. Foi nesse período que Elizabeth escreveu alguns dos seus poemas mais importantes, além de ganhar o Pulitzer em 1956.

Lota era enérgica, extrovertida, dominadora. Bishop, introspectiva e frágil. A relação era marcada por contrastes, crises de álcool, silêncios e também por uma ternura profunda. A poesia de Bishop foi profundamente tocada pela cultura brasileira.

Com o tempo, a relação se deteriorou: Bishop teve recaídas sérias no alcoolismo, Lota se envolveu cada vez mais com a política (era próxima de Carlos Lacerda, então governador do Estado da Guanabara) e se viu sobrecarregada.

Em 1966, Bishop foi lecionar em Harvard. Lota, em crise depressiva e abandonada, viajou aos EUA para vê-la. Na primeira noite em Nova York, tentou suicídio tomando barbitúricos. Morreu dias depois, no hospital. Elizabeth ficou devastada. “Não há mais cartas. Só silêncio e dor.”, escreveu após a morte de Lota.

DANIELLE ROMANI, repórter especial das revistas Pernambuco e Continente