Os tons sombrios no romance "Homens e não"

Ninguém duvida que Homens e não, do italiano Elio Vittorini, é uma obra neorrealista. Lemos o romance imaginando um filme em preto e branco, com os tons sombrios e dramáticos de Vittorio De Sica, Roberto Rossellini e Luchino Visconti no princípio da carreira. Um roteiro em que se alternam tomadas da cidade de Milão na Segunda Guerra, semidestruída e ocupada pelos nazistas, e imagens do passado de Ene 2, um membro da resistência italiana, que nem possui nome para realçar o anonimato e o despojamento dos que dão a vida por uma causa.

O siciliano Elio Vittorini (1908-1966) escreveu Homens e não durante noites passadas nas montanhas do norte da Itália, enquanto combatia ao lado dos companheiros partigiani as forças de ocupação alemã e os fascistas. A luta por liberdade e os acontecimentos da época, semelhantes aos de hoje, nos lembram Italo Calvino afirmando que “devemos expressar a vida moderna em sua dureza, em seu ritmo e também em sua mecanicidade e desumanidade, para encontrar os verdadeiros alicerces do homem de hoje e que revolucionário é quem não aceita o dado natural e histórico e quer mudá-lo”.

“O inverno de 44 em Milão foi o mais ameno dos últimos vinte e cinco anos...” afirma o autor. Ele começa o romance divagando como um poeta lírico sobre as benesses do tempo, a ausência de chuva, de nevoeiros e neve; sol todo dia. Ao acaso, nos apresenta a cidade ao falar de um livreiro: “tinha perdido sua banca nos dias de destruição de agosto”. Basta uma única frase para adentrarmos na Milão transformada em escombros, onde os incêndios acontecem a cada hora, onde reina a guerra, mesmo que o inverno seja o mais ameno dos últimos 25 anos. Ou dos 36? O prosaísmo dessa dúvida temporal reforça a sobrevivência do jocoso em meio à dor e certo grau de alienação ao sofrimento.

Ene 2 poderia ser um daqueles combatentes empedernidos, para quem a resistência aos nazifascistas estaria acima de todos os valores. Mas existe um contraponto à sua luta, o amor por Berta, uma mulher misteriosa e sensual, evasiva como uma personagem romântica, que se adia para o futuro. Presente na infância de Ene 2, numa Sicília luminosa, Berta reaparece e some ao acaso, permanecendo como símbolo de sua ausência um vestido que ela esqueceu atrás de uma porta, que não quis levar consigo e nem aceita usar. Numa sucessão de diálogos que mais parecem monólogos, o sentido da luta é questionado pela velha Selva, mulher anônima e simples, que vê na Resistência apenas uma maneira de se alcançar ser feliz. Ela não compreende o niilismo em que afundam os dois personagens centrais, como se buscassem o suicídio.

“— Presunçosos são vocês. Querem trabalhar pela felicidade do povo e não sabem o que o povo precisa para ser feliz. Podem trabalhar sem serem felizes?”

O livro sombrio também possui tonalidades épicas, capítulos que lembram cenas dos filmes de Eisenstein, como as da escadaria de Odessa. Ao estilo do cinema comunista, as narrativas enaltecem as pessoas anônimas, algumas repentinamente tomadas pelo desejo de combater e resistir. É impossível não lembrar Dostoiévski, sobretudo na história do homem das chinelas, devorado pelos cães do general alemão. Os dois autores comungam o mesmo horror à tirania.

O romance de Elio Vittorini é principalmente um livro sobre resistência, sobre a luta dos homens por se manterem vivos e com alguma esperança em meio ao caos da guerra.

“Esse talvez fosse o ponto. Que se pudesse resistir como se fosse preciso resistir sempre, e que nunca houvesse outra coisa senão resistir. (...) E para que lutar? Para resistir.”