A grande arte de Oscar Wilde

Ele compreendeu o poder da imagem e da narrativa pessoal muito antes de esses conceitos surgirem

A ideia de uma persona popular tem destaque na era vitoriana, com esse poeta, romancista, contista e dramaturgo irlandês: Oscar Wilde. Seu comportamento se confundia com sua própria arte. Seu espírito rebelde, de estética refinada, o pôs sob os holofotes em uma sociedade altamente moralista e repressiva, apegada ao consumo e à posição social. O dramaturgo criou uma imagem pública a partir de uma estética tão cuidadosamente arquitetada quanto suas obras literárias. Empenhou toda sua personalidade extravagante na busca do sonho deliberado da fama. Em muitos aspectos, ele foi um precursor do poseur moderno.

Um poseur é alguém que fabrica sua identidade para o público, sob o risco de parecer superficial quando quer parecer natural. Em vão: o natural também é uma pose, Wilde dizia.

Para alguns psicólogos, o poseur busca incessantemente ser aceito e admirado, vivendo sob a perspectiva do outro. Suas ações e escolhas de estilo são guiadas pelo desejo de aprovação social. Suas decisões muitas vezes são dirigidas às expectativas alheias e menos às suas próprias.

Para o psicanalista Jacques Lacan, o ser humano busca sempre preencher essa lacuna entre o que ele é e o que ele gostaria de ser. O poseur ocupa esse espaço, onde busca se reinventar o tempo todo. Sob a ótica do narcisismo, Lacan descreve o momento no qual o indivíduo reconhece sua própria imagem e percebe a diferença entre a imagem idealizada e sua própria realidade.

Mas nem sempre um poseur é um narcisista. Um poseur pode adotar comportamentos narcisistas, porém sua motivação nem sempre é venerar a si mesmo, e sim manipular a percepção dos outros sobre si. Essa diferença é significativa, pois o narcisismo tem implicações mais profundas no tocante à formação do ego.

Um adendo: não confundir esse narcisismo com o Transtorno de Personalidade Narcisista. Isto é outra coisa.

Imagine um poseur e um narcisista entrando pela primeira vez em uma casa: imediatamente, o poseur finge que é o dono. Mas quando alguém pergunta sobre a escritura, ele muda de assunto. Já o narcisista tem certeza de que a casa só existe por sua causa e, claro, tudo foi decorado pensando em como ele vai aparecer nas fotos.

No artigo “Formas e transformações do narcisismo (1966), Heinz Kohut, teórico da psicologia do self, comenta sobre a estrutura frágil do narcisista e a dependência da admiração dos outros para manter sua autoestima.

Jean Baudrillard, no seu Simulacros e simulações, explora a ideia de como indivíduos se comportam em relação a simulações: “O simulacro não é aquilo que oculta a verdade. É a verdade que oculta que não há verdade. O simulacro é verdadeiro”.

A ideia principal é de como a realidade, sobretudo hoje, é dominada por cópias sem um original autêntico. Vivemos em uma sociedade onde as distinções entre o real e o fictício perdem relevância. Baudrillard argumenta: mídia, cultura e tecnologia criam hiper-realidades, substituindo a verdade por representações aparentemente mais reais do que o próprio real. Essa é a lei da cultura pop: personalidades, música, literatura, tendências e comportamentos surgem de versões melhoradas de algo que, muitas vezes, nunca existiu em sua forma pura.

O poseur, segundo alguns estudiosos, é mais flexível em suas manifestações, adaptando-se ao contexto para se adequar.

Oscar Wilde era os dois: um narcisista poseur e um poseur narcisista. O mais genial dos simulacros ou máscaras de si mesmo, como nenhum Fernando Pessoa jamais pensou. Por falar em máscaras, para Wilde há uma profunda verdade nelas e precisamos explorá-la. Não a verdade universal, a beleza ilusória, contudo a busca de uma afirmação da crítica e da experiência estética levadas ao extremo. Para Wilde, o papel do poseur não era apenas legítimo, mas desejável. Ele abraçava a ideia de uma identidade mutável. A verdadeira autenticidade estava na habilidade de criar e recriar a si mesmo, em tipo de hiperficção.

Para ele, nenhum de nossos pensamentos é autenticamente original, mas opiniões de outras pessoas que internalizamos. Aliás, bom exemplo é a cena no começo do seu O retrato de Dorian Gray (1890): a conversa de Lorde Henry e Dorian.

Henry, representante das ideias estéticas de Wilde, sugere uma visão de mundo bem peculiar:

“A única maneira de se livrar de uma tentação é ceder a ela. Resista, e sua alma adoecerá de desejo pelo que ela proibiu a si mesma, com o anseio por aquilo que suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal”.

Ali se dá a transformação de Dorian. Os pensamentos de Lorde Henry são dele, agora. A influência de Henry sobre o Dorian demonstra como suas crenças e mundividência não são inteiramente próprias. Antes, são a reprodução do discurso de outra pessoa.

O espírito da época, o espiritismo e o branding pessoal

Meu amigo Romero, técnico em radioscopia, era metido a espírita, e se dizia capaz de psicografar o autor desse romance. Certa vez, ele me contou algo curioso: “Lady Gaga é a reencarnação de Oscar Wilde”. Depois, um pouco antes de morrer, mudou de opinião: “Rod Stewart”. Duas semanas antes do seu trágico dia, Romero me enviou outra mensagem, em uma sessão, de WhatsApp: “Me enganei: Pablo Vittar”. De todo modo, e não era implicância de Romero, ficou mais ou menos claro à ciência do reencarnacionismo de Wilde não voltar à Terra como escritor. Não precisava. Foi grande demais nisso.

De lá para cá, no geral, os escritores contemporâneos são péssimos oscar wildes. Não me refiro quanto à poesia e ao teatro, nisto a comparação não faz nenhum sentido ou faz todo, mas ao culto à personalidade ou à imagem.

Wilde também teve seus modelos.

Antes dele, o poeta Charles Baudelaire talvez tenha sido o primeiro poseur na literatura. Ali, portanto, além da figura do poseur, do narcisista existe uma figura peculiar: o dândi. Além de Baudelaire, autores de ficção como Byron, Stendhal e Balzac representavam a estética do dandismo, criando personas superficiais e contraventoras, de fleuma aristocrática, para repudiar os valores burgueses.

Machado de Assis pode ser considerado um precursor do dandismo brasileiro. O narrador Brás Cubas, um personagem cínico e distanciado, reflete toda a ironia e o desapego, essas marcas do dândi. Oswald de Andrade é outro exemplo, com Memórias sentimentais de João Miramar, por exemplo, onde Oswald satiriza e expõe a superficialidade das elites, os valores e os costumes da sociedade com um humor vertiginoso e, ao mesmo tempo requintado, se recusando a baixar a guarda às convenções literárias ou sociais. Ele construiu uma persona provocadora, sempre se destacando pela sofisticação e pela subversão, também muito característico do ethos do dândi.

De modo bem paradoxal, Lima Barreto também tinha um traço dândi: cultivava um certo desprezo pelas normas e pelos valores da elite carioca. Obras como Triste fim de Policarpo Quaresma e Clara dos Anjos mostram como Lima Barreto se posiciona à margem da sociedade. Exemplo mais recente? Décio Pignatari e seu dandismo intelectual.

O dandismo não se limita à escrita, é uma performance de vida. No Brasil, autores como Santiago Nazarian, 47, dândis pós-modernos, constroem uma imagem pública que flerta com o hedonismo e a marginalidade, mantendo uma certa elegância ao mesmo tempo que desafia os padrões de comportamento esperados. Um aspecto central do dandismo é a recusa em se encaixar nas convenções, e Nazarian faz isso tanto ao explorar tabus quanto ao jogar com a ambiguidade de identidade e sexualidade em suas obras e na própria imagem pública. Ele transita pelo considerado marginal, mas faz isso com um ar de sofisticação e distanciamento calculado, características típicas do dândi.

Na música, o cantor britânico Harry Styles, o ator franco-americano Timothée Chalamet ou o modelo americano Ezra Miller se alinham a esse tipo de dandismo, nisso de construir meticulosamente sua própria imagem.

Ainda no Brasil, o fenômeno de escritores-poseurs, cuja popularidade supera a qualidade literária, se reflete em nomes como Fred Elboni, 33, e Bruna Vieira, 30, ambos são celebridades dos antigos blogs e, hoje, das redes sociais. O segredo deles foi transformar suas bases de fãs em público leitor. Elboni, com livros-receitas de autoajuda e “reflexões pessoais”, digamos narcísicas, e Vieira, cuja escrita aponta para o segmento comercial da literatura young adult, narrativas frequentemente centradas no “eu”, com protagonistas cujas jornadas pessoais são o centro do mundo, espelhando a cultura digital, onde perfis, likes e seguidores de Instagram elevam o individualismo ao extremo. Suas obras atendem a interesses do mercado editorial, interessado em versões “melhoradas” e facilmente consumíveis de temas populares. Ou, ainda, do engajamento político oportunista e blasé de uma geração de prosadores-posadores exportadas do Facebook direto para os pódios literários, em obras sem substância e sem maiores desafios intelectuais. Não à toa, o mercado está em busca desses simulacros. Publica mais facilmente autores com grande desempenho nas redes que escritores, prisioneiros do Instagram, essa versão moderna da ostentação da era vitoriana de Oscar Wilde, onde o consumo serve para comunicar sucesso social e o poder de consumir, mostrar estilos de vida, viagens, roupas de grife e gadgets tecnológicos. Os “designers de conteúdo” chamam isto de “branding pessoal”.

O poseur, o dândi, o performer, o narcisista: o escritor mais fluido

Embora compartilhem o interesse pela aparência e pela imagem pública, o dândi e o poseur são figuras até contraditórias em seus fundamentos. O dândi cultiva uma postura estética e filosófica com intenções mais profundas, enquanto o poseur tende a adotar uma fachada sem a mesma autenticidade ou substância.

Wilde excede esses conceitos e consegue reuni-los na sua ânsia de individualidade extrema. Sua atitude poseur era também uma ferramenta de subversão. Sua personalidade é poderosa demais para a análise. O sonho do poseur wildiano, portanto, não era alcançar uma essência verdadeira. Era viver em constante metamorfose, sendo eternamente fluido e imortalizado por sua habilidade de encantar e chocar.

Wilde entendia a própria noção de autenticidade como algo diluído.

Assim estamos, em um tempo onde o espetáculo, a imagem e a aceitação pública importam mais. O mundo pop e os poseurs refletem uma sociedade onde o real é constantemente eclipsado pelo hiper-real — onde o valor está nas performances sociais, na superfície. Ser verdadeiro importa menos. Perecer importa mais, ressoando profundamente com o conceito de Baudrillard. A própria ideia de identidade genuína se dissolve em meio a uma proliferação infinita de cópias, tornando a autenticidade uma construção abstrata e ilusória.

Enfim, ninguém bate o dândi e poseur wildeano em excessos, na encarnação (ou reencarnação) do desejo de juventude eterna, na beleza imaculada, em uma vida vivida no palco da sociedade, na arte da aparência ou nas questões sobre o uso da imagem.

Essas relações remontam à história do célebre retrato de Wilde feito por Napoleon Sarony em 1882, quando o escritor irlandês estava em turnê pelos Estados Unidos promovendo seu trabalho.

Napoleon Sarony, renomado fotógrafo, destacou-se por seus retratos criativos de celebridades daquele século 19, transformados em obras de arte pela cuidadosa escolha de cenários e poses. Quando Oscar Wilde visitou os EUA, Sarony capturou aquele icônico retrato dele, sentado e elegantemente vestido. Essa imagem não apenas marcou pela estética, como também gerou uma disputa legal quando foi usada por uma empresa sem permissão do fotógrafo. O caso antecipa discussões modernas sobre mídia, privacidade e identidade.

Sarony processou a empresa e a Suprema Corte dos EUA decidiu que fotografias com originalidade poderiam ser protegidas por direitos autorais, estabelecendo um marco jurídico. Para o escritor-poseur Wilde, isso ressaltou o valor de sua imagem na construção de sua persona pública, consolidando-o no imaginário popular.

A queda pública: fama, escândalo e redenção

Assim como as celebridades de hoje, Wilde experimentou os altos e baixos da fama. No seu auge, ele era o favorito das elites literárias. No entanto, suas relações pessoais e sua sexualidade se tornaram alvo de um escrutínio público impiedoso. Em 1895, em um julgamento altamente midiático, Wilde foi condenado por “indecência grave” devido à sua homossexualidade, e sua imagem pública foi violentamente destruída. De adorado a escandalizado, Wilde tornou-se um exemplo de como a superexposição pode se tornar um grande perigo.

Em maio daquele ano, foi levado à prisão, em Londres, condenado a dois anos de trabalhos forçados. No cárcere, só era permitido ler a bíblia e O peregrino: a viagem do Cristão à Cidade Celestial (1678), uma alegoria escrita pelo pregador inglês John Bunyan, um best-seller da época. A princípio, não teve sequer permissão de receber papel e caneta para escrever. Depois, sob vigilância, leu a Bíblia, em francês; a gramática alemã e italiana, um romance sobre a salvação cristã e ensaios de Santo Agostinho. Ainda no cárcere, escreveu De profundis, sobre o sofrimento pela queda pública e a elevação espiritual, buscando um sentido profundo para as humilhações pelas quais passou: “o silêncio, a solidão, a vergonha – cada uma dessas coisas tenho de transformar em uma experiência espiritual”.

Sua condenação foi uma tragédia pessoal e pública. Ele foi forçado a renunciar ao seu status social e literário. Sua saúde deteriorou-se rapidamente durante a prisão, e ele passou seus últimos anos em pobreza e exílio, principalmente na França, sob o nome de Sebastian Melmoth. O nome era uma homenagem a São Sebastião. O sobrenome veio de um romance no qual o personagem vendera a alma do diabo. Oscar Wilde foi casado com Constance Lloyd, com quem teve dois filhos. Wilde morreu em um quarto de hotel, em Paris, em 1900, aos 46 anos de idade, uma imagem distorcida do que foi a vida inteira, um homem em todas as suas fragilidades.

Este ciclo de ascensão, queda e possível redenção de Wilde é algo que vemos repetidamente no cenário atual da cultura de celebridades. O fenômeno dos ‘cancelamentos’ nas redes sociais segue uma lógica semelhante, onde figuras públicas são adoradas e, ao menor deslize, atacadas e rejeitadas. Wilde, com sua vulnerabilidade exposta aos olhos de todos, foi uma das primeiras grandes figuras a experienciar essa dinâmica, que hoje se perpetua na mídia.

Hoje, a superexposição social não é apenas uma escolha. É, muitas vezes, uma perversa expectativa. A constante exibição de conquistas, momentos de felicidade e até crises pessoais nas redes sociais coloca todos em um estado de vigilância pública contínua. Wilde, com sua busca pela notoriedade, também sofreu as consequências desse desejo de superexposição.

Com sua personalidade pública exuberante e suas obras repletas de reflexão sobre a identidade e a aparência, foi um visionário para esta era da superexposição. Ele compreendeu o poder da imagem e da narrativa pessoal muito antes de esses conceitos surgirem.

Sua vida e obra oferecem um espelho para a cultura contemporânea, onde todos, de certa forma, nos tornamos performers de nossas próprias vidas, buscando significado e conexão em um mundo saturado de imagens e aparências. Wilde, portanto, permanece não apenas uma figura literária relevante, mas também um profeta das complexidades da vida do mundo de hoje.

Para Wilde, ser autêntico e extraordinário significava ser incompreendido, até mesmo desprezado, pois o talento de verdade desafia as massas e as expectativas culturais. A popularidade, portanto, estaria associada à renúncia à profundidade e à originalidade. Daí a ironia de sua frase, posta em destaque no subtítulo deste artigo.