Ao completar 80 anos nesta quinta-feira (4), o Arquivo Público de Pernambuco vive um momento singular de sua trajetória. Se antes a instituição era vista pela sociedade apenas como guardiã de papéis antigos, a gestão atual tratou de transformar o acervo em ferramenta ativa. À frente desse processo está Sidney Rocha — um nome que dispensa apresentações no meio literário, mas que aqui assume o papel de gestor público estratégico.
Vencedor do Prêmio Jabuti e, mais recentemente, do Prêmio Guerra Junqueiro (Portugal), Sidney Rocha trouxe para a administração pública a experiência de quem editou mais de 300 títulos e formou milhares de leitores na rede pública. O resultado dessa união entre sensibilidade literária e rigor técnico está nos números do relatório de 2025: foram mais de 1.000 atendimentos a cidadãos , a digitalização de 91 mil documentos em parceria com a Cepe e a inédita internacionalização da memória pernambucana, através de um convênio com o Museu Zeppelin, na Alemanha.
Nesta quinta-feira, o solar da Rua do Imperador abre as portas para celebrar essas oito décadas com uma programação que reflete a nova cara da instituição: lançamento de livros históricos, debates sobre função social e exposições de arte.
Em entrevista a Pernambuco, Sidney Rocha explica como a visão de um escritor e editor impacta a preservação da memória e a garantia de direitos.
PERNAMBUCO O Arquivo Público de Pernambuco completa 80 anos com um relatório de gestão robusto. O senhor é um escritor premiado e editor experiente. Como essas duas facetas — a do artista e a do gestor — se encontram na administração de uma memória tão vasta?
SIDNEY ROCHA Elas são indissociáveis. A literatura me ensinou que toda memória é uma narrativa que precisa ser lida. Quando assumi o Arquivo, o desafio era garantir que essa narrativa não ficasse trancada. Como editor, sempre trabalhei para que o livro chegasse ao leitor. Como diretor do Arquivo, trabalho para que o documento chegue ao cidadão. Os números de 2025 provam isso: quando digitalizamos 91 mil documentos com a Cepe ou atendemos mais de mil pesquisadores e cidadãos, estamos, na verdade, "publicando" a história de Pernambuco, tornando-a acessível.
PERNAMBUCO O senhor tem uma trajetória marcada pela defesa da leitura nas escolas públicas como ferramenta de revolução. Como o Arquivo Público se insere nesse projeto pedagógico?
SIDNEY ROCHA A escola pública é o ponto de partida e de chegada para qualquer mudança real no país. Trouxemos essa premissa para cá com o projeto "Arquivo na Escola". Não adianta apenas guardar o documento; é preciso ensinar a nova geração a lê-lo. Quando um estudante entra aqui e manuseia uma fonte primária, ele entende que a História não é algo distante, mas algo que pertence a ele. O Arquivo deixou de ser um "depósito" para ser um agente educativo.
PERNAMBUCO O relatório cita uma "internacionalização da memória", com ações na Alemanha. Por que é importante levar o arquivo local para fora?
SIDNEY ROCHA Porque a história de Pernambuco dialoga com o mundo. Firmamos uma cooperação técnica com o Museu Zeppelin, em Friedrichshafen, cedendo imagens e documentos sobre o nazismo e a repressão que estavam sob nossa guarda. Isso coloca o Apeje em uma rede global de instituições de memória. Mostra que o que preservamos aqui tem valor universal, especialmente no que tange aos Direitos Humanos e à vigilância contra o autoritarismo.
PERNAMBUCO Falando em direitos humanos, o Arquivo tem se debruçado sobre os acervos da DOPS. O que esse trabalho revelou em 2025?
SIDNEY ROCHA Esse é um trabalho técnico e humanitário. Nossa equipe realizou o levantamento de prontuários de mulheres presas entre 1932 e 1945. O olhar atento sobre esses papéis revelou que muitas foram perseguidas não apenas por política, mas por questões morais e comportamentais, evidenciando um viés de gênero na repressão do Estado. Dar luz a isso é uma forma de reparação histórica.
PERNAMBUCO Para a festa de 80 anos, o Arquivo atua como uma "casa editorial", lançando uma obra de peso sobre a Confederação do Equador. Qual a importância desse lançamento?
SIDNEY ROCHA É a consolidação do Arquivo como produtor de conhecimento. O livro O antes, o durante e o depois”, organizado pelos nossos servidores Emerson Lucena, Hildo Leal e Artur Garcea, traz 570 páginas de documentos transcritos sobre 1824. Estamos devolvendo à sociedade as fontes originais da nossa história libertária. É um presente de 80 anos que reafirma nossa missão: preservar o passado para iluminar o futuro.