"O que aconteceu na ditadura continua acontecendo", diz Marcelo Rubens Paiva

Na 11ª edição do Festival RioMar de Literatura o escritor, jornalista e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva falou sobre os ataques à democracia brasileira e sua literatura autobiográfica

Marcelo Rubens Paiva foi o homenageado da edição
Marcelo Rubens Paiva foi o homenageado da edição

Marcelo Rubens Paiva foi o grande homenageado da 11ª edição do Festival RioMar de Literatura. Presente no evento, o dramaturgo, jornalista e escritor participou de um bate-papo com a apresentação da jornalista Beatriz Castro. Em seguida, atendeu os admiradores de seus livros e deu autógrafos.

Com muito bom humor, o escritor conversou com o público sobre o seu mais novo lançamento, O novo agora, no qual explora sua relação com a paternidade e, diretamente, com seus filhos, além de tratar sobre o período de isolamento devido a pandemia de Covid-19. Ele também falou sobre o sucesso de Ainda estou aqui nos cinemas de todo o mundo e declarou a importância de o Brasil jamais esquecer a ditadura militar.

Para além da programação do festival, o escritor abriu as portas do camarim para receber a imprensa pernambucana em uma entrevista coletiva. Salientou que “o papel do escritor é ser lido e acho que atingi o ápice disso tudo, [Ainda estou aqui] foi um filme maravilhoso que levou as pessoas a lerem de novo uma obra minha que já estava no canto das livrarias, há muito tempo. Então, recuperaram livros meus que ninguém lembrava, ninguém conhecia. Eu me sinto com a missão cumprida de um escritor que está sendo lido”.

Dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres, Ainda estou aqui foi inspirado no livro homônimo de Marcelo, no qual conta a história de sua mãe, Eunice Paiva, uma dona de casa que se vê sozinha com os cinco filhos depois que o marido - o deputado cassado Rubens Paiva, é levado por agentes da ditadura instalada com o golpe de 1964. A partir dessa premissa real e dolorosa, o escritor narra de maneira pessoal a luta de uma mulher forte contra o regime militar.

Assim como Feliz ano velho, publicado em 1982, Ainda estou aqui é uma obra autobiográfica e o seu mais novo lançamento segue o mesmo caminho. “[O novo agora] se conecta por ser uma outra autobiografia, a terceira autobiografia, de uma fase que eu era jovem, uma fase em que minha mãe estava com Alzheimer e uma fase em que eu virei pai. Aquele garotão de Feliz ano velho virou pai e vê a mãe adoecendo, o que comove muito, especialmente quem está tendo filho”, conta o escritor, antes de completar: “Quando eu terminei Ainda estou aqui achei que ainda faltava desenvolver mais esse tema e então O novo agora foi quase uma necessidade de continuar uma história que ainda estava engasgada”.

Para Marcelo Rubens Paiva, contar a história individual de sua família é uma forma de falar do coletivo do Brasil como um todo. “É o papel da literatura, Tolstói já dizia: ‘fale de você para falar da sua aldeia’. Então falando de mim, da minha mãe e das relações familiares, você aborda o conflito universal”.

O mundo individual da família Paiva realmente tocou o coração do mundo todo através da delicadeza do filme de Ainda estou aqui e o livro seguiu esse sucesso, sendo publicado em diversos países da Europa e América Latina.

Para além de seu trabalho como escritor, Marcelo Rubens Paiva sempre esteve muito envolto na política, defendendo a democracia.

“Eu acho que o 8 de janeiro (de 2023) é a prova de que é preciso falar de 1964, é preciso relembrar. É preciso repensar se o Brasil deve perdoar os golpistas, como fez no passado, ou se não é melhor que dessa vez a gente seja mais rigoroso com quem tenta contra a democracia. Acho que o Brasil está vivendo um dilema bastante importante na sua história e o mais bacana é ver que os brasileiros querem democracia e querem a punição para golpistas”, ele afirma.

Marcelo Rubens Paiva perdeu o pai durante a ditadura militar. Em um dia aparentemente comum, oficiais do regime o procuraram em casa e depois de o levarem, nunca deram informações sobre seu paradeiro. Como ele, muitos foram os desaparecidos políticos que apenas anos depois foram declarados mortos.

Mesmo depois da redemocratização do Brasil, entidades como a polícia militar se envolvem em ações que violam os direitos humanos. Em 2013, um caso mobilizou a nação quando policiais militares levaram o ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza. Desde então, ele não foi mais visto.

Comparando os dois casos, Marcelo explicou: “As pessoas acham que o que aconteceu na ditadura não acontece mais, mas continua acontecendo. A forma como a polícia militar aborda as pessoas é uma forma que começou na ditadura, até o fato da polícia ser militar veio dos militares. A herança da ditadura é visível. O que aconteceu com o Amarildo foi exatamente o que aconteceu com meu pai, ele foi torturado dentro de uma dependência militar, ficou desaparecido”, disse Paiva.