Morre o recifense Evanildo Bechara, gramático e imortal

Evanildo Bechara, que tinha 97 anos, era considerado um dos maiores gramáticos do País. Ele ocupava a cadeira 33 da Academia Brasileira de Letras desde 2001

Morreu na tarde de ontem, quinta, dia 22, aos 97 anos, o professor, gramático e filólogo Evanildo Bechara. A morte foi confirmada pela Academia Brasileira de Letras ABL), instituição da qual Bechara fazia parte desde 2001, ocupando a cadeira 33. O velório está marcado para às 10h desta sexta, na ABL. O sepultamento acontecerá às 16h, no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.

Coincidentemente, o educador deixou vaga sua cadeira na ABL no mesmo dia em que um novo acadêmico foi eleito. Na tarde da quinta, Paulo Henriques Britto foi escolhido para ocupar a antiga cadeira da crítica literária Heloísa Teixeira, morta em março. Internado, Bechara não participou da eleição.

Recifense, Bechara era uma das mais representativas figuras da gramática portuguesa. Foi parâmetro para várias gerações de pesquisadores e professores da área. Especialista em linguística e gramática, tornou-se referência em escolas e universidades brasileiras com sua obra Moderna Gramática Portuguesa, que já teve 40 edições desde seu primeiro lançamento em 1961.

Ele também teve  papel central na organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa em 1972, sob orientação de Antônio Houaiss —hoje, o trabalho já engloba mais de 340 mil vocabulários.

O gramático também foi membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Galega da Língua Portuguesa, além de doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra.

Entre os seus prêmios estão as medalhas José de Anchieta e de Honra ao Mérito Educacional (da Secretaria de Educação e Cultura do Rio de Janeiro), e a medalha Oskar Nobiling (da Sociedade Brasileira de Língua e Literatura).

“Evanildo Bechara era o maior especialista em língua portuguesa, com fama que ultrapassa nossas fronteiras,” diz Merval Pereira, presidente da ABL. “Foi o representante brasileiro na reforma ortográfica feita com Portugal. Além de tudo, era um professor generoso e uma pessoa íntegra e cordial.”

Em janeiro, a editora Nova Fronteira lançou uma edição comemorativa dos 40 anos de A Moderna gramática portuguesa, um de seus livros mais importantes. Desde 2023, a editora vinha reeditando algumas de suas principais obras, como Lições de português pela análise sintática, um clássico manual de análise sintática adorado por professores. Trazendo uma seleção de exercícios que vão do simples ao complexo, ela serve como um manual de aperfeiçoamento na prática de conceitos fundamentais da sintaxe.

Polêmica

Nascido no Recife em 1928, Bechara mudou-se ainda adolescente para o Rio de Janeiro, após a morte do pai. Cursou Letras Neolatinas na então Faculdade do Instituto La-Fayette, atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde se formou no final dos anos 1940.

Aos 17 anos, quase oito décadas atrás, publicou seu primeiro ensaio, Fenômenos de Intonação, e aos 20 passou a lecionar língua portuguesa.

Bechara defendia que o dicionário não pode ser estático, assim como a língua não é. Com quase 95 anos causou polêmica  ao apoiar a adição da palavra "dorama" —que significa drama em japonês e coreano— ao dicionário da Academia Brasileira de Letras.

“O professor Said Ali me trouxe a ciência para que, na hora em que estivesse ensinando os usos, eu o fizesse mostrando ao aluno que uma língua é sempre um repositório de várias linguagens. Uma língua nunca é uniforme, ela tem variantes, de acordo com a cultura de cada falante", disse na ocasião.

Bechara sempre defendeu, contudo, o ensino claro das normas padrão do idioma, aliado ao incentivo a alargar os horizontes linguísticos dos alunos a partir dela. "À medida que os nossos conhecimentos se ampliam, temos que também ampliar as possibilidades de expressão do pensamento."