Socorro Acioli comemora o bom momento da literatura brasileira

Autora de A Cabeça do Santo participou da Bienal e lembrou que há uma década o mercado refutava obras com temáticas regionais

Durante o debate, escritora falou da sua trajetória, da forma de trabalhar e do momento propício para os autores brasileiros
Durante o debate, escritora falou da sua trajetória, da forma de trabalhar e do momento propício para os autores brasileiros

A cearense Socorro Acioli, autora de "A Cabeça do Santo", é hoje uma celebridade em vendas e tietagem dos leitores. Sua presença, no último domingo, dia 5, em um debate na 15ª Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, não deixou dúvidas. Três horas antes da mesa de debate iniciar, uma fila com centenas de pessoas se amontoava para disputar uma cadeira no auditório que a receberia para conversar com o jornalista e crítico Schneider Carpeggiani. Paralelamente, outra fila se formava para garantir um autógrafo da autora. A quantidade de vendas de livros de Socorro Acioli durante os três primeiros dias da Bienal deve ter chegado a muitas centenas de exemplares.

Mas nem sempre foi assim. Se hoje é recebida com festa por leitores de todo o país, há exatos 11 anos Socorro Acioli era esnobada pela crítica e pelas  editoras, que hoje estão de olho em seu passe. "A cabeça de Santo" , por exemplo, foi lançado em 2014 e a recepção foi tão negativa, que Socorro teve que ter perseverança para continuar acreditando que seu trabalho valia a pena.

Na época, segundo a escritora, o  cenário brasileiro era o seguinte: “Tinha alguns autores, principalmente na Companhia das Letras, muito incensados, mas muito aritméticos em vários aspectos. Eram pessoas que marcavam muito bem a distância entre eles e os leitores. Não existia essa aproximação entre leitor e autor de jeito nenhum. Eram homens de São Paulo e do Rio Grande do Sul, era a época de  Daniel Galera, Paulo Scott, Michel Laub.”, lembra a escritora.

Nomes brasileiros, segundo recorda, com a escrita “muito influenciada pela literatura norte-americana, principalmente, ou em um caso ou outro, literatura latino-americana, e quase sem nenhuma ligação com o Brasil.”

Uma situação completamente diferente da atual. “Aí eu lancei "A Cabeça do Santo", que não tem nada a ver com nenhum tema, em linguagem, em temática, e nada tinha a ver com nada que estava acontecendo na época. E eu tive muito medo quando eu lancei. Sabia que era tudo tão contramão.”

E foi mesmo. “"A Cabeça do Santo" chegou, foi muito mal recebido. Saiu uma crítica na “Folha de São Paulo”, muito ruim. Não era uma crítica que se canalizava no livro, ela destruía a própria possibilidade de aquele livro existir. Uma mulher nordestina contando uma história que ele achava que eu estava tentando imitar, segundo ele, o Realismo Mágico, no Nordeste. E o livro foi muito mal recebido nesses primeiros anos, porque era completamente diferente do que se produzia.”

Mas o cenário mudou. Hoje, autores como, Aline Bei, Micheline Verunsch, Jefferson Tenório, Itamar Vieira, todos nacionais -  muitos deles nordestinos -, contam com a aprovação não apenas do público como da crítica especializada.

A partir daí Socorro Acioli virou figurinha fácil nas grandes feiras nacionais de literatura, agrega público em todas as regiões e tem as portas abertas para pensar e trabalhar em novos projetos, sem receios de ser execrada.

O que mudou nesse tempo? A própria Socorro não sabe definir. “Eu não sei a resposta porque é que mudou tanto. Mas eu acho que tem alguns fatores.

Primeiro, eu acho que o fenômeno do "Torto arado" - livro do baiano Itamar Vieira que foi vencedor do Prêmio Jabuti e do Oceanos -  é uma grande porta, uma grande marca de modificação. Esse fenômeno do 'Torto arado" se tornar muito popular, veio depois da pandemia, as pessoas ficaram em casa. Esses autores brasileiros todos - eu inclusive - estavam nas lives e estavam ali próximos dos leitores.”, pondera a autora, que conclui: “Não tenho muita explicação para compreender. Mas, hoje, o cenário de  2014, em 2025, é absurdamente diferente.

“Não existe mais a dominação de um grupo de escritores e não existe mais, para o bem ou para o mal, essa ideia de que o escritor precisa fazer parte de um certo grupo ou pensar de uma certa maneira, ou ser tão influenciado por um literato estrangeiro ou escrever tão parecido com um literato estrangeiro.”

Feiras e bienais 

Socorro Acioli também comemora que junto ao crescimento dos autores brasileiros, houve também um incremento de espaços, feiras, bienais em todos os locais do País. O que ajuda na divulgação dos autores e da difusão de suas obras junto aos leitores.

“Fui para uma cidade agora na Bahia, Santa Teresinha, foi a primeira bienal de lá. E aí eu soube que o governo da Bahia está com um programa de incentivos estaduais para os agentes literáris. É muito importante ver uma cidade que,  de repente, não sabe o que está acontecendo, aí chega no evento tem uma pessoa sentada, a pessoa senta também, e escuta um autor falar e fica com vontade de ler aquele livro e compra o livro e isso acontecer ano a ano. Isso é muito importante para a disseminação da leitura.”, comenta.

Socorro também ressalta, que nesse cenário de criação de filmes e livros, de atração de público, os artistas nordestinos têm tido grande relevância.

“A gente pensar em algumas das principais imagens do que é o Brasil nesses últimos 25 anos deste século, a  gente percebe que muitos deles são nordestinos. Pois não se pode pensar o Brasil sem ancorar nesta autoria nordestina também, que é muito diversa, mas que eu acho que virou uma chave para a gente entender o Brasil que a gente está também.

O que não quer dizer, ressalta Socorro Acioli, que o preconceito contra o Nordeste tenha diminuido. “Escuto muitos comentários em São Paulo que me deixam atordoada. Outro dia, um grupo de escritores nordestinos conversando com uma escritora paulista ouviu a seguinte observação: ela comentou que estava encantada de ouvir aquelas pessoas falando coisa tão inteligentes com o mesmo sotaque do porteiro do seu prédio… Acho que ela não se deu conta da gafe que tinha cometido.”

Processo de criação

"A Cabeça do Santo" traz uma história de uma cidade que está praticamente sepultada. Uma cidade que não tem vida. Abandonada. O "Oração para Desaparecer", por sua vez, também traz uma personagem que começa a história simplesmente saindo de uma espécie de cova, uma solução narrativa que Socorro Acioli encontrou para falar dessa mulher que transita entre dois tempos em dois países.

“E o que vai acontecer com ela lá é, de fato, uma ressurreição simbólica que é uma leitura possível para o livro. E essa ressurreição simbólica aconteceu de tantas formas na época que o livro estava sendo lançado. Obviamente, sem que eu planejasse."

O livro, na verdade, saiu no momento da pós-pandemia, onde os eventos presenciais voltaram a acontecer. Para Socorro, querendo ou não, essa ressurreição simbólica estava acontecendo com todos os brasileiros. “Estava todo mundo nessa situação de ressurreição."

“Estava todo mundo meio que ressuscitando simbolicamente de alguma maneira. E eu acho que a gente está sempre. O tempo inteiro, a vida fica se movimentando nesses ciclos.”, diz a autora, fazendo um paralelo da afinidade, consciente ou não, que as pessoa tiveram com a trama e a narrativa do livro. E por consequência, com "A Cabeça do Santo", que também narra um rapaz em busca de seu pai. E cujo início foi uma homenagem ao livro Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo.

A homenagem foi proposital. Socorro Acioli pretendia mostrar ao livro ao seu professor Gabriel Garcia Marquez, com quem estudou no ateliê de criação de romances na Escola de Cinema de San Antonio de los Baños, em Cuba, experiência que marcaria sua trajetória. “Mas ele morreu antes que o livro ficasse pronto.”

Terceiro livro

Há cerca de uns oito anos Socorro Acioli vem trabalhando no que será seu terceiro livro para adultos, "Delírio de São Pedro", que traz um personagem com deficiência mental que foi convencido de que poderia comprar uma mãe no mês de julho, porque como agosto seria o mês dos pais, as mães estariam por 50% do preço de mercado.

O fantástico de novo se antevê na sua trama, que vai se passar no entorno de um prédio real, que foi construído e demolido em Fortaleza, que servirá, no romance, de abrigo para um grupo de pessoas com deficiência mensal, após serem expulsos de um hospital que os acolhia.

A autora conta que a dificuldade maior está sendo encontrar em que tempo da narrativa conduzir o livro. Se em primeira ou terceira pessoa. Se direta ou indiretamente. Com quem o personagem falaria. E também porque ainda esta na fase das pesquisas sobre pacientes com problemas mentais, para que o livro traga uma voz correta. 

A autora confessou que sua escrita é lenta, pois trabalha muito nas palavras, que o tema da orfandade está sempre presente, mas que não é auto-ficcional - e que não teme anunciar detalhes do livro. "Tem gente que acha que anunciar o título do livro dá errado. Não penso assim. Quando tem que ser vai."

Serviço - Bienal Internacional do Livro de Pernambuco
De 3 a 12 de outubro de 2025
No Pernambuco Centro de Convenções – Olinda

Ingressos antecipados em: https://zig.tickets/eventos/xv-bienal-internacional-do-livro-de-pernambuco-edicao-2025