dobra
na dobra do papel
me vejo dobrado
como um sino ao meio-dia,
um barulho por fora
e outro por dentro.
no seu vai e vem
o som repica recados
de alegrias e tristezas.
e o sino dobra à noite,
na treva do ar noturno,
umas notas do ontem
anunciando o amanhã.
na dobra do papel
estou entre as linhas
assentado como palavras
a dizerem coisas.
veneno
não há nível,
há deslize
de prumo
sem rumo,
e a queixa tece a vida
gota a gota,
suspiro
da bolha de ar
e desejo do beijo
de peçonha
mortífera,
cloaca de fêmea.
picadeiro
estou no picadeiro,
palhaço sem maquiagem,
o riso não mais ecoa
e as palmas emudeceram.
pantomimas de anãs
sobrevoam os ares do circo
aureolando as bailarinas
pagãs que dançam
um bailado de pássaros.
sorrio e no rosto
ponho a pintura da vida.
o palhaço retorna
com todos os trejeitos
de quem sabe entreter
para enganar a si mesmo.
no ar que plana a serra,
o vento da primavera
peleja nas flores.
passado
para Josemir Camilo
quando se tem passado,
o presente é o assento do instante
para um futuro ambíguo.
só se tem memória
porque há um passado
e Deus é o reflexo
dos olhos do tempo
enxergando a vida.
José Edmilson Rodrigues, paraibano de Campina Grande, poeta, ensaísta, advogado, funcionário público, mestre em Literatura e Interculturalidade. Membro da Academia de Letras de Campina Grande (ALCG). Membro eleito do Instituto Histórico Geográfico Paraibano (IHGP). Autor de A solidão dos olhos e as vertigens do tempo (Poesia, Editora Mondrongo, Itabuna-BA, 2018), A poética do ridículo – Cronicontos & ensaios (Editora Mondrongo, Itabuna-BA, 2019), Dueto de manhãs (Editora Mondrongo, Itabuna – BA, 2022); Ensaio de tempo (Poesia, Editora Patuá, São Paulo-SP, 2024), entre outros.