O maior desafio para a literatura brasileira em Portugal ainda é superar a resistência do leitor português em ler em… português. Se em outras manifestações artísticas, como no teatro, nas novelas e na música, o português do Brasil não é um problema para a audiência, na literatura os livros escritos “em brasileiro” seguem um entrave, ao ponto de as editoras locais assumirem como verdade que “escritor brasileiro não vende”.
A constatação, porém, não impede pesos-pesados que escrevem em “brasileiro”, como Carla Madeira e Chico Buarque, frequentarem as estantes da Bertrand ou da FNAC. Velho conhecido dos leitores portugueses, Machado de Assis mantém um certo status junto aos patrícios, ao lado da “emergente” Clarice Lispector, que apenas em 2024 começou a ter sua obra completa publicada em Portugal.
O exemplo da publicação tardia de Clarice Lispector ilustra muito bem a hesitação das editoras portuguesas em investir na literatura brasileira. Outros autores consagrados no Brasil também demoraram a serem apresentados aos portugueses, como Nelson Rodrigues, que só desembarcou em Portugal em 2016, trazido pela Tinta-da-China, enquanto o Grandes sertões: veredas, de Guimarães Rosa, conheceu a primeira edição em Portugal apenas em 2019.
O lugar na estante de uma grande livraria, contudo, não é sinônimo de boas vendas. Chico Buarque e o seu Bambino a Roma até figuraram em oitavo lugar em 2024 no ranking interno da gigante Penguin Livros, detentora da Companhia das Letras Portugal, de longe a editora que mais publica autores brasileiros no país. Mas fora dos muros da chancela, o Prêmio Camões 2019 não figurou em nenhuma lista de mais lidos das grandes livrarias portuguesas.
O mesmo aconteceu com o imbatível nas vendas no Brasil Itamar Vieira Junior. Vencedor do Prêmio Leya em 2018, nem a nomeação para o prestigiadíssimo International Booker Prize garantiram a Torto arado ou Salvar o fogo entre os mais lidos em Portugal. Vencedores do mesmo Leya, respectivamente em 2022 e 23, Celso José da Costa (A arte de driblar destinos) e Victor Vidal (Não há pássaros aqui) tiveram performance ainda mais discreta.
Desde 2019, em Lisboa, a carioca Livraria da Travessa divulga um ranking anual – em 2024, encabeçado por Clarice Lispector – embora não revele a quantidade de livros vendidos. Mas na livraria mais brasileira de Portugal, situada na cool e turística zona do Príncipe Real, não são os livros brasileiros os mais procurados pelos leitores. Figuram na segunda posição, à frente dos portugueses, e atrás das edições publicadas em inglês.
O certo desânimo com as vendas em não tem impedido a Tinta-da-China em “revelar” aos portugueses autores clássicos da literatura brasileira, como Nelson Rodrigues, Ruy Castro, Lygia Fagundes Telles, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga e, obviamente, Machado de Assis.
Para o professor e pesquisador em literatura brasileira da Universidade Nova de Lisboa e um dos coordenadores da coleção da Tinta-da-China, Abel Barros Baptista, o desafio é desmontar na cabeça do leitor português a ideia de que a literatura brasileira funciona principalmente como relato dos acontecimentos da antiga colônia e passe ler os brasileiros pela qualidade literária da obra.
“Às vezes, é como se os leitores portugueses só esperassem encontrar nos livros uma crônica dos costumes e da situação política e social no Brasil”, alertou Barros Baptista durante o debate sobre o papel da literatura brasileira realizado na última edição do Festival Literário Internacional de Óbidos (Folio).
Para saciar o desejo de “notícias recentes” do Brasil, a Tinta-da-China tem apostado em nomes da literatura contemporânea como Paulo Scott, Tiago Ferro, Tati Bernardi, Antônio Prata e Gregorio Duvivier. A Companhia das Letras fez o mesmo com Jeferson Tenório e Geovani Martins, mas pelo jeito, boas ou más, as notícias da antiga colônia trazidas através dos livros seguem a empolgar menos do que o esperado os leitores portugueses.
Apesar dos obstáculos enfrentados, há sinais de uma lenta mudança de cenário, um vento de otimismo soprado pela gigante onda da imigração do Brasil e pelos novos ares de um maior interesse dos jovens leitores portugueses na literatura brasileira.
O termômetro dessa tendência é o aumento da presença dos escritores brasileiros nos festivais literários, em sessões de debates e autógrafos cada vez mais disputadas. Uma viragem que passa à margem das campanhas de marketing das editoras portuguesas e tem sido turbinada de forma orgânica pela atuação dos autores no Instagram, YouTube e principalmente TikTok.
Tendência que os editores portugueses demoraram, mas finalmente parecem ter percebido. Na última Feira do Livro de Lisboa, a maior do país, uma fila no estande da Editorial Presença lembrava em tamanho a do principal nome da editora e autor mais vendido em Portugal, Raul Minh’alma. Sentada na mesa de autógrafo, porém, estava a brasileira Lorena Portela.
Cearense radicada em Portugal, Lorena Portela e o seu Primeiro eu tive que morrer foi uma das “descobertas” da Presença, ao lado do youtuber e palestrante brasileiro Fred Elboni. Nenhum jornal, site ou revista literária deu uma única linha sobre os dois autores, mas isso não evitou a histeria no estande da editora e a longa fila de autógrafos onde, três em quatro leitores, eram brasileiros residentes em Portugal.