Após 9 dias de programações diversas sobre o livro, a leitura e a literatura, a Bienal do Livro do Rio de Janeiro chega em seu 10° e último dia. Os dados oficiais sobre o evento ainda não foram divulgados, porém apenas no primeiro final de semana, diversas editoras reportaram recordes de vendas e assim, espera-se que os números movimentados no mercado literário brasileiro dos últimos dias tenham sido altos.
Entre os adoradores da leitura, a prática de andar com grandes malas pelos estandes foi bastante adotada e quem não as carregava, provavelmente estava com uma ecobag recebida como brinde de editoras ou trazidas de casa. Grupos de amigos, famílias, casais e até viajantes solitários, a programação desses dias de Bienal pareceu ter um pouco para todos os gostos.
Especificamente neste domingo final (22), o palco Apoteose apresentou uma programação que incluiu conversas com o mangaka japonês Nagabe, a escritora e psicanalista Ana Suy e a autora canadesne Brynne Weaver. No Café Literário, passaram nomes como Marcelo Rubens Paiva, Ailton Krenak, Fabiana Cozza, Ana Maria Machado e muitos outros.
Experiência quadrinhos
Diante de um evento totalmente voltado ao livro, aos escritores e à literatura, a praça Além da Página abriu espaço para uma conversa sobre HQs, uma arte literária que constantemente é visualizada como um produto segregado dos livros. Com Gabriel Wainer, Rapha Pinheiro, Wlange Keindé, Bruna Saddy e Mayara Lista a conversa passou por assuntos pujantes no meio dos quadrinhos, desde a dificuldade de seguir produzindo, até as possibilidades criativas que o desenho e a escrita permitem. “O quadrinho tem esse aspecto de guerrilha, ele é direto, é alfinetante. Você consegue criticar, consegue atingir sem virar alvo”, contou Rapha.
Autores independentes

Em meio às grandes editoras e palcos, um espaço do Pavilhão 4 desta Bienal do Livro é dedicado aos escritores independentes. Com grandes banners do TikTok, um dos patrocinadores do evento, os escritores de várias partes do Brasil expõem suas obras, conversam com possíveis novos leitores e vendem suas obras.
De acordo com o autor independente Aurélio Nery, a presença na Bienal é essencial. “É muito importante para podermos disseminar nosso trabalho. A gente tem que estar nesses eventos presenciais para conseguir, ao máximo, espalhar nossa imagem, nossos livros, nossa literatura”.
Assim como ele, a baiana Gleysa Teixeira enxerga a necessidade de estar em contato direto com possíveis novos leitores e decidiu viajar até o Rio de Janeiro para expor seu livro, Uma história de Cabeluda: Mulher, mãe e cafetina. “Eu acho que os autores independentes possuem histórias muito resilientes. Estar aqui é saber de todos os desafios que a gente enfrenta, porque fazer um livro não é fácil e estar aqui é um investimento que muitas vezes não temos retorno financeiro, mas o importante é propagar a produção do nosso conhecimento. O Rio de Janeiro é um cartão postal, é a Capital Mundial do Livro, então estar aqui é muito importante”, aponta a escritora.
Memória

Encerrando as mesas sob a curadoria do escritor, compositor e professor Luiz Antônio Simas, o Café Literário recebeu a cantora e escritora Fabiana Cozza, o jornalista e escritor Marcelo Moutinho e o professor e escritor Renato Nogueira para dialogar sobre a memória. Com toda a amplitude de significados e possibilidades de narrativas sobre o tema, o mediador Henrique Rodrigues conduziu cada convidado a elaborar sobre sentimentos e suas obras, além de questioná-los sobre como a memória se apresenta em suas produções textuais.
Na ocasião, Fabiana chegou a ler um poema dedicado à Mirtes, mãe do menino Miguel, morto ao cair de um apartamento de luxo no Recife depois de ser negligenciado pela patroa que deveria cuidar dele. Também foi muito bonita a leitura de uma das crônicas que compõem o livro O último dia de infância, pelo próprio escritor. A narrativa delicada e real, conta sobre a morte de sua mãe.
Marcelo Moutinho
“Eu acho que a gente vive uma época tão novidadeira que é como se tudo aquilo que foi feito anteontem não prestasse mais, precisasse ser destruído para construir uma coisa nova. A gente perde nesse processo, a linha do tempo, que é tão importante”.
Chova ou faça sol
Os imortais da Academia Brasileira de Letras (ABL) Ailton Krenak e Miriam Leitão, juntamente com o cientista Carlos Nobre e a escritora Selma Dealdina Mbaye se juntaram diante da mediação da jornalista Flávia Oliveira para conversar sobre a urgência da questão climática no Brasil. Com altos índices de desmatamento na floresta Amazônica, Carlos começou a conversa alertando sobre a necessidade urgente de que o Brasil olhe para a vegetação, o que foi logo estendido para todos os biomas. Ailton, Miriam e Selma contribuíram com suas experiências e saberes próprios sobre o tema, que nasceram respectivamente através da cultura indigena, da pesquisa jornalística e literária e através da população quilombola.
Apesar do problema ser extremamente sério, os convidados mostraram esperança e otimismo para o futuro. Miriam foi enfática: “Eu tinha 15 anos de idade no momento que o Brasil entrou no pior momento da ditadura militar. 4 anos depois eu estava na prisão. O que eu aprendo com isso? Eu olhei para frente e tinha esperança. A esperança é uma arma muito poderosa, ela ajuda a atravessar períodos difíceis e chegar nos fins das noites”.
Ailton Krenak
“Nós estamos parecendo uma terra que nasceu rica, sempre comeu muito, bebeu muito, colocou boi para todo lado, devastou tudo e estamos acostumados com a natureza sempre devolvendo. De uma hora para outra, os cientistas dizem: ‘olha, aquele bioma vai entrar em colapso, aquele outro está entrando’ e aí a gente olha um pro outro e fala ‘ixe, e como a gente vai fazer o saque?’ Estamos acostumados a comer a Terra como quem vai comer um panetone no final do ano e sabe que depois tem outro”, disse o escritor.