Os primeiros poemas de Maiakóvski, e até os de antes

Astier Basílio recria no português do Brasil a exuberância e a energia do russo

Cajazeiras e Moscou são opostas em quase tudo, mas estão unidas. Por Vladimir Maiakóvski, que, no Brasil, atende pelo nome de Astier Basílio. Ele acaba de lançar o livro Eu!, sob o selo da editora cajazeirense Arribaçã.

O Brasil conhece pouco da poesia russa. Nesse “pouco” deve muito aos concretistas, a Boris Schnaiderman, e a um ou outro mais. Mas, desde que Astier Basílio mudou-se para a Rússia – e nisto logo se contará uma década – a situação melhora a cada novo texto dos russos que ele traduz para o português do Brasil.

Em um artigo publicado neste mesmo número da Pernambuco, ele comenta a curiosa coincidência do título e vizinhança das datas: do Eu!, de Maiakóvski, e do Eu, de Augusto dos Anjos. No caso do Eu! russo, por contar com uma contextualização precisa, o leitor estará pronto para descobrir os primeiros versos do poeta. Inclusive os anteriores a esse livro.
As notas enriquecem a edição. A diagramação, porém, não facilita o paralelo do original com a versão, por causa das fontes e da disposição dos textos nas páginas. Não chega a atrapalhar o percurso; poderia, no entanto, ser mais confortável.

É notável como o tradutor conseguiu manter ou reinventar as “essências e medulas” das concretudes e cotidianidades maiakovskianas. Um exemplo é o poema “Alguma coisa sobre Petersburgo”:
Em jorro o choro das telhas aos tubos,
às mãos dum rio que uns fios enreda;
porém no céu lábios bem pelancudos
foram cravar-se em mamilos de pedra.

Para o céu – calmo – ficou tudo claro lá,
onde o mar faz um prato brilhar,
passou um tratador por uns dromedários
Úmido e cansado pelo Nievá.

O tradutor ousa tanto na tentativa de rimas quanto do ritmo, buscando inclusive a produção de coloquialismos e combinação de metros.
Este livro pede um leitor atento e com um nível acima da média no que diz respeito ao vocabulário da estrutura dos versos, em especial da métrica. Os critérios são apresentados pelo tradutor de forma direta, clara e concisa, como a explicação para o poema “Letreiros”:

“‘Letreiros’ é um trímetro anfíbraco. (...) Nesta tradução, optamos por um metro que pudesse trazer musicalidade semelhante e o que nos pareceu mais conveniente em nosso sistema foi o eneassilábico, escrito aqui com predominância de acentuação nas sílabas ímpares (terceira e sétima).”
O fabbro, o fazedor Maiakóvski encarava a poesia como uma fábrica. Parece que assim foi para ele, desde o começo. A julgar pelo que traz este volume traduzido por Astier Basílio, indispensável já na bibliografia em língua portuguesa do grande poeta da Geórgia e da União Soviética.