O crítico Luiz Costa Lima trabalhou ao lado de Paulo Freire, no Recife, no Serviço de Extensão Cultural (SEC). Nesse depoimento exclusivo para o Pernambuco, Costa Lima lembra não apenas da sua convivência com Freire, como também de fatos posteriores ao Golpe de 1964.
O depoimento é nossa forma de lembrar os 20 anos da morte de Freire. Quem quiser saber mais sobre a relação de Costa Lima com 1964 (e com o próprio Freire), pode conferir a reportagem especial que foi nossa capa em janeiro deste ano: um longo perfil por conta dos 80 anos do teórico.
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“Paulo Freire era, antes de tudo, uma criatura boa e honesta. Lembro-me de um episódio. Ele me contava: na madrugada da véspera, percebera que havia alguém em sua cozinha. Correu para lá e se deparou com um ladrão. Procurou então conversar (!) com ele. O invasor, mais arguto do que ele, depois de ouvir algumas de suas palavras, lhe respondeu: doutor, ou o senhor chama a polícia pra me prender ou me deixa sair. A atitude de Paulo, por certo bondosamente ingênua, se repetiu nos instantes mais graves do golpe de 1964. E sua simplicidade se mantinha durante seu exílio, quando sua sobrevivência financeira era garantida pelo que recebia da UNESCO na campanha, então internacional, pela alfabetização na África. Assim, quando o reencontrei anos depois em Genebra, Elza, sua esposa, e ele, me receberam, em sua casa, para comer uma feijoada nordestina. O exilado, então um nome consagrado, mantinha a simplicidade de hábitos com que convivera com ele, na Rua Rita de Souza, em Casa Forte [bairro da zona norte do Recife]. Por isso, quando ainda hoje escuto dizer que queria comunizar o país, não posso deixar me encher de raiva ao perceber como a ignorância continua dominante neste grande país pequeno. Diga-se de passagem, enquanto seu Serviço de Extensão Cultural, criado dentro da Universidade Federal de Pernambuco (então chamada do Recife), procurava diminuir os índices de analfabetismo do país, o PCB, coerentemente, era contra o movimento chefiado pelo saudoso Paulo Freire. Ele, cristão praticante, acreditava que sua fé só se expandiria em um país democrático. Que hoje ele diria ante a falência das instituições, chefiada por um governo usurpador e golpista?”