Livros generico jaine.dez17

 

 

 

Em 1992, foi lançado o Sex, de Madonna, feito pelo designer Fabien Baron, que acabou sendo um dos pioneiros na tendência livro-objeto. Uma edição com envelope de plástico metalizado que, propositalmente, exige certo sacrifício no manuseio, completamente diferente dos livros convencionais desde o primeiro contato com o leitor. A editora foi a Callaway Editions, fundada pelo artista múltiplo Nicholas Callaway, que se tornou um marco no design editorial americano – conteúdo e forma recebendo a mesma atenção e dedicação. Obras de arte para ler e ver.

A busca por uma editora que exiba o casamento perfeito entre design e conteúdo é quase tão difícil de encontrar como um casamento duradouro entre celebridades. Às vezes, o casal mais lindo do mundo e bem-sucedido cumpre o ritual certinho: sigla com suas primeiras sílabas, casamento secreto numa ilha, adotam filhos em países pobres, passam alguns meses ou anos – e depois divórcio e trending topics. Decepção geral. Mas é bonito acompanhar a trajetória, curta ou longa, criamos uma memória afetiva e certa simpatia por quem nos contou histórias cheias de imagens marcantes.

A Cosac Naify (falo já sobre) lançou em 2013 uma coletânea de entrevistas com designers, uma tradução de um livro editado por Steven Heller em 1998. Dentre os entrevistados, estava o já citado Nicholas Callaway, que, nos anos 1990, deu três respostas básicas, mas que até hoje muitas editoras parecem não compreender ou esquecem no meio do caminho:

1)Você acha que o design tem impacto relevante no desfrute do livro pelo consumidor?
“Não tenho a menor dúvida. Esse é um fato ainda negligenciado pela maioria das editoras, em contraste com quase todos os outros produtos de consumo, da moda aos carros, dos computadores aos aparelhos eletrônicos.”

2)Quem são os melhores designers de livros?
“Os melhores são aqueles que entendem profundamente as possibilidades expressivas singulares da página impressa do livro, trabalhem ou não predominantemente com livros. Posto isso, o bom designer é o bom design, e muitas vezes tentamos atrair designers de outras mídias para que tragam uma nova perspectiva (...)”

E a terceira digo lá no final.

Reparem: nos anos 1990, já estava claro o que era preciso fazer, mesmo sem esta enxurrada de informações a que estamos submetidos agora, em que tudo vira concorrência do objeto impresso.

Uma espécie de “tábua de salvação” foi a Cosac Naify. Virou referência em design e mudou a cara editorial brasileira. Lançou vários livros marcantes que trouxeram para o consumo a forma visual e o conceito da representação – um salto importante no mercado. Quando, em 2015, Charles Cosac revelou que estava fechando a editora porque foram quase 20 anos de prejuízo e que queria terminar como começou – sem cair a qualidade – foi uma tristeza geral para quem acompanhou esse casamento perfeito de conteúdo e forma. E teve de tudo (trending topics), correria pra comprar livros caros e que eram sempre adiados e parecia que nós, designers, estávamos perdendo aquele amigo querido que sempre dava uma força pra gente nas horas de descrença com a profissão. Sim, só para pontuar, “cair qualidade” para Charles Cosac era baratear a parte gráfica/design e publicar apenas livros de domínio público.

Mas a cartilha do capitalismo é esta, não é? Evolução constante em termos visuais, sobretudo, para que possam continuar vendendo os mesmos produtos. E, passados quase dois anos do luto para consumidores de design e conteúdo, algumas editoras (justiça seja feita: que já publicavam alguns livros visualmente interessantes) começaram a preencher mais ativamente a lacuna do design deixada pela Cosac Naify e outras independentes surgiram investindo no livro-objeto ou livro de artista, que é quando uma obra de arte toma como suporte o livro.

 

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A Ikrek é hoje o melhor exemplo de editora que produz livro-objeto a preços acessíveis e fáceis de encontrar. Fundada pelos irmãos Pedro e Luiz Vieira, surgiu a partir de uma coleção privada de livros de artistas, e do envolvimento de seus fundadores com a arte e o universo editorial. “A ideia da Ikrek é produzir e difundir esse suporte, e almejamos que um público maior entenda as especificidades do livro de artista e a possibilidade de, com esses objetos, formar uma coleção de arte com um investimento financeiro relativamente baixo. Pelo menos um exemplar nosso de cada livro (independentemente de tiragem ou patrocínio) é doado ao Museu de Arte Contemporânea da USP, uma forma de salvaguardar na esfera pública essa produção para a posteridade. Museus como Serralves (Portugal) e MoMA (EUA) já adquiriram títulos da editora”, diz Luiz Vieira. Para 2018, está previsto o lançamento do Edifício Recife, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca. Trabalho que realizaram em 2013. Uma obra composta por 22 conjuntos de três fotografias – 66 imagens de esculturas fixadas nas entradas de edifícios do Recife e, para cada imagem, a descrição da escultura feita pelo porteiro do prédio, a pessoa que talvez mais tenha contato com a obra, muitas vezes pela obrigação de cuidar dela. Segundo Luiz, esse trabalho ganhará independência, diferente leitura e nova relação com o espectador: “Não se trata de documentação da obra de 2013. Trata-se de uma nova obra”.

Outras editoras conseguem ficar entre o livro-objeto e edições mais artesanais, apresentando soluções de acabamento gráfico, não necessariamente caros, mas que dão sofisticação ao produto. Acabam publicando livros mais discretos, só que com design muitas vezes surpreendente. É o caso da Quelônio, que produz em tiragem limitada e em formatos especiais fazendo uso do linotipo, serigrafia, acabamento manual… Aliados com outras técnicas atuais. Este ano lançou A órbita de King Kong, de José Luiz Passos e ilustrações de Raquel Barreto. Com texto em linotipo, títulos dos capítulos em tipos móveis e com ilustrações impressas digitalmente em papel vegetal. Uma combinação de impressão tradicional com um processo mais atual. Os livros foram costurados à mão e o resultado é de conteúdo e forma perfeitamente equilibrados.

Outra edição interessante foi O martelo, de Adelaide Ivánova, que saiu pela editora Garupa. O livro de poesias é feroz: a capa tem uma camada fina que te suja de vermelho, por sua vez seus dedos manchados sujam as páginas, daí suas digitais são reveladas e acaba que ninguém é inocente. Suas mãos pintadas revelam que você esteve na cena do crime. 

A Todavia também é um bom exemplo de cuidado visual. Apesar de estar encaixada no perfil de técnicas mais usuais de impressão, os projetos gráficos são interessantes pelo fato de o miolo das edições ter praticamente o mesmo template, o mesmo papel Munken e a mesma fonte Register, deixando a variação apenas nas capas. Terminam o ano lançando o Anos de formação: os diários de Emilio Renzi, alter ego de Ricardo Piglia, o primeiro de uma trilogia. A capa é comum – Diário: letra cursiva, de alguém – foto do autor. Não surpreende, mas não erra, com uma lombada que parece não pertencer ao conjunto. O projeto gráfico é de Pedro Inoue, que também fez a capa de O vendido, com uma excelente solução gráfica, porque trouxe com sarcasmo o perfil da sociedade racista americana da obra, em que personagens sem identidade servem apenas de suporte para apoiar uma mensagem. 

Já a editora Carambaia convida designers para desenvolver os projetos das suas edições. E as parcerias fazem com que cada lançamento receba acabamento único. Vale destacar Dom Casmurro, porque a designer Tereza Bettinardi conseguiu não só homenagear o formato original de 1899 (12 x 18 cm), como também trazer de volta uma técnica de ilustração lateral muito usada nas composições visuais da época. Essa edição é um ótimo exemplo de um designer pesquisador – pois não caiu na mesmice das figuras femininas para Capitu e ainda trouxe referências históricas de diagramação. Este ano saiu também o Novelas trágicas, com projeto de Luciana Fachini e ilustrações de Zansky. Uma brochura com invólucro de plástico que usa o design para revelar as personalidades dos personagens. Interessante perceber também que a luva do livro, quando sobreposta às demais ilustrações, revela traços escondidos.

A Companhia das Letras já teve dias melhores, sobretudo na coleção Penguin, mas este ano lançou Lima Barreto: triste visionário. A imagem da capa é uma pintura do artista Dalton de Paula, óleo sobre livro.  Não se tem muitos retratos de Lima Barreto, mas o traço de Dalton traz umas pinceladas tão fortes, que nos deixa íntimos de uma não-imagem conhecida. O designer Victor Burton não interferiu no trabalho de Dalton, mas pôs uma cinta com tipografia da época. A questão é: essa cinta ressaltou o olhar triste e ao mesmo tempo calou. Uma solução que nos obriga a retirar a “mordaça” e dar liberdade ao retrato. Já a capa flexível, num volume de 648 páginas com um formato de 23.60 x 15.90 cm, talvez não tenha sido a melhor saída, por conta da deformação que vai surgindo com o manuseio natural de um livro grande no formato e no volume.

Por último, a Ubu. A direção de arte é de Elaine Ramos, que foi a editora de arte da Cosac Naify por 11 anos. Seus livros têm uma navegação clara, bem-elaborada e, não raro, se destacam onde estão expostos. São projetos gráficos com uma “planta baixa” bem- definida. O leitor sabe onde estão os cômodos, as janelas, as portas. Transitando confortavelmente pelo ambiente. A formação em arquitetura de Elaine favorece, e muito, a “permanência” no livro. Desde o início do ano, estão lançando em série a coleção Argonautas, na qual as capas sofrem variações na trama escolhida para amarrar a linguagem gráfica – uma solução simples e eficiente que deu unidade à  produção em série. Mais recentemente, apresentaram uma edição ilustrada de Macunaíma, as ilustrações de Luiz Zerbini são uma catalogação de texturas do Brasil: Planta, pena, palha, raiz. O artista usou a técnica de monotipia, quando os objetos recebem uma tinta e são colocados numa prensa e na impressão deixam a sua textura no papel. A editora lançou uma tiragem especial de 250 exemplares em capa dura que tinham uma monotipia como sobrecapa. O resultado é o de um livro com uma solução gráfica capaz de contar o universo do personagem só com o visual.

 

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A terceira resposta de Nicholas Callaway:

3) Qual é o futuro dos livros e do design?
“As tecnologias associadas à criação de imagens, ao design, à pré-impressão estão todas sendo aprimoradas. Já a criatividade e a excelência continuam tão raras quanto no passado. Os livros não vão desaparecer, mas vão ocupar outro lugar.”

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