Publicado no primeiro número da Revista de Antropofagia, em 1º de maio de 1928, o Manifesto Antropófago, assinado por Oswald de Andrade, completou assim 90 anos. De todos os documentos que surgiram no rastro da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo, sem dúvida é o mais conhecido, e seu valor cultural só fez aumentar ao longo das décadas.
É preciso, todavia, lembrar que o Manifesto Antropófago é precedido pelo Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924), do mesmo autor, com que guarda certa semelhança, mas também uma diferença fundamental. Em ambos, trata-se de assimilar a cultura estrangeira, associando-a ao elemento “primitivo” brasileiro. A fórmula do Pau-Brasil é clara: “Temos a base dupla e presente – a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a álgebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de ‘dorme nenê que o bicho vem pegá’ e de equações”. Ou seja, o Brasil era (e ainda é) constituído pelo mundo rural, “primitivo”, e pelo mundo urbano nos primórdios da industrialização. Mas o Pau-Brasil ainda tinha uma metáfora colonial: preconizava fazer uma poesia de exportação, inspirada na madeira que deu nome ao país.
Era preciso ousar mais. E aí Oswald, inspirado em movimentos europeus de vanguarda, como ele mesmo reconheceu, especialmente no dadaísmo de Francis Picabia e no surrealismo de André Breton, propõe a metáfora da antropofagia. Esta consiste essencialmente em devorar o outro, em particular a cultura de origem europeia, não literalmente é claro, mas assumindo o papel do “mau selvagem”, em vez do “bom selvagem” de Rousseau e dos românticos, aproveitando o que o elemento estrangeiro tem de melhor e unindo-o ao elemento “primitivo”, nacional. Em outras palavras, Oswald defendia tornar aquilo que já é um fato, o caráter híbrido da cultura brasileira, uma reivindicação de direito.
Daí a ideia do “bárbaro tecnizado” (o qual ele recolheu em Hermann Keyserling, importante pensador alemão da primeira metade do século XX, hoje esquecido), um híbrido do mais civilizado com o mais selvagem, mas afirmando sobretudo o “primitivismo” deste último: “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”. Observe-se que a lei específica do antropófago vale para toda a humanidade... Desse modo, interessava expropriar a cultura alheia para afirmar a sua própria, que por isso mesmo jamais seria pura. Vale sempre interpretar também a conexão visual que se estabelece com a pintura de Tarsila do Amaral, que era esposa de Oswald na época do Manifesto e da Revista de Antropofagia, periódico criado para divulgação do movimento. Colaboraram na revista, além do antropófago-mor, nomes como Mário de Andrade, Raul Bopp e Carlos Drummond de Andrade, entre diversos outros.
Nos anos 1950, depois da passagem pelo comunismo, Oswald redimensiona suas próprias ideias, contrastando-as com o messianismo político e religioso, em A crise da filosofia messiânica, tese com que tentou, sem sucesso, uma vaga no departamento de filosofia da Universidade de São Paulo. A ideia do “matriarcado de Pindorama”, já defendida no Manifesto, ou seja, a postulação de uma cultura não falocêntrica, não baseada na autoridade patriarcal, me parece extremamente fértil neste momento atual de afirmação feminista.
O legado maior do movimento antropofágico foi nos ajudar a ter menos complexos por não fazermos parte das nações hegemônicas. No momento em que a própria noção de hegemonia tem sido criticada por ativismos sociais como feminismo, cultura LGBTI, antirracismo e indigenismo, entre outros, me parece que essa perspectiva antietnocêntrica é, mais do que nunca, essencial.
Atente-se sobretudo para o fato de que, numa era da cultura planetária, não faz mais sentido a oposição simples entre “lá” e “cá”. Ou entre centro e periferia como entidades ontológicas. Há tempos se descobriu que a periferia habita o centro, e grande parte da periferia hoje está no centro das atenções. Nesse contexto é que o conceito de civilização como um ideal ocidental tem sido sistematicamente questionado, em prol de um valor de universalidade que inclua culturas menos valorizadas historicamente.
Isso não implica cair num relativismo, em que tudo possa ser aceito, desrespeitando os direitos humanos, por exemplo, em proveito de qualquer particularismo cultural. O que um movimento como a antropofagia fez historicamente foi abalar a visão estereotipada do outro, quer dizer, nós mesmos que habitamos as Américas de Norte a Sul, ou qualquer parte do globo que sofreu um violento processo de colonização, com extinção de grande parte das culturas autóctones. Os assim nomeados (não sem equívocos) “índios” podem ter sua cultura novamente apreciada, sem oposição simples com o “civilizado”. Afinal, como lembra um dos maiores especialistas no assunto, Carlos Jáuregui [nota 1], ninguém foi mais “antropófago” ao longo dos últimos séculos de história mundial do que o colonizador europeu. Foi este quem consumiu inúmeras vidas humanas, enriquecendo-se com a sevícia dos negros africanos e dos indígenas americanos. A própria noção de “Ocidente”, como distinto do resto do mundo, foi uma estratégia progressivamente montada para facilitar o domínio colonial, que funda e sustenta a chamada modernidade.
Cabe não esquecer que a cultura cristã é essencialmente antropófaga, visto que no ritual da eucaristia simbolicamente se come o corpo e se bebe o sangue de Cristo. Deve ser um caso único em que uma divindade é canibalizada por seus fiéis... Foi em relação ao esquema opositivo brutal entre selvagem e civilizado que o pensador franco-argelino Jacques Derrida deu uma contribuição com a chamada “desconstrução”, a qual prefiro agora renomear como disseminações, no plural. Em livros fundamentais como Gramatologia e O monolinguismo do outro, Derrida abalou as relações tradicionais entre a dita metafísica ocidental e tudo o que ela violentamente rebaixa ou exclui.
POESIA CONCRETA E TROPICÁLIA
Em outra vertente, como se depreende do livro fundamental de Gonzalo Aguilar, Poesia concreta brasileira [nota 2], nada mais antioswaldiano do que o movimento da poesia concreta, que emerge nos anos 1950. Enquanto a escrita de Oswald tende a ser caótica e anárquica, mesmo na tese que apresentou à USP, os concretos tinham uma visão planificada da poesia, da cidade e da cultura. Apesar disso, um ponto vai aliar o Concretismo à antropofagia, sobretudo na década de 1960: ambos estavam em sintonia com o processo desenvolvimentista de São Paulo e do Brasil como um todo. Tanto Oswald quanto os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, junto com Décio Pignatari, tinham horror ao nacionalismo provinciano, fechado ao experimentalismo vanguardista, que se desenvolvia plenamente na Europa, nos EUA e em outras partes do mundo ocidentalizado, desde o final do século XIX.
Um interesse semelhante vai acontecer nos anos 1960 com a Tropicália de Caetano, Gil, Torquato, Gal, Mutantes, Tom Zé, Capinam & cia. Em momentos distintos, esses três movimentos buscaram descolonizar o pensamento brasileiro. Isso significou atuar em duas frentes: 1) valorizar o elemento popular nacional (sobretudo na antropofagia e na Tropicália), sem folclorizá-lo e 2) abrir-se ao elemento cultural exógeno, vanguardista, na literatura, na música e nas artes plásticas, porém de modo inventivo, filtrando ou digerindo o que importava importar (valha o pleonasmo). Afinal, não se pode comer tudo, é preciso escolher o melhor alimento, como manda o mito do antropófago: come-se o inimigo para assumir suas melhores qualidades.
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E era isso o que valia para Oswald, para os concretos e para os tropicalistas, estes dois últimos grupos como argutos leitores do primeiro. Como resume muito bem Caetano, comentando em Verdade tropical a respeito da descoberta da antropofagia oswaldiana por seu grupo nos anos 1960: “A ideia do canibalismo cultural servia-nos, aos tropicalistas, como uma luva. Estávamos ‘comendo’ os Beatles e Jimi Hendrix. Nossas argumentações contra a atitude defensiva dos nacionalistas encontravam aqui uma formulação sucinta e exaustiva” [nota 3].
A meu ver, quem mais reivindica enfaticamente ainda hoje a antropofagia em suas declarações e em seu teatro é José Celso Martinez Corrêa. A reencenação, desde o ano passado da peça fundamental de Oswald, O rei da vela, anos depois da primeira encenação nos anos 1960 – a qual marcou enormemente Caetano –, confirma na prática essa condição de herdeiro reivindicativo.
A antropofagia, tanto quanto a poesia concreta e a Tropicália, deveria ser amplamente estudada em nossas escolas de Ensino Fundamental e de Ensino Médio. Ajudariam a dar uma visão mais otimista e construtiva de uma democracia atualmente esfrangalhada por sua classe política. O importante é que, à diferença de outros grupos que surgiram depois da Semana de 1922, as três tendências escapam de um nacionalismo tacanho. A visão da antropofagia, do Concretismo e da Tropicália é essencialmente cosmopolita e política, sem complexos e sem ufanismo. Razão pela qual se tornaram universais, sendo pesquisados e ganhando exposições no Brasil e no exterior. O que une os três mo(vi)mentos é a necessidade de pensar o lugar cultural do Brasil para além das teses negativistas (à Paulo Prado) ou entusiastas (à Gilberto Freyre). Nem melancolia, nem mitologia mestiça, outra coisa.
Oswald teve duas vezes a tentativa de entrada na Universidade de São Paulo barrada. Hoje, as instituições acadêmicas o avaliam como pensador extremamente original, com teses, dissertações e livros publicados. A História lhe fez, finalmente, justiça. Este ano, Raphael Meciano defendeu no Departamento de História da USP uma dissertação de mestrado intitulada Formação e diferença: o problema da relação entre os discursos de formação nacional e a antropofagia na crítica brasileira, na qual explica muito bem como as ideias revolucionárias de Oswald nada tinham a ver com o modelo institucional que se estava implantando no espaço acadêmico paulista da primeira metade do século XX. Se lhe faltava a formação específica na área de filosofia, sobravam-lhe noções e conceitos que o qualificam como um dos pensadores internacionalmente mais originais do século passado, e ainda muito relevante no atual.
A referência a Totem e tabu, e outros textos de Freud, é marcante nos textos antropofágicos de Oswald. Não é possível saber se os tabus culturais foram completamente totemizados em uma nova civilização matriarcal, desprovida do complexo de Édipo. Provavelmente não. Felizmente para nós, a antropofagia não concluiu sua tarefa, e por isso mesmo podemos levá-la adiante, com novos instrumentos e por meio da seleção daquilo que de melhor engendrou.
O maior problema do apego excessivo que às vezes atualmente se nota em relação à antropofagia é nos prender eternamente ao primitivismo atrasado, que a Europa sempre indigitou nos povos de outras latitudes. Isso pode servir de argumento ao exotismo mais dogmático, tornando nossos artefatos culturais meras atrações de feira, como as exposições bizarras do século XIX, tão bem retratada na exposição do museu etnológico Quai Branly, em Paris, em 2012: Exhibitions: L’Invention du Sauvage. Nesses festivais internacionais, objetos e indivíduos da Ásia, da África e das Américas eram exibidos como “produtos” estranhos e exóticos, a fim de confirmar a superioridade europeia.
Em contrapartida, o primitivismo transformado em corrente estética bastante positiva surge no mesmo século XIX e ganha enorme força no início do seguinte, sobretudo porque um dos grandes nomes das vanguardas artísticas e literárias, Pablo Picasso, entre outros protagonistas do modernismo, incorpora elementos africanos a seu trabalho pictórico e escultural, como na famosa tela Les demoiselles d’Avignon. Com isso, de algum modo as vanguardas anteciparam a valorização das culturas não hegemônicas, trazendo-as para o palco principal da cultura modernista.
Creio que hoje há a possibilidade de se rever com outros olhos as teses antropofágicas de Oswald. Nesse sentido, levantei algumas hipóteses numa conferência realizada em 2005, na Unesp de Araraquara, intitulada Desconstrução e antropofagia, e depois republicada com o título de A antropofagia em questão, no livro de referência excepcional, organizado por João Cezar de Castro Rocha e Jorge Ruffinelli, Antropofagia hoje? [nota 4] Nesse ensaio, procurei empreender duas tarefas que me parecem essenciais. Primeiro, reler os textos de Oswald em seu momento histórico, explorando algumas de suas contradições. Por exemplo, ele evidentemente não era um antropófago em sentido estrito e até onde sei não conheceu sequer uma tribo indígena! Mas essa contradição não é paralisante; é fértil, e mostra que, de fato, seu antropófago não é puro, mas um híbrido de “selvagem” e “civilizado”, ultrapassando essa oposição redutora. Oswald foi um escritor modernista, membro da elite paulista, porém engajado no questionamento dos valores culturais e de classe social.
Além disso, interessa pensar a metáfora da devoração em si, coisa que poucos fazem. A questão seria: do ponto de vista ético e político é preciso, ainda hoje, devorar (metaforicamente) o outro, mesmo sendo ele o antigo colonizador europeu? Será que necessitamos repetir a violência do colonialismo, invertendo o vetor de ataque? Aí é que proponho um comer junto, em vez da devoração. Me parece que hoje é mais importante dar de comer para poder comer junto do que devorar por devorar.
Isso nem de longe invalida as teses de Oswald, apenas as atualiza no momento em que os novos fascismos emergiram com extrema violência. A antropofagia oswaldiana era democrática, mas ainda trazia em si os germes da violência em sua metáfora. Podemos continuar a comer, mas agora coletivamente, sem pulsão violenta, como bem encenou Lygia Clark, com sua experiência grupal Baba antropofágica realizada nos anos 1970, em que os participantes davam de comer as próprias entranhas (representadas por fios de barbante regurgitados aos poucos), e ao mesmo tempo eram “comidos”, numa performance ritual.
A SOLIDARIEDADE DOS VIVENTES
Vale lembrar que o célebre ensaio de Silviano Santiago O entre-lugar do discurso latino-americano cita a antropofagia como uma de suas linhas de força. Este e outros textos de Silviano publicados em Uma literatura nos trópicos (que agora completa 40 anos) e em Vale quanto pesa contribuíram igualmente para descolonizar o pensamento brasileiro já nos anos 1970.
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Um dos efeitos mais poderosos do pensamento antropofágico foi justamente pôr em questão a ideia estereotipada de nação, como se ela existisse desde sempre. Como se sabe, o conceito de Estado-nação se afirma em definitivo principalmente a partir do positivismo do século XIX europeu, mas também estadunidense, e em seguida é exportado sem muitas adaptações para outras partes do planeta. Alguns dos grandes conflitos do século passado, e ainda do atual, vêm da divisão territorial que grandes potências coloniais como Inglaterra, França, Espanha, Holanda e Portugal impuseram sobre povos que viviam em regime tribal ou em comunidades, nada tendo a ver com os burgos medievais, nem com as cidades modernas dos europeus. Ao tornar-se permeável a formas culturais externas, a antropofagia amplia e põe em causa os limites da nação. Percebe-se assim que não faz mais sentido qualquer ontologia identitária, pois, segundo uma das melhores tiradas de Oswald, a questão é “odontológica”: um problema de “dentição” e mordida, sem qualquer essência metafísica...
Nessa perspectiva, um aspecto decisivo hoje seria pensá-la com relação aos próprios povos autóctones que chamamos, não sem equívocos, de “índios”. Afinal, se o antropófago oswaldiano é um indivíduo modernista que se inspira no mito da antropofagia relatado desde o início da invasão das posteriormente nomeadas Américas pelos europeus, é o modo como se assimilam (ou não se assimilam) as diversas culturas “indígenas”, bem como as de origem africana, que conta bastante para entendermos o Brasil de hoje. Um país visto não como unidade nacional pacífica, mas como uma “comunidade imaginária”, plena de conflitos internos e externos. Conflitos decisivos, por exemplo, entre latifundiários do agrobusiness e todo tipo de invasores, de um lado, e marginalizados, vidas precarizadas, de outro. Entender a oposição de um pensamento progressista, antropófago ou não, a um pensamento reacionário, destrutivo, é agora a “prova dos nove” da antropofagia oswaldiana como modelo cultural, porém não exclusivo, como gostariam alguns.
A literatura indígena recente é um fato inédito na cultura etnocêntrica do país: o outro pela primeira vez conta sua própria história. Em vez do intelectual modernista, a alteridade de fato “canibaliza” o civilizado, revertendo o sentido da História. Isso somente foi possível porque indivíduos provenientes de tribos foram alfabetizados na língua portuguesa, cada um com sua história singular: Daniel Munduruku, Kaká Werá Jecupé, Eliane Potiguara, entre outros. O mesmo tem acontecido com pessoas oriundas de comunidades periféricas, com negros que reivindicam dar seu testemunho via ficção e com mulheres que resolvem contar as relações de gênero sob o ângulo delas. Esse investimento na autoetnografia é muito bem-vindo e abre para outras perspectivas literárias e culturais, expandindo o conceito de literatura hoje.
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A relação dos índigenas com as plantas e os outros animais está também no centro do debate. Como relatado por diversos antropólogos e mais recentemente por eles próprios, as culturas ameríndias têm um relacionamento mais estreito com o que costumamos chamar de natureza. Nelas, não há propriamente descontinuidade entre viventes humanos e não humanos. Era nesse sentido que, numa entrevista a mim concedida, Jacques Derrida fazia apelo a uma solidariedade dos viventes [nota 5]. O misto de “escola e floresta” que Oswald propugnava para a afirmação de uma cultura não mais nacionalista, mas, sim, aberta ao mundo, implica esse respeito por todas as formas de vida que não a nossa, a qual muitas vezes assume aspectos desumanos.
América Latina, Ocidente, progresso e Estado-nação, entre outros, são conceitos que se firmaram entre os séculos XIX e XX, conformando identidades que serviam antes de mais nada ao jogo das grandes potências coloniais, como Inglaterra, França, Bélgica, Portugal e Espanha, entre outras [nota 6]. A ontologia da dependência começa efetivamente a se desfazer no momento em que se põe em dúvida ou até mesmo se abandona essa terminologia. Interessa mais, no contexto atual, analisar a precarização das existências seviciadas nas Américas como um todo, bem como em outras partes do mundo. Nada se deve ter contra os avanços tecnológicos, mas estes não podem servir para impor novas formas de colonização econômica e cultural. Nisso, revisitado com olhos livres, o “selvagem tecnizado” de Oswald, bem como toda sua densa obra poética, romanesca, teatral e ensaística, continua muito vivo, tendo muito a dizer em meio à Babel contemporânea, em tupi, em português e até em iorubá.
NOTAS
[nota 1]. Carlos Jáuregui. Canibalia: canibalismo, calibanismo, antropofagia cultural y consumo en América Latina. Havana: Fondo Editorial Casa de las Américas, 2005.
[nota 2]. Gonzalo Aguilar. Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista. São Paulo: EdUSP, 2005.
[nota 3]. Caetano Veloso. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 247.
[nota 4]. João Cezar de Castro Rocha; Jorge Ruffinelli (Orgs.). Antropofagia hoje? Oswald de Andrade em cena. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 331-361.
[nota 5]. Jacques Derrida; Evando Nascimento. La solidarité des vivants et le pardon. Paris: Hermann, 2016.
[nota 6]. Ver Evando Nascimento. Uma leitura nos trópicos. In: Evando Nascimento; Maria Clara Castellões de Oliveira (Org.). Leitura e experiência. São Paulo: Annablume, 2008, p. 9-23.
* Evando Nascimento é escritor, pesquisador e professor (UFJF), autor de Cantos profanos