Os anos trabalhando com a árida escrita jurídica não tiraram do pernambucano Virgílio Campos a imaginação fantasiosa e a agilidade de estilo. Este advogado de 67 anos, formado pela UFPE, ex-professor da Faculdade de Direito e Procurador da Fazenda Nacional aposentado, trocou as petições e pareceres pelos imperadores romanos, legiões, generais e até mesmo Arthur e a Távola Redonda. E a estreia vem logo em dose dupla. Ele lança, agora localmente, os títulos: Memórias íntimas de Flávius Marcellus Aetius e O senhor dos dragões, pela Editora Bagaço, e conversou com o Pernambuco.
O Império Romano é uma das mais produtivas fontes de inspiração para escritores há séculos. As obras vão desde clássicos como Shakespeare com o seu Júlio Cesar, Marco Antônio e Cleópatra, a autores contemporâneos como Conn Iggulden e Bernard Cornwell. Isso para não lembrar das adaptações cinematográficas, a exemplo do famoso pornô cult de Tinto Brass, Calígula, ou a recente série Roma, para a TV paga HBO.
Mas não se vê normalmente Roma sendo explorada pelo sotaque pernambucano. Para completar o toque de inesperado desses lançamentos, as duas obras foram publicadas primeiro em inglês por uma editora britânica. Só anos depois foram traduzidas e editadas em português. Campos viveu durante um tempo na Inglaterra, que já foi a Britannia, uma das colônias do Império Romano. Lá aprofundou a sua pesquisa sobre o tema e lançou os livros pela Editora Athena Press Publishing Company com os títulos Intimate Memories of Flavius Marcellus Aetius e The Valkyries Take the Warriors to Valhalla. Com isso, os títulos ficaram à venda em livrarias internacionais, como a Amazon.Com, e chegaram aqui ao Recife como livro importado na Livraria Cultura, na seção de literatura em língua estrangeira. É, por si só, um fato tão inusitado quanto ter um simulacro do Império Romano no agreste pernambucano, como o Teatro de Nova Jerusalém.
Virgílio atribui o fato de ter publicado primeiro na Inglaterra ao mero acaso.
“Escrevi e publiquei muitos ensaios sobre Direito e outros assuntos ao longo da minha vida profissional, mas nunca escrevi ficção, apesar de gostar muito de literatura e história, paixões que surgiram na adolescência e me acompanham até hoje. Escrever ficção foi ideia que surgiu após minha aposentadoria, quando morei na Inglaterra”, diz o autor. Ele considera que foi contaminado pelo clima misterioso das ilhas e castelos ingleses na escolha do tema.
Mas, fugindo do óbvio, Virgílio Campos escolheu a Roma da decadência, das últimas décadas,para ambientar a sua trama narrativa. Foram cinco séculos de Império Romano, mas os nomes mais conhecidos, César, Otávio, Calígula e Nero, viveram apenas no período inicial de Roma. “Após Marco Aurélio, vem um longo período de decadência, sobre cujos personagens o público pouco ouviu falar. Esse desconhecimento, aliado à medíocre história produzida na época, abre espaço à ficção. O tumulto dos anos finais é especialmente propício”, justifica Campos.
Dessa forma, ele considera que retratar a desordem e agonia do Império é um campo fértil para a ficção. Entretanto, o pernambucano sentia falta desse período ser melhor explorado pela ficção histórica. Ele cita escritores dessa linha como Henrik Sienkiewicz, com o famoso Quo Vadis, e Robert Graves, com Eu, Claudius, que se passam no primeiro século. Quem abordou a Roma da decadência, como Marguerite Yourcenar, com Memórias de Adriano, e Gore Vidal, com Juliano, o fez mais na linha da história romanceada. Para ele, é fundamental que a realidade não seja distorcida a ponto de ameaçar a plausibilidade da história apresentada. “O fundamental no romance histórico é a harmonia entre o sonho e a realidade”, diz.
E para garantir a qualidade das informações históricas apresentadas nas duas obras, Virgílio Campos teve que se esforçar. Ele garante ter pesquisado extensivamente em bibliotecas, museus e pela internet, além de ter estado fisicamente nos locais do seu enredo. “Visitei quase todos os sítios históricos onde a ação se passa, embora pouco ou nada reste da maioria deles. Mas é útil ressaltar que a pesquisa feita pelo historiador é diferente daquela feita pelo romancista. O primeiro, pesquisa para servir à verdade; o segundo, para servir à imaginação”, filosofa. Para ele, a maior proeza do ficcionista histórico é fazer os leitores acreditarem que a ficção é real.
Apesar de ter colocado esses dois títulos na praça – e tanta informação na cabeça com as pesquisas – Virgílio Campos afirma não ter pretensões de lançar outros títulos. “Já ultrapassei o tempo das vaidades. Passar por toda essa enorme trabalheira novamente não está nos meus planos”, afirma. Dá para acreditar nesta história? Só o tempo dirá se o escritor está falando uma ficção ou realidade.
Renato Lima é jornalista.
O livro:
Memórias Íntimas de Flavius Marcellus Aetius
Editora Edições Bagaço
Páginas 269
Preço R$ 30