RodrigoSouzaLeao TomásRangel Divulgação

 

“Tomara que exista eternidade. Nos meus livros. Na minha música. Nas minhas telas. Tomara que exista outra vida. Esta foi pequena pra mim”. Assim escreveu o poeta Rodrigo de Souza Leão aos seus pais em sua despedida.

Contribuindo para que sua arte (especialmente sua poesia) ganhe vida entre nós, surge o livro Lowcura: Poesia reunida — lançado com edição cuidadosa de Vanderley Mendonça pela editora Demônio Negro. Ainda me lembro do tom de voz e do humor irônico de RSL, quando prometi a ele durante uma entrevista, em 2008, que o ajudaria a publicar sua poesia e que adaptaria Todos os cachorros são azuis para o teatro. Enfim, Rodrigo, sua literatura se desdobra e chega até seus leitores.

Rodrigo, após sua partida, em 2009, deixou como legado a sua poesia e a imensa capacidade de reunir amantes da poesia. Por isso, convidei a poeta Silvana Guimarães, amiga de RSL que acompanhou de perto seu processo de criação, e Jorge Lira, um dos responsáveis pela catalogação de seu acervo no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa, para serem interlocutores do “Digão” no Lowcura comigo. Também estão presentes na obra o escritor e pesquisador Ronaldo Bressane e do poeta Leonardo Gandolfi, que produziram textos inéditos sobre a produção poética de RSL.

Durante a epidemia de covid-19, aproveitei o isolamento para organizar a obras de Adalgisa Nery (1905-1980) e do RSL, cujas curadorias faço há mais de 10 anos. Quando terminei Adalgisa, iniciei o Rodrigo com a ajuda de Jorge Lira, que estava íntimo dos arquivos digitais do poeta. Jorge não cansa de defender o arquivo de RSL, pois se “constitui como campo privilegiado ao evidenciar suas múltiplas facetas (escritor, jornalista, músico e artista plástico) e possibilita vislumbrar a diversidade e fragmentação que caracterizam os ambientes da vida social na contemporaneidade, além de aportar para a cartografia de uma geração de escritores”. Visitamos um número sem fim de gavetas digitais. Por fim, optamos por reunir tudo que encontramos de poesia; o nosso arquivo final ultrapassou 600 páginas.

Rodrigo de Souza Leão escreveu compulsivamente, principalmente poesia. Um navegante cibernético, nos primórdios da internet, Rodrigo usou as redes como aliada para divulgar sua produção de poesia e formação da rede literária, tornando-se um pioneiro na relação da internet com a poesia. No calçadão virtual, Rodrigo publicou os primeiros e-books de poesia e exerceu seu jornalismo literário, divulgando poetas e suas produções, entrevistando centenas de escritores. Aliás, suas entrevistas foram reunidas recentemente no livro Do Balacobaco (Numa Editora), mas essa é outra conversa.

Em seguida, após a primeira reunião dos versos, resolvi convidar Silvana Guimarães, que além de poeta é editora. Após a leitura, ela sugeriu uma poesia reunida e não completa. Mantivemos os livros selecionados, alguns inéditos, e os poemas dos blogs, para enfim escolhermos o que considerávamos mais relevante na produção poética de RSL. Difícil tarefa, retirar poemas, mas chegamos ao panorama revelador da obra de RSL.

Por fim, a reunião de sua poesia, o Lowcura, contemplou poemas publicados em vinte livros (alguns, inéditos, como Brincar de viver, Sabotador de infinitos, Dias de Leão, 1965 & outros poemas, e doze e-books publicados entre os anos 2000 e 2007); no CD Krâneo e seu neurôneo, lançado em 2007, mixado pelo poeta Tavinho Paes e musicado por Gizza Negri; poemas assinados por Romina Conti (pseudônimo do autor no coletivo Escritoras Suicidas) e publicações feitas em seu blog, Lowcura — que intitula o livro —, onde publicou cerca de 500 poemas, entre 2006 e 2009.

Em sua última publicação no blog, temos um poema que sintetiza beleza do olhar do RSL para vida, reconhecendo sua efemeridade, sobretudo a força da arte: “TUDO É PEQUENO/ A fama/ A lama/ O lince hipnotizando a iguana// O que é grande/ É a arte/ Há vida em Marte”.

Como define Silvana, a poesia de Rodrigo de Souza Leão é composta por “Versos abarrotados de enigmas — que ele sugere ou revela —, jogos de palavras, neologismos, realismo, fantasia, o fascínio pelas cores, a indignação com a realidade social. Há uma predominância pelo dilema da loucura, que ele enfrenta com ironia, bom humor, crítica. Como se vivesse em uma corda bamba, entre o sentido e a razão”.

QUÍMICA CEREBRAL
Bom dia Lexotan
Bom dia Prozac
Bom dia Diazepam
Bom dia coquetel
Bom dia Amplictil
Bom dia Fenergan
Bom dia sossega-leão
Bom dia eletrochoque
Bom dia Piportil
Bom dia Lorax
Bom dia Lithium
Bom dia Haldol

Boa noite Rodrigo

O poeta, e sua poesia acima de qualquer doença, cria a sua própria linguagem (TODOG LUTZ, RODRIGO!), trazendo para seus versos: as medicações, as internações e o sofrimento psíquico, sem perder a capacidade de rir de si mesmo. Uma voz única na literatura brasileira, sem dúvida, capaz de nos fazer enxergar a vida por ângulos múltiplos.

Visualizo em Rodrigo, desde a primeira leitura encantada de Todos os cachorros são azuis, a mesma matéria-prima que se encontra em Stella do Patrocínio, Maura Lopes Cançado, Lima Barreto, José Agrippino de Paula, Samuel Beckett, Antonin Artaud — autores que trouxeram para a literatura um olhar criativo, estético e crítico para a questão da loucura.

Faço minhas as palavras de Gandolfi, estampadas na quarta capa da seleta de poemas:

“Esta reunião dos poemas de Rodrigo de Souza Leão é um presente para a literatura brasileira. As páginas que aqui se seguem mostram a grande saúde que é a obra do Rodrigo. Poesia que corre, tropeça, cai, se levanta e continua. Poesia de uma vitalidade única. Afinal, lutar contra moinhos é trabalho de heróis. E Rodrigo é o nosso herói predileto. Estrela que, por onde passou, abriu caminhos, para ele e para todos nós. Um dia, lá no futuro, a poesia dele vai ser lida nas escolas, e então os jovens — dos 9 aos 99 anos — todos vão saber estes poemas de cor. E isso vai ser uma alegria sem igual.”

A poesia abriu os caminhos literários de Rodrigo de Souza Leão, agora são seus poemas que ampliam nossos horizontes. “Evoé e voe”, Rodrigo!

SFbBox by casino froutakia