A crítica já consagrou Enrique Vila-Matas como um dos principais nomes da literatura contemporânea, assim como bem definiu as pulsões de seus livros: a de desaparecer, a de negar-se, a de mergulhar a literatura dentro de si mesma, deixando sempre nesse percurso ironias sutis e melancólicas – até porque, de certa forma, toda ironia deveria ser uma constatação melancólica. Como uma boa parte dos grandes escritores, suas obras parecem fazer parte de um universo único, habitado pelos personagens e tipos que aparecem com recorrência nas suas narrativas e pelo tom leve do seu também já tão falado modo ensaístico de escrever ficção.
Vila-Matas reproduz e reconstrói com maestria suas motivações literárias em cada um de seus livros - assim, qualquer escolha para se iniciar em sua obra é uma espécie de acerto singular. O mal de Montano, de 2002, é uma das representações mais fortes da própria condição do autor catalão, um doente de literatura como os personagens citados, contaminados por livros e escritores a ponto de esquecerem tudo mais e perderem o sono e a sanidade preocupando-se com o seu fim.
Esse mal-estar literário, um condição do texto de Vila-Matas, é notado ainda mais em Bartleby e companhia, de 2001, talvez a melhor porta de entrada para sua obra. Como se fosse incapaz de conceber personagens que não vivam em torno e dentro da literatura, ele nos apresenta um escritor, há 25 anos sem publicar nada, disposto a fazer um diário para colecionar história de autores bartlebys. O adjetivo, tirado de uma obra de Herman Melville, serve para descrever os pessoas tomadas de forma arrebatadora por uma pulsão negativa, a de se negar a fazer qualquer coisa, a de abster-se do mundo – no caso, recusando-se a voltar a publicar ou escrever.
Nesse trajeto, parte ensaístico e parte ficcional, ele traz à cena alguns de seus recorrentes personagens. Robert Walser, Franz Kafka e Paul Valéry servem às passagens do autor catalão em diversos momentos do livro e de suas demais obras. Em Juan Rulfo, ele encontra uma das desculpas que mais o impressionaram para o silêncio. Quando perguntado o motivo de tal escolha, o autor dizia: “É que morreu meu tio Celerino, que era quem me contava as histórias”.
Em meio a passagens completamente anetódicas, Vila-Matas vai descifrando a angústia e psicologia dos autores. Um dos belos momentos é quando ele fala de Juan Ramón Jiménez. Prêmio Nobel, ele decidu, depois da morte de sua mulher, Zenobia, nunca mais criar nenhuma obra. Segundo o catalão, é um silêncio que quer provar que só fazia sentido escrever com ela viva, e a frase de Juan Ramón é uma síntese do livro: “Minha melhor obra é o arrependimento por minha obra”.
Buscando a motivação do não escrever, o catalão termina por esboçar a descrição do fio que mantém a literatura contemporânea viva, fazendo uma das melhores representações de sua própria contaminação sufocante pelos livros. Em Bartleby e companhia, Vila-Matas dá a entender que narra para escapar – talvez inutilmente - de uma armadilha que cria em seus ensaios ficcionais, transformando escritores como Walser e Kafka em personagens quase pitorescos. Expõe isso a partir de uma frase cortante e definitiva do argentino Rodolfo Fogwill: “Escrevo para não ser escrito”.
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