Quem folheia ou folheou uma enciclopédia sabe ou sabia que está ou estava diante da História da Eternidade. Aí se debatem gerações desde o Gênese até o último suspiro do homezinho da esquina, indo ao passado mais remoto ou investindo no futuro incerto — como é da natureza de todo futuro. Por isso, a sensação de quem escreve ou escrevia para estes livros era de que estava entrando no pantanoso terreno do eterno, tornando-se uma espécie de Matusalém, mesmo depois do surgimento do Google. Pelo menos foi assim comigo quando aceitei o convite do editor e amigo Paulo Verano, para escrever na Enciclopédia Barsa. Era um tempo em que, embora o Google já existisse, a palavra e o papel ainda travavam luta em preto e branco na luta pela sobrevivência.
Escrevi o meu primeiro artigo quase que inteiramente de memória, mesmo precisando recorrer, uma vez ou outra ao Google. Uma coisa engraçada porque era justamente o Google que estava sucedendo e derrotando as enciclopédias, tão veementemente elogiadas e consultadas anos a fio, com a imodéstia sanha da eternidade. Não podia ser considerada uma pessoa razoavelmente bem informada, um pouco mais do analfabetismo, quem não tivesse uma enciclopédia em casa. Eram tantas e muitas. Mas a enciclopédia que marcou a minha adolescência — de muitos e de muitos brasileiros e, creio, de muitos e muitos estrangeiros — e que fez inveja a muita gente foi O tesouro da juventude, espécie de carta de alforria da educação de meninos e meninas que entravam no ginásio. Quem possuía o Tesouro era uma espécie de sábio, mesmo que não tivesse lido ainda uma única palavra e posava de superior, pronto para tirar as melhores notas nas provas do colégio.
Escrevo tudo isso porque revivi estas questões no instante exato em que li o convite da Barsa. Naquele instante eu estava recebendo o atestado de sábio e me tornava mais do que um jornalista, mais do que jornalista e escritor, muito mais do que tudo isso, um zumbi das letras. Uma espécie de prêmio do eterno. Cabia-me o título de Conselheiro dos conselheiros.
Vivi, durante muito tempo, a frustração de não ter em minha estante — os jovens também tinham estantes e livros, muitos livros — um Tesouro da juventude e, portanto, não era, nem feiticeiro nem eterno. Cabia-me, unicamente, a inveja. Não passava de um simples mortal e, menos ainda, de um sertanejo que descortinava, com muito sacrifício, as colinas do saber no pomposo Colégio Salesiano do Sagrado Coração, na rua Dom Bosco, bem no centro do bairro da Boa Vista.
Daí por que escrever para um Enciclopédia era uma espécie de realização absoluta, e uma mesquinha vingança do passado, sem esquecer a plenitude do voo para a eternidade. As academias tornam eternos os escritores, mas as enciclopédias tornam ainda mais, mesmo não sendo o Tesouro da juventude.
E é por isso que estou aqui inscrevendo o meu nome — junto com a Barsa— no livrinho do Eterno. Esse eterno que parece que apenas as palavras conseguem, de fato, alcançar.