Bom dia, senhor. Permite que eu o acompanhe nesse passeio? Um ser humano a dar passeios é realmente uma coisa linda, não? Obra de arte. Você vê o laguinho cintilante logo ali? É como uma pintura que já contemplei. Um sonho incompreensível. Noto que há eco aqui, não? O eco engana, senhor. Não receio o silêncio. É um uivo sem ruído. Ah, o senhor também? Nos entendemos. Você quase fecha aos olhos ao falar. Permite uma historiazinha de nada? Coisa besta mesmo? Não sou de falar muito, apenas ando. Ando muito. Durmo ali perto, por trás das campinas, no sanatório, me perguntam sobre livros, mas nada sei sobre isso. Agora mesmo passamos perto da estalagem daquele senhor que lê livros e tem pensamentos elevados. Vamos passar longe. Que tal por aqui? Siga-me, por favor. Estou aqui apenas para andar. Para andar e ser louco, se me permite também essa palavra. Você teria papel e lápis? Me serviriam de algo depois. Talvez um mapa. Isso, coloco essas coisas aqui no meu bolso. Gosta do casaco cinza? Minha letra tão miúda. Eu poderia escrever sobre tudo e mesmo assim tudo caberia aqui no bolso. Não, não escrevo. Foi só uma brincadeira. Vai nevar mais tarde, não? Vejo que o senhor, como eu, não gosta de falar. Só falo assim porque estou louco. Se não o fosse não o faria. Bonito caminho este, não lhe parece? Este riachinho, a folhagem tão tranquila. Não, não desista, por favor. A neve está chegando. Inquietante. Não me pertenço. E o senhor? Também escrevia? Ah, sim. Todos estes autores. Nunca ouvi falar. E agora? Um taxidermista, entendo.
Estranho e fascinante espelho da vida. Sinto-me como um rapazinho tonto quando vejo esses animais empalhados. Vamos reto? Uma pessoa se cansa muito mais quando caminha sem rumo fixo, sem uma meta. Vamos por ali, agora, é um passeio agradável, ao largo de jardins e casas. Vejo que o senhor está acostumado a andar. Decerto também não gosta dos automóveis. Sem licença? Alguma vez você causou desilusão em alguém, senhor? Amou e deixou de amar? Amar é uma meta incrível, não é? Uma vez me apaixonei por uma mulher que escreveu um livro. Nosso casamento acabou porque nunca li aquele livro, acredita? Alguém poderia amar nessas casinhas. Veja aquele garotinho. Começa a nevar e ele tem um abrigo, veja, já está entrando em casa. Vamos mudar o nosso rumo porque a neve começa a se acumular. Senhor, já fui balconista de livraria, secretário de advogado, bancário e operário em uma fábrica de máquinas de costura, além de mordomo. Provei de todas, mas me farto facilmente. Escapo sempre em segredo. Só não fui mágico. Me agradaria ser prestidigitador. Um prestidigitador sem talento, sem truques. Gostei de ser mordomo, posição pequena e secundária. Mas agora só quero passear. Veja, por aqui agora. Nasci na propriedade e na eficiência, senhor, em esferas nas quais o senso prático e a ponderação se contam entre os valores supremos. O sanatório não está longe, senhor. Veja como a neve se acumula. Me lembra a folha de papel que me olhava agora há pouco no sanatório. Você já passou por uma dessas? Nossas pegadinhas são tão minúsculas, não? O cinza sempre foi minha cor preferida, sabia? Olha, névoa ali na frente.
Muitas vezes saio só para atravessar a névoa durante a caminhada. Não, não estamos perdidos, se o senhor quer saber. Desculpe o soluço, Vamos reto ainda? É que esse bosque parece se estender por toda a vida, não? Se os homens não combatessem o seu crescimento o verde cobriria tudo. Se estou cansado? Sim, senhor. O senhor também, posso ver. Está ofegante, pelo que posso ver. Pelo que posso ouvir, na verdade. Pois a minha vista não mais te alcança. Senhor, faço agora a minha despedida. Dou o meu adeus ao bosque com os meus melhores desejos. Me alegra que seja tão grande, tão forte e poderoso. Vou ficando por aqui. Que espécie de animal você prefere empalhar? Hã? Quem você pretende enganar? Abandono essa corrida, senhor. Aqui se aprende muito pouco. Quando criança, senhor, pensei sempre encontrar as palavras certas, agora não as encontro mais. Foi por isso que tive que sair pelo mundo e ir a Paris, a Londres, a Roma, a Praga e a Istambul. Agora estou tão mudo, senhor. Para isso estudei minhas ciências e adquiri o conhecimento, para agora não saber mais aonde ir e como ter com as pessoas e trocar duas palavras com elas. Por um instante tive a sensação de que, nas épocas que fiz de tudo para me libertar, não me libertei e não me tornei independente, pelo contrário, mutilei-me, senhor, da maneira mais deprimente. É repulsivo, disse eu. E tornei a dizer. E por favor, só peço uma coisa: esqueça para sempre desse passeio. Obrigado. Eu parto, finalmente.
*O autor criou essa ficção especialmente para essa edição