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Poucas obras ficcionais em língua portuguesa encerram de maneira tão verticalizante as contradições e a violência do seu tempo como os romances e os contos escritos por Hermilo Borba Filho (1917-1976) entre os anos 1950 e 1970. Neles, encontramos um autor que transige com os seus inúmeros narradores, fazendo da sua obra uma espécie de autobiografia ficcionalizada. Ao transigir com os seus narradores, Hermilo não poupa do seu olhar de lince as suas próprias contradições políticas, religiosas, afetivas e sexuais; por extensão, as contradições dos homens e do conjunto das ideias e dos comportamentos que definiram a sua contemporaneidade. Entre a violência e o afeto, as certezas ideológicas e as crises religiosas, o sexo homossexual e o amor das mulheres, o cosmopolitismo e o provincianismo, sua obra não é apenas um mergulho radical sobre o seu tempo, mas também matéria fabulatória que explica a violência, a intolerância e a ressurgência das ideias reacionárias que povoam o nosso tempo.
Anco Márcio Tenório Vieira, professor do departamento de letras da UFPE e pesquisador.

Um grande autor brasileiro que deve ser lembrado e traduzido para muitas línguas é Cornélio Pena, autor de A menina morta, publicado em 1930. Trata-se de um alentado romance de mais de 500 páginas que narra a história de uma menina, filha de família do período áureo do café no Brasil. Cornélio é um estilista minucioso a mover palavras, cenas e personagens com incrível habilidade. Está justamente na linguagem a sua principal característica, embora a estrutura narrativa seja tradicional. O fino tecido narrativo de Cornélio Pena pede, por isso mesmo, leitores cuidadosos e inteligentes, que não se contentam apenas com enredos mirabolantes.
Raimundo Carrero, escritor.

Uma das alegrias literárias que tive foi a de ter conhecido Moreira Campos (1914-1994). Encontrei-o na casa da artista plástica Badida, sua filha, levado por um amigo, o pintor Leonardo Duch. Eu havia lido anos antes um de seus contos, da antologia Maravilhas do Conto Brasileiro, livro de uma coleção editada pela Cultrix, nos anos 50. Desde então, fui tocado pela excelência da escrita do autor de As vozes do morto. Tanto que, uma de suas narrativas, As corujas, serviu-me de inspiração para escrever um de meus poemas (*). Curiosamente, o mesmo conto deu origem a um curta do cineasta Fred Benevides (https://www.youtube.com/watch?v=wAnEyUy-Hu4), que me foi apresentado pelo crítico e poeta Manoel Ricardo de Lima. Manoel, Fred e eu fazemos parte dos admiradores de Moreira Campos, cuja obra, infelizmente, pouca gente conhece.
Everardo Norões, escritor.

Elisa Lispector (Ucrânia, 1911 – Brasil, 1989) chegou ao Brasil com a família em 1922, fugindo da perseguição aos judeus e da miséria deixada pela Primeira Grande Guerra. Parte de sua produção, como os romances Além da fronteira (1945) e No exílio (1948), aborda esse não lugar do imigrante. Aqui, confundem-se, sempre privilegiando a investigação psicológica dos personagens, a necessidade de adaptação a terras estranhas e o esforço pelo não apagamento das origens. Infelizmente, com exceção de Retratos antigos, livro póstumo organizado por Nádia Gotlib, a obra de Elisa Lispector só é encontrada em sebos. Mesmo tendo sido uma autora premiada e bem-recebida pela crítica, parece, ainda hoje, só haver espaço para Clarice, a filha mais ilustre dos Lispector. Sem a reedição de seus sete romances e três livros de contos, perdemos não só uma parte da literatura judaico-brasileira, mas a presença de uma voz narrativa enredada pela solidão e pela passagem do tempo.
Giovanna Dealtry, pesquisadora

A crítica literária brasileira permite, com frequência demais, que bons escritores desapareçam por entre os furos nas malhas da armadilha das “linhas de força” e das “escolas literárias”. Hegemonias que são escolhas, muitas vezes ideológicas, decidindo quem será ouvido, ou silenciado. Na Modo de Usar & Co., discuti autores como Henriqueta Lisboa, Patrícia Galvão, Paulo Colina, ou minha Cesárea Tinajero pessoal: Hilda Machado. Mas, para esta série, gostaria de falar sobre Adão Ventura. Nascido em Minas Gerais, em 1946, o poeta tem uma obra compacta, mas extremamente versátil em suas escolhas formais, da exuberância imagética em um livro como Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul (1970) a algo que eu chamaria não de concisão – como foi moda, que no entanto apagou os nomes de alguns de nossos melhores minimalistas –, mas de incisão, em livros como A cor da pele (1981) e Litanias de cão (2002). A obra de Adão Ventura é um momento de equilíbrio, em que consciência política na escrita não significa descuido formal.
Ricardo Domeneck, escritor.

Um autor que merece ser reavaliado é Otávio de Faria, hoje completamente démodé. Católico conservador, foi na juventude próximo do fascismo, do qual se afastou com o correr dos anos. Num autor assim reacionário, a obra surpreende pela crítica demolidora da burguesia. O.F. é autor praticamente de uma única obra de ficção, Tragédia burguesa, que abrange 15 volumes escritos entre 1935 a 1979. São romances densos, intimistas, melodramáticos. Alguns são muito bons, outros menos. Seus personagens incluem padres em crise, adúlteras, suicidas, loucos, solteironas, adolescentes revoltados, assassinos, pederastas. E Deus. E o diabo. Uma frase terrível resume tudo: “A única saída para a burguesia é o suicídio, mas este é um pecado mortal”. Um Nelson Rodrigues sem o barroquismo e o humor, Otávio escreve estranho, sem descrições de personagens e ambientes, apenas ação e reflexão, poucos diálogos. Não há nada parecido na literatura nacional. Chegou a hora de lê-lo sem preconceitos.
João Carlos Rodrigues, jornalista e pesquisador. Autor de João do Rio: vida, paixão e obra e O negro brasileiro e o cinema.

Antonio Callado (Niterói, 1917 – Rio de Janeiro, 1997) me disse certa vez, em entrevista, que um escritor podia inventar tudo, menos uma revolução que nunca aconteceu. A frase me parece definir sua produção literária, um extenso e brilhante conjunto de romances que têm como centro a angústia de personagens que lutam em todas as frentes – contra a opressão política, econômica, social – e fracassam. Livros como Quarup (1967), Bar Don Juan (1971), Reflexos do baile (1976) e A expedição Montaigne (1982), por exemplo, falam dessa frustração diante de forças reacionárias que se reorganizam rapidamente após cada ataque. Mas falam também da necessidade de se continuar lutando, e do valor das pessoas que acreditam nessa luta. Os romances de Callado estiveram esgotados por muito tempo, e voltam agora, com um novo projeto gráfico, pela José Olympio. O problema é que, nesse intervalo, o autor meio que desapareceu das salas de aulas, dos projetos de tese, dos artigos, das vistas do leitor especializado. Um erro – como se vê pelos últimos acontecimentos no país, ele permanece absolutamente atual.
Regina Dalcastagnè, pesquisadora.

É cada vez mais urgente repensarmos aquele momento sombrio da virada entre os anos 1970 e 1980 no Brasil. Assim, edições mais competentes da obra de Márcia Denser se fazem essenciais. Junto com Caio Fernando Abreu, Márcia decifrou/perfilou aquela manada de jovens que não sabia o que fazer, como cuspir e seguir em frente após duas décadas de ditadura. Sua personagem célebre, a tigresa Diana Marini, é uma urbanoide cínica e perdida numa São Paulo que se reconhece e se orgulha - às vezes até em excesso - de ser o centro da modernidade bêbada e periférica do país. La Denser - e todos nós - estamos esperando!
Schneider Carpeggiani, editor do Pernambuco.

Durante mais de meio século, entre 1940 e 1990, Tomás Seixas, foi um dos mais atuantes escritores pernambucanos. Poeta, jornalista, ficcionista, crítico, publicou crônicas no Jornal do Commercio e em outros importantes jornais brasileiros.. Sua obra, esgotada, lembrada por amigos ou colecionadores de belos textos, só pode ser encontrada em bibliotecas particulares. Entretanto, a Biblioteca Estadual de Pernambuco possui três de seus livros: Adeus à adolescência (16 crônicas, edição do Diário da Manhã, Recife, 1941, 84 páginas); Sonata a Lilian ou As sombras no espelho, longo poema com prefácio de Cesar Leal e ilustração de Francisco Brennand (42 páginas, edição do Governo do Estado, 1984); Casa dos sonâmbulos, critica, notas de leitura, e memórias pessoais (180 páginas, edição da Fundarpe,1990.
Luzilá Gonçalves, escritora e pesquisadora.

(*) As corujas: Elas penetram/pelas claraboias:/anunciam a noite./Bicam os olhos dos mortos/e de todos os vivos:/os enforcados/de Villon./Elas projetam suas asas/à revelia dos equinócios:/são sempre curtos os lençóis/para ocultarem nosso fado./Elas violam/as vigias da casa/e anunciam a tempestade/Chegam pela véspera da luz,/sob abóbadas entristecidas./Planam/sobre nossas cabeças./Bicam, bicam.../Depois se vão.

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