Comigo é simples: dedico todos os livros que escrevo para minha mulher, Marilena, meus filhos e meus netos. Sei que eles nunca vão me abandonar. Dedicatórias deviam ser livres de arrependimento. Você pensa naquela pessoa, a agradece por tudo o que passou, projeta um futuro e pronto: é para sempre. Devia ser para sempre. É claro que, como tudo na vida, há riscos no caminho. Viver é encruzilhada. Sei disso, porém, neles confio. Mas nem sempre a gente pode confiar. Nem toda dedicatória é feita para ser perene, como uma tatuagem, um escrito da pele. Há aquelas que são de um minuto, de uma tarde ou noite de autógrafos. Essas aí são uma espécie de ficção antecipando a própria ficção. A gente cria um elo com um desconhecido, tal qual criamos o personagem para caber no enredo do romance.

Conheço pessoas que não se importam com o livro, só com a dedicatória. São leitores de um jeito todo particular. Esses leitores não querem ler a história, saber o destino dos personagens, nada disso. O importante é ter o nome ao lado de “um abraço”, “um beijo” ou, melhor (muito melhor), num texto mais longo forjando algum tipo de relação. Ainda falam tanto dessa história de morte do autor, mas ele tem de estar vivo, vivíssimo, na hora de dedicar. Queria muito saber o que Roland Barthes diria disso...

Tarde ou noite de lançamento é hora de encontrar os leitores de dedicatórias. Eles chegam como quem não quer nada, carregam um copo de vinho de forma inocente, andam de lá para cá, dão goles, reviram os olhos e, impacientes, olham o relógio. Alguns até conversam. Mas tudo é encenação. Eles sabem o que querem e farão de tudo para conseguir. Até que a última caneta seque, irão tirar o máximo daquilo que deveria ser simples - um autógrafo. Mas não é tão simples assim. Cada pessoa que se aproxima quer um autógrafo insólito, um beijo e um abraço nunca são suficientes. E o escritor, que já teve de criar assunto para escrever um livro inteiro, tem de esticar conversa e, pior, encontrar algum motivo para que a pessoa se sinta “dona” (para não dizer personagem) do livro que está comprando. Os leitores de dedicatória são quase uma confraria secreta, que faz girar o negócio do livro.

Alguns deles chegam a ditar o que querem ver escrito em seus livros: “Lembre a nossa amizade de muito tempo”, pedem uns; “Não esqueça que lhe ajudei”, implora outro, lançando mão da ficção que é a memória; “Fui seu primeiro leitor”, se orgulham alguns, mesmo sabendo que é pura invenção; tem sempre alguém ditando que “Minha mãe lhe adorava”; há quem remeta ainda a paixões imemoráveis: “minha irmã foi sua primeira namorada”, quando ela foi só um das meninas do bairro que nunca negaram um escurinho. E o escritor já não sabe mais o que fazer com tanta demanda... A ficção continua na noite de autógrafos, embora o miolo do livro seja bem mais interessante. Para não passar vexame, resolvi simplificar – homens, um abraço, e para mulheres, um beijo. “Assim, simples demais?” – perguntam alguns, incomodados. “É, não compromete ninguém”, respondo. “Você tem medo de escrever dedicatórias longas?”. “Não, é só precaução”. Ainda assim, há quem insista: “Só saio daqui quando tiver um autógrafo pessoal”.

Mas nem todos os leitores de dedicatórias são fiéis. Há aqueles que vendem o livro no sebo, tão logo dobram a primeira esquina. Os exemplos são muitos. Num desses lançamentos, autografei um livro para o jornalista Marcus Prado e, logo depois, o encontrei entre os exemplares velhos e usados de uma livraria do centro. Tão abandonado, o coitado do livro. Comprei-o. Ao encontrar Marcus no Diario de Pernambuco, onde trabalhávamos, pedi quinhentos cruzeiros emprestados. Quando já estava com o dinheiro em mãos, disse-lhe que não era um empréstimo, mas o pagamento do livro que ele vendeu com o meu precioso autógrafo.