O romance sempre me pareceu um território vasto, onde se trava uma incessante luta das paixões humanas, sendo o coração o campo de batalha. Não importa se é sob a influência de Dostoiévski ou de Kafka, ou de Flaubert, de Cervantes ou de Hemingway, de Tolstói, ferido pela voz de Pedro, O grande, ou pela maravilhosa insanidade de Dom Quixote, ou pelo riso severo, sempre severo, de Pirandello.

 

Aí estão todas as loucuras e toda a terrível inquietação do ser. Sempre quis mergulhar neste mundo infinito. Desde menino, desde que meus olhos bateram na magia das palavras escritas, senti, assim, uma atração irresistível pelo romance. Sem contar com o mundo que se mostrava a minha volta, povoado de miseráveis e de bêbados, por pessoas destruídas pela fome e pela desgraça ainda muito cedo. Nesse sentido, parecia que em mim se realizou aquilo que Marguerite Duras escreveu em O amante, “muito cedo, a vida ficou tarde demais para mim”.

 

Poderia ter escolhido o teatro, pois as minhas primeiras leituras foram não só de autores clássicos, Ibsen e Bernard Shaw, por exemplo, mas também de autores extremamente medíocres, sobretudo do teatro brasileiro do começo do século 20, Juracy, Paulo e Raymundo Magalhães, influenciados pelo teatro dramático português ou pelo vaudevillefrancês de qualidade sempre duvidosa.

 

Ao lado deles havia os romances de Graciliano Ramos, Zé Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Erico Verissimo, sem falar das pobres traduções das décadas de 1940 e 1950. Mas os contos eram poucos, bem poucos. Talvez uma ou outra Enciclopédia. E imagino que isso foi fundamental para a escolha do romance. Sempre o romance ou a novela.

 

É claro que o romance me oferece toda a vastidão das complexas relações humanas através dos personagens em constante quedas e glórias, passando pelas imensas reflexões que levam o homem ao abismo e ao Paraíso. Claro que assim poderia ser também com o conto, mas prefiro sempre a aguda profundeza do romance, com idas e vindas, com o louco desespero, o prazer e a festa da condição humana.

 

Devo dizer, ainda, que não concordo com aqueles que enxergam no conto a difícil tarefa de ver no conto um espaço muito curto, que acentua e angustia o trabalho do escritor. Trata-se de pura ingenuidade. Em todo papel em branco está a miséria e também a força da criação.

 

Mesmo assim, o conto nunca foi um gênero da minha preferência. Apesar de As sombrias ruínas da alma, com que ganhei o premio Jabuti-2000. São contos que escrevi ao longo da minha vida literária, desde a publicação do meu primeiro romance, A história de Bernarda Soledade(1975), criados, por assim dizer, como exercícios de criação de personagens e de histórias. O mercado não parece absorver os contos com grande facilidade, ouço que os editores preferem os romances ou as novelas, ainda que sejam curtas. Escrevo-os, quase sempre, para atender a solicitações feitas por jornais e por revistas, sempre com o maior empenho e dedicação, mais um artesão do que um narrador, pura e simplesmente. Convencido de que ali preciso ajustar as contas com meu destino de escritor.