“Que seios maravilhosos você tem! Parecem dois revólveres apontando para mim” (Trecho de A volúpia do pecado, de Cassandra Rios)
“—Tire! Dispa-se! — gritou, umedecendo os lábios como um tarado. Fiquei apenas de calcinha e soutien. Meus olhos estavam cobertos de lágrimas, que me escorriam pelas faces e gotejavam sobre meus seios.
—Tudo! Tudo! Tudo! Eu disse tudo! Não me ouviu?
O homem parecia estar atacado de alguma forma de insânia. Estava totalmente fora de si. No seu olhar havia uma expressão de loucura, quando começou a aproximar-se lentamente de mim. (...) Alcançou-me e puxou-me violentamente, arrastando-me até o quarto, onde atirou-me violentamente sobre a cama” (Trecho de Eu e o governador, de Adelaide Carraro)
“(Karl) Marx teria gostadodos livros de… Adelaide Carraro!”. É com essa afirmação, enfática e explícita, adjetivos que não por acaso definiriam de forma tão contundente uma cena pornográfica, que o professor e ensaísta Izidoro Blikstein inicia o prefácio do livro A literatura da cultura de massa, de Waldenyr Caldas. O trabalho, publicado em 1987, direcionou um olhar até então pouco exercitado sobre a obra de duas escritoras que se tornaram ícones da literatura comercial nacional — ao mesmo passo que foram perseguindo e driblando o rótulo de “marginais”. Moldadas por essa e outras contradições discursivas e estéticas, Adelaide Carraro e Cassandra Rios entraram pela porta dos fundos da nossa história literária para firmar projetos que encontrariam respaldo quase que unicamente na cama dos seus leitores.
Há 10 e 20 anos, respectivamente, faleciam Cassandra e Adelaide, consideradas as duas maiores pornógrafas brasileiras. Este texto, no entanto, não surge motivado apenas pelas efemérides, mas também pela importância de lembrar e discutir suas obras num momento em que o novo fetiche da indústria literária parece reafirmar, mesmo com boas doses de moralismo, os versos libertários que Rita Lee já cantava em 1987: “está na moda dizer que dói, mas é gostoso”. O best-seller50 tons de cinza, da britânica E. L. James, nasceu como fanfictionda virginal saga teenCrepúsculoe se desdobrou em uma trilogia erótica de sucesso, equilibrada entre um romance açucarado e sessões de sadomasoquismo. Pura pornografia emocional: uma espécie de conto de fadas com tapas e chicotadas.
A história é centrada na relação entre Anastacia Steele, uma jovem de 22 anos, sonhadora, romântica e virgem e o jovem magnata Christian Grey, bilionário, sedutor e descrito como “epítome da beleza masculina”. A polarização na descrição das personagens de alguma forma anuncia a relação entre dominador/dominado dentro do jogo sem regras que é o sexo e também anuncia em suas entrelinhas o machismo velado presente na troca unilateral entre a donzela confusa e o macho provedor. O que sobra são as descrições minuciosas das sessões de sadomasoquismo, fetiche de Christian que Anastacia estranha a princípio, mas depois descobre gostar, e o jogo de dependência emocional digno, em estilo e densidade, das coleções Julia, Sabrinaou Bianca— aqueles romances levemente apimentados e feitos sob medida para tirar gotas de suor a mais de jovens sonhadoras e senhoras distintas. A série 50 tons de cinzaganhou o rótulo de “pornô para mamães” e ultrapassou a marca de 40 milhões de exemplares vendidos. No Brasil, os livros da trilogia saem pela Intrínseca, editora cujo faturamento aumentou em 140% desde a publicação da franquia.
Estamos falando aqui de uma literatura erótica/pornográfica de voz feminina que, apesar de existir desde a poesia de Safo, na Grécia do século 7 a.C., tardou a ganhar destaque — estético e comercial — na ficção. Somente na metade do século 20, através de Pauline Réage (pseudônimo da francesa Anne Desclos, que escreveu A história de O, de 1954) e da também francesa Anaïs Nin (O delta de Vênus, escrito no fim dos anos 1940, mas só publicado em 1978) que se veriam histórias essencialmente eróticas, narradas do ponto de vista feminino, expandir fronteiras e conquistar grande número de leitores.
No Brasil, Cassandra Rios lançou seu primeiro romance, A volúpia do pecado, em 1948, enquanto Adelaide Carraro surgiria com Eu e o governador, em 1963. Suas obras atravessaram a ditadura militar sofrendo censuras — Cassandra principalmente, com quase 40 títulos vetados — e se estabeleceram não pela qualidade dos seus textos — fator realmente questionável — mas pela aceitação do público, em fenômeno semelhante, em dadas proporções, ao que acontece hoje com 50 tons de cinza. Cassandra chegou a vender mais de 300 mil livros por ano, recorde que só seria quebrado muitos anos depois por Paulo Coelho. Porém, antes de adentrar os universos da dupla, cabe uma pequena discussão sobre a fronteira relativa que separa o erótico do pornográfico, dicotomia que vai nos fazer compreender melhor as formas como o sexo se apresenta na literatura de Adelaide e Cassandra.
Existe uma definição que ensina o seguinte: o erotismo estaria impresso na sugestão, no campo do velado, enquanto a pornografia seria a representação deslavada, na qual se mostra tudo. O escritor francês Alain Robbe-Grilet foi mais crítico quando defendeu que “pornografia é o erotismo dos outros”. Neste sentido, a pornografia estaria para o erotismo assim como a “perversão” estaria para a sexualidade dita “sadia”, limpa.
Para Alfredo Cordiviola, professor titular do departamento de Literatura da Universidade Federal de Pernambuco, a única possibilidade de diferenciar o erotismo da pornografia depende do lugar de enunciação de quem pretende definir essa fronteira, não da obra em si. “Não me parece que tenha a ver com bom ou mau gosto (tipo ‘o erotismo seria sutil porque apenas sugere enquanto a pornografia seria grosseira porque mostra tudo’). Concordo em parte com Robbe-Grillet no sentido de que não há nada intrínseco nas obras que definam sua condição, mas não na ideia de que pornografia seria algo negativo (‘é o que os outros fazem’). Já faz tempo que se reivindica a pornografia a partir de muitos pontos de vista, desfazendo a velha associação entre indústria e exploração sexual que sempre foi muito reducionista e construída por uma visão ultraconservadora sobre a imagem, o prazer e os cuidados de si. Essa divisão é antes uma questão política”, avalia.
Eróticas ou pornográficas, o fato é que Adelaide Carraro e Cassandra Rios não se assumiam como tal. É aí que se desenrola o desafio que envolve pensar seus trabalhos: quão violador é pensar obras que se pretendiam mais tomando, como ponto de partida, apenas, vieses pornográficos? A relação das duas com seus romances é diferente da que Hilda Hilst, por exemplo, teve com sua trilogia pornográfica, que se assumia e se pretendia assim - mesmo que sua proposta final não tenha atingido o objetivo inicial de angariar mais leitores para sua obra e de chamar atenção do mercado editorial.
Adelaide acreditava que seus livros eram retratos fiéis da realidade, e que se nutriam, tal como um ofício jornalístico, da necessidade que tinha de denunciar mazelas sociais e abusos do governo. Em contrapartida, Cassandra atravessou sua trajetória para ser aceita como ficcionista dedicada à investigação psicológica de seus personagens, mesmo quando seus romances, a maioria de temática homossexual, provocava a perturbadora dúvida incitada pelo diálogo entre ficção e biografia. Os elementos que compõem seus projetos, dada à qualidade de sua composição, porém, é que vão justificar o título que amaldiçoou e consagrou a carreira das duas.
Quando Izidoro Blikstein afirmou que Marx teria gostado dos livros de Adelaide Carraro, alegando um possível fascínio do comunista pelo “perfil sociológico da burguesia” brasileira retratado nos textos da escritora paulista, certamente contava apenas com os princípios políticos que envolvia essa suposta relação. Mas o fato é que a obra de Adelaide, apesar do caráter de denúncia que quase sempre envolvia temas como luta de classes e falcatruas políticas, se inseriu de forma pouco incisiva nesse “ataque ao sistema”. Sua intenção de formatar um projeto “realista” acabou caindo em clichês maniqueístas que, entre obsessões, taras e pingos de moralismos, acompanharam seus mais de 40 romances.
“Escrevo sobre a verdade e não sobre ilusões. Escrevo como se fala, uma linguagem nua e crua, sem subterfúgios”, afirmava Adelaide em entrevistas. Reação agressiva, muito provavelmente reflexo da biografia igualmente brutal que protagonizou: nascida em 1936, perdeu o pai aos quatro anos, morou num orfanato onde fora maltratada, desenvolveu tuberculose — chegou, inclusive, a perder um pulmão — e passou outro bom pedaço da vida internada em um sanatório. Foi presa diversas vezes, muitas enquanto buscava histórias para alimentar seus romances, se inserindo, como uma escritora-repórter, no “submundo” do baixo meretrício paulistano. Trabalhou também como repórter de TV (atuou no SBT) e era dona de uma beleza encantadora, que parecia alimentar um fascínio às avessas por sua trajetória igualmente feroz.
O pesquisador Pedro de Castro Amaral Vieira, autor da tese Meninas más, mulheres nuas: Adelaide Carraro e Cassandra Rios no panorama literário brasileiro, raro trabalho dedicado a analisar mais profundamente a relevância da literatura de ambas, chama atenção para a fórmula de denúncia (política) e gozo (sexo) do projeto de Carraro que resulta num quadro de elementos grotescos no qual a pornografia encontra seu terreno. Em Eu e o governador, por exemplo, romance autobiográfico que causou estardalhaço por relatar com detalhes um suposto caso da autora com Jânio Quadros, então governador de São Paulo, a autora retrata personagens assim polarizados: a mulher que se equilibra entre a ambição e fragilização e o homem monstruoso e perverso, que desperta horror e fascínio.
É o mesmo plano maniqueísta usado em outros romances, como De prostituta à primeira-dama, A amante do deputado e O comitê, o que permite o florescimento de cenas cruéis, de violação e estupro, figurando perfeitamente o termo criado por Amaral Vieira para qualificar o retrato do sexo na obra de Adelaide: o “amor fodido”. O mesmo, desmedido e cruel, que vai acompanhar outros temas pontuados pela literatura de Adelaide, que se exibiam não só nas narrativas como nos títulos sensacionalistas, como a luta de classes (A vingança do metalúrgico e A falência das elites) e temas de polêmica sexuais (O travesti, Os padres também amam e Mãe solteira; mulher livre).
“O que Adelaide coloca em pauta é a velha formula que sexo passa por relações de poder e que no desejo do poder, em ter poder, em mandar, há uma relação direta com o que vamos fazer entre quatro paredes; ou que por detrás de um homem muito poderoso há um grande pervertido. E isso vale para os moralistas. Desconfie de todo moralista em excesso”, analisa Anco Márcio Tenório Vieira, professor do Departamento de Literatura da Universidade Federal de Pernambuco.
Por mais que comumente estejam colocadas lado a lado, a relação entre as obras de Adelaide e Cassandra são tão opostas quanto complementares. E é através da representação do amor que Pedro de Castro Amaral Vieira estabelece uma das fronteiras entre as duas: “Adelaide agride amor romântico com a mesma insistência que Cassandra o reivindica”.
Nascida Odete Rios, na São Paulo de 1932, Cassandra adotou o pseudônimo pelo qual ficou conhecida por causa do fascínio que nutria pela personagem homônima da mitologia grega, mulher dotada de poderes premonitórios, mas que nunca pode impedir tragédias, pois não era levada a sério. De alguma forma, a história está conectada com a trajetória da filha de espanhóis, leitora de Freud e a primeira mulher da nossa história a vender mais de um milhão de livros.
Estima-se que Cassandra tenha escrito mais de 50 obras — nem mesmo a própria autora tinha todos os títulos em sua biblioteca — mas o que une a maioria deles é a temática lésbica, base fundamental do projeto da escritora. Temas como adultério, perversão e assassinatos também atravessavam seu universo, mas que se apresentam de maneira mais densa do que o de Adelaide Carraro. Na obra de Cassandra, havia uma preocupação maior com a estilística (ela, inclusive, trabalhou como revisora e, dizem, reescritora, de muitos textos de Adelaide) e um exercício, mesmo que por muitas vezes frágil, de investigação psicológica de suas personagens — diferente do plano polarizado e grotesco das criaturas adelaideanas.
Cassandra publicou seu primeiro livro, A volúpia do pecado, aos 16 anos, com a ajuda financeira da mãe. A obra narrava o encontro de duas adolescentes que, inicialmente amigas, se descobrem protagonistas de uma paixão intensa. O relacionamento das duas é interrompido quando as mães decidem separar as garotas. Uma delas chega a “redescobrir o amor heterossexual” e se casa com um homem, porém, o relacionamento não a completa e a obra termina com o suicídio desta, aspirando gás, enquanto clama pelo nome da verdadeira amada. Este seria o primeiro de uma série de livros que tratariam de forma cruel a descoberta e afirmação da homossexualidade das personagens da autora. E reza a lenda que a mãe da Cassandra jamais leu uma linha sequer dos seus romances.
Atravessar o tema da homossexualidade, sendo umas das precursoras da literatura gay no Brasil, atrelado às descrições generosas das cenas de sexo entre suas personagens, fez brilhar o nome de Cassandra Rios para os olhos dos censores à época da ditadura militar. Fora quase 40 obras vetadas pelo governo, a transformando na “autora mais proibida do Brasil”. O rótulo, porém, acabou servindo como o ingrediente de marketing necessário para o sucesso dos seus livros, que atingiram marcas anuais de 300 mil exemplares vendidos, durante as décadas de 1960 e 1970.
A popularidade de Cassandra, porém, não se restringia ao público médio, como possa sugerir o fato dela escrever romances assumidamente populares. No auge da censura, escritores como Jorge Amado, José Mauro de Vasconcelos e Érico Veríssimo saíram em defesa de Cassandra. O baiano, aliás, via nela uma excelente romancista. Cazuza e Caio Fernando Abreu também declararam seu fascínio. A cantora Maria Bethânia seria outra fã da escritora, como declarou o dramaturgo Antônio Bivar (também apreciador) em entrevista à revista Trópico. “Eu dirigi o show Drama da Maria Bethânia, em 1973. A Bethânia adorava a Cassandra, que estava na lista de convidados da estreia do espetáculo em São Paulo. A escritora chegou com um pacote de suas novas edições, todas best-sellers, e a Bethânia, que quando era adolescente lia escondido os seus livros na Bahia, ficou felicíssima”. Num artigo para o jornal Folha de S. Paulo, na época do falecimento da escritora, Marcelo Rubens Paiva enfatiza a libido das suas personagens afirmando que “Cassandra Rios educou uma geração”.
Cassandra atravessou sua carreira literária lutando para estabelecer limites entre sua literatura e sua vida particular. Não se assumia lésbica em entrevistas, apesar de amigos mais próximos, como a atriz Nicole Puzzi (que protagonizou duas adaptações de romances da escritora, A paranoica e Tessa, a gata, para o cinema), afirmarem que a autora não tinha problemas em aceitar sua homossexualidade. Bem resolvida ou não, Cassandra costumava dizer que ruborizava-se de vergonha com as próprias cenas de sexo que construía. “Sei apenas que considero, conscientemente, meu trabalho limpo, objetivo e honesto, moralista e bem feito, na sua forma simples e popular, nunca pornográfico”, chegou a declarar em entrevista, certa vez, se colocando numa encruzilhada em se assumir moralista diante dos livros que escrevia, transgressores para época.
O professor Anco Márcio analisa esse processo contraditório, entre a transgressão e o moralismo, a partir do sucesso que a autora fazia com o contexto pornográfico. “Ela trabalha com um universo pouco conhecido dos homens: relação entre duas mulheres e que parece suscitar muitas fantasias. Homens que gostam de transar com duas ou mais parceiras sentem algum tipo de prazer que vai além do fato de penetrar duas ou três mulheres ao mesmo tempo, mas o prazer de ver duas mulheres se tocando, construindo prazer entre elas. Quanto ao final moralista das suas estórias, não poderia ser diferente nos anos 1970. Talvez fosse esse final moralista que permitia aos censores liberar a publicação das suas obras”.
A introspecção das personagens de Cassandra Rios abria espaço para devaneios, dúvidas e elucubrações que registravam a busca de uma identidade gay, confusa e ao mesmo tempo condizente com o período de repressão social da época. Suas criaturas pouco relutam, enfrentam os obstáculos para consumar seu afeto de maneira plena, sucumbindo à crueldade da separação, da dor. “Emoções vêm. Ilusões formam-se. Eu penso. Tenho todo esse caminho pela minha frente e o medo inexplicável de seguir adiante. Retroceder seria inominável e fora de cogitação, pois eu mesma tracei o itinerário. Não peço perdão pelo que sou e nem me arrependo do que faço. Assim sou porque nasci assim. Será?”, questiona, de forma retórica, a protagonista de Tessa, a gata, nas primeiras linhas do romance.
Questões semelhantes estão no desfecho daquela que é considerada uma das obras mais ousadas da escritora. Como aponta Ronnie Cardoso, doutorando em literatura pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da erótica brasileira, em Eu sou uma lésbica, Cassandra escreve: “eu sou lésbica, deve a sociedade rejeitar-me? [...] Em que situação uma homossexual deve ser rejeitada, compreendida ou aceita? Quando engana o homem com as suas dissimulações ou quando enfrenta a sociedade abertamente, sem esconder o que é?”.
DE LADO NÃO: EU GOSTO DE OPOSTOS
Durante o tempo que rivalizaram no mercado editoral brasileiro, e este as colocava lado a lado, Adelaide e Cassandra reclamaram seus opostos. Adelaide Carraro alegava que, diferente de Cassandra, não escrevia histórias sexuais. Esta, por sua vez, lutou para se firmar como uma ficcionista comprometida com a ficção elaborada, fruto de sua imaginação, em respostas às histórias “realistas” da rival. Frutos de um mercado que se alimenta de anseios momentâneos, porém, seus livros acabaram caindo no ostracismo. Hoje, mesmo em sebos, não é fácil encontrar livros da dupla.
“As obras de Adelaide Carraro e Cassandra Rios têm valor histórico, valem pelo registro antropológico, por pautarem as demandas do corpo e da sexualidade, ainda que limitadas às demandas da cultura de massa, entretanto não se configuram como objetos de qualidade literária. Os livros desses escritores apresentam, em menor ou maior grau, os preconceitos e prazeres em um contexto histórico específico, cuja força castradora se efetivava tanto por meio da censura do regime ditatorial, como por meio do cerceamento da indústria cultural”, avalia Ronnie Cardoso.
Em sua maioria escritos durante a vigência do regime militar, os textos de Cassandra e Adelaide despertaram um interesse através da subversão. Mas esta, porém, sempre se apresentou diluída pelo moralismo que conduzia boa parte das histórias. “A denúncia social e as questões políticas, quase sempre associadas ao ingrediente erótico e ao sentimentalismo, hoje nos parecem ingênuas e superficiais. Os personagens marginais retratados por Adelaide, por exemplo, sucumbem, quase sempre, ao julgo moral da sociedade ou se redimem do caminho ‘degenerado’ em que se encontravam, tendo em vista princípios supostamente nobres que reorientarão sua vida”, reflete Ronnie. Caso semelhante acontece com as lésbicas confusas e culpadas de Cassandra Rios, como já comentamos. Para o pesquisador, “o sucesso da obra de Rios está justamente em atrelar personagens marginais ao relato obsceno e a mensagens edificantes”.
“Esses livros funcionaram como uma espécie de respiradouro, pois todo regime, por mais autoritário que seja, precisa de certos canais de respiração. O fato é que passado o regime militar e suspensa a censura, os livros de Adelaide e de Cassandra caíram no esquecimento. Seja porque obras até então proibidas no Brasil foram publicadas, seja porque o que parecia tabu já podia ser visto na novela das oito”, observa Anco Márcio Tenório Vieira, nos fazendo lembrar que mesmo a pornografia mais bem resolvida vai precisar reaquecer a relação em algum momento. Principalmente quando pautada dos desejos mais que sórdidos de um mercado abusivo e dominador.