“Olhei de longe a trilha: nunca elas me pareceram tão rápidas. Calcei os sapatos, descolei a gravura da parede, enfiei o urso no bolso da japona e fomos arrastando as malas pelas escadas, mais intenso o cheiro que vinha do quarto, deixamos a porta aberta. Foi o gato que miou comprido ou foi um grito?” (As formigas)

 

“Conheço o caminho — murmurou, seguindo lívido entre os móveis. Parou. Dilatou as narinas. E aquele cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro? E por que a loja foi ficando embaçada, lá longe? Imensa, real só a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com suas manchas esverdinhadas.” (A caçada)

 

“Baixei a cabeça. Um pouco mais e confessaria, tudo brincadeira, você sabe que não tenho nenhum homem, tenho apenas um gato, Emanuel é um gato! Ela não precisa fazer isso, não precisava. Aperto contra a boca o copo vazio, eu vazia e a plenitude da chuva e das falas, todos falam ao mesmo tempo enquanto a janela se escancara e as cortinas derrubam garrafas, consegui tumultuar a festa que parece rodopiar na ventania com a voz de Afonso pairando sobre as águas, voltou arfante pois subiu as escadas correndo: — É o Emanuel que veio te buscar.” (Emanuel)

 

“Agora falava devagar, uma voz pesada, uma palavra depois da outra com os pequenos cálculos se ajustando nos espaços vazios. Dois dias sem comer, arrastando pela casa o colar e a soberba. Estranhei, Yasbeck tinha ficado de telefonar e não telefonou, mandou um bilhete, O que aconteceu com seu telefone que está mudo? Fui ver e então encontrei o fio completamente moído, as marcas dos dentes em toda a extensão do plástico. Não disse nada mas ela me observava por aquelas suas fendas que atravessam vidro, paredes.”. (Tigrela)

 

“A alegria era quase insuportável: da primeira vez, escapei acordando. Agora vou escapar dormindo. Não era simples? Recostou a cabeça no espaldar do banco, mas não era sutil? Enganar assim essa morte saindo pela porta do sono. Preciso dormir, murmurou fechando os olhos. Por entre a sonolência verde-cinza, viu que retomava o sonho no ponto exato em que fora interrompido. A escada. Os passos. Sentiu o ombro tocado de leve. Voltou-se.” (A mão no ombro)

 

“Durante algum tempo ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram, semelhantes ao de um animal sendo estraçalhado. Depois, os uivos foram ficando mais remotos, abafados como se viessem das profundezas da terra. Assim que atingiu o portão do cemitério, lançou ao poente um olhar mortiço. Ficou atento. Nenhum ouvido humano escutaria agora qualquer chamado. Acendeu um cigarro e foi descendo a ladeira. Crianças ao longe brincavam de roda.” (Venha ver o pôr-do-sol)