Ilustração por Karina Freitas

 

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OS DETETIVES

 

Sonhei com detetives perdidos na cidade escura.

Ouvi seus gemidos, suas náuseas, a delicadeza

De suas fugas.

Sonhei com dois pintores que ainda não tinham

40 anos quando Colombo

Descobriu a América.

(Um clássico, atemporal, o outro

Moderno sempre,

Como a merda.)

Sonhei com uma pegada luminosa,

A senda das serpentes

Percorrida uma vez ou outra

Por detetives

Absolutamente desesperados.

Sonhei com um caso difícil,

Vi os corredores cheios de policiais,

Vi os questionários que ninguém resolve,

Os arquivos ignominiosos,

E logo vi o detetive

Voltar ao local do crime

Solitário e tranquilo

Como os piores pesadelos,

Eu o vi sentar-se no chão e fumar

Num dormitório com sangue seco

Enquanto os ponteiros do relógio

Viajavam encolhidos pela noite

Interminável.

 

 

OS DETETIVES PERDIDOS

 

Os detetives perdidos na cidade escura.

Ouvi seus gemidos.

Ouvi seus passos no Teatro da Juventude.

Uma voz avançando como uma flecha.

Sombra de cafés e parques

Frequentados na adolescência.

Os detetives que observam

Suas mãos abertas,

O destino manchado com seu próprio sangue.

E você não pode nem mesmo se lembrar
Onde estava a ferida,

Os rostos que você amou um dia,

A mulher que salvou a sua vida.

 

 

OS DETETIVES GELADOS

 

Sonhei com detetives gelados,

detetives latino-americanos

Que tentavam manter os olhos abertos

No meio do sonho.

Sonhei com crimes horríveis

E com tipos cuidadosos

Que procuravam não pisar nas poças de sangue

E ao mesmo tempo abarcar com um só olhar

a cena do crime.

Sonhei com detetives perdidos

No espelho convexo dos Arnolfini:

nossa época, nossas perspectivas,

nossos modelos de Espanto.

 

 

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