Maria do Carmo/Divulgação

O sexo é o temaque volta a marcar a carreira de Reinaldo Moraes, com o lançamento de O cheirinho do amor, livro que reúne 35 crônicas que o autor publicou na revista Status, além de uma inédita, barrada pelo editor do periódico, provavelmente por tratar de coprofilia. Um dos principais autores contemporâneos do Brasil, Moraes estreou em 1981 com o romance Tanto faz, sucedido por Abacaxi, de 1985. Passou em branco nos anos 1990, mas na década seguinte publicou a coletânea de contos Umidade, além de incursionar pela literatura infantojuvenil com A órbita dos caracóise Barata. Depois que entregar Maior que o mundo, espera ter fôlego para terminar A travessia de Suez, mais uma longa prosa. A conversa abaixo aconteceu em São Paulo, num boteco de esquina, perto da Paulista e da Consolação; foi acompanhada por uma porção de amendoim, algumas cervejas e uma cachacinha que permaneceu o tempo todo à mesa, sendo tomada somente no final do papo.

 

Por que lançar O cheirinho do amor, uma coletânea de crônicas? Por sinal, esse é um bom momento para a crônica no Brasil?

Eu gosto delas, faço com certo apuro, aí ofereci para a editora um pacote: as crônicas e o romance Maior que o mundo(prometido à editora para julho). Eles me deram um advancede eu reuni as que estavam escritas e dei uma valente copideskada, algumas ampliei um pouco, outras joguei fora. Foi um livro trabalhado, fiquei uns três meses revendo os textos, o editor também deu sugestões. Quanto ao momento da crônica no Brasil: as crônicas estavam meio mortas, porque o cronista era o cara que fazia um comentário sobre o noticiário, sobre política, basicamente. Eram articulistas, na verdade. Hoje houve uma reviravolta, porque você não lê o (Gregório) Duvivier ou o (Antonio) Prata para se informar, mas porque é uma peça literária. Tanto que o Pratinha disse várias vezes que muitas histórias são ficções, mas ele faz você supor que as coisas aconteceram. Ele e o Duvivier contam essas histórias como se fosse um relato jornalístico, essa é a embocadura. Isso é genial, porque conseguiram um estilo que dá uma forte impressão de realidade. E não importa se é real ou não, o que importa é que conquistaram esse espaço por conta do aspecto formal da crônica literária. Extrapola de longe a questão do real, vai para a forma, que tem uma longa tradição no Brasil.

 

O Xico Sá também é do caralho. Além de amigo, ele é meu mestre. Ele não tem limite, esse realmente escreve tudo o que passa pela cabeça, sem a menor censura, apenas com a mediação da forma. Aquilo que ele fala ali, ele fala no bar. Você vai tomar um porre com ele e é aquilo lá. Ele é íntegro na loucura dele.

 

E você como cronista, de que autores parte sua inspiração nesse gênero?

Eu lia muito Rubem Braga, Fernando Sabino e o Nelson Rodrigues, sobretudo. Foram caras muito importantes pra mim. Mas eu não me encaixo nisso, estou ali, correndo por fora na Status, até porque estou cercado por um tema: tem que ter putaria.

 

Aliás, putaria é o que muitos esperam dos seus textos, né!?

Fiquei com uma espécie de maldição do sexo por causa do Pornopopéia. Como é um livro que circulou muito, nego fica achando que sou especialista nisso. Quando recebi o convite para fazer crônicas para a Status, subentendia-se que tinha que falar de alguma forma de sexo. Pensei que não fosse conseguir fazer aquela merda. Fiz uma, fiz duas... Mas aí, bicho, você vai afinando o olhar pro noticiário e vai sacando que sempre tem notícia engraçada do negócio de sexo, alguém que mudou de sexo, umas porra-louquices que você lê, como uma médica nos Estados Unidos que começou a ter um affair com um colega de hospital e se apaixonou. O cara sacou que a amante estava querendo ficar com ele, aí tentou cair fora. Só que a mulher teve simplesmente a ideia de fazer um boquetão nele, pegou a porra, botou num recipiente, foi numa clínica de um conhecido, fez uma fertilização artificial e teve uma filha do cara. Então esse tipo de coisa está no ar, é muito fácil pescar o assunto.

 

Então, você tem vontade de escrever sobre outras coisas mas acaba ficando preso a esse tema?

Até agora foi assim, né, com relação a essa revista. Mas estou sempre escrevendo sobre outros assuntos. Escrevi há alguns meses um artigo longuíssimo para a Piauí sobre o Cortázar. Estou escrevendo agora sobre o (Georges) Wolinski (cartunista francês assassinado no ataque ao jornal Charlie Hebdo, em Paris), que é mais relacionado a sexo mesmo, porque ele só pensava em boceta vinte e quatro horas por dia. Aí peguei três charges dele e criei uma historinha que, em algum momento, passa pelas situações que estão nas charges. O Wolinski foi um cara que eu li muito, como todo o pessoal da minha geração. Ele saía aqui em diversas publicações meio de esquerda. Era uma referência. O tipo de humor dele, apesar dos temas sempre sexuais, é só um caminho ou uma via de acesso ao mundo da classe média que ele tira sarro o tempo todo: do machismo, do casamento, do assédio às mulheres, do feminismo... uma abordagem sem a menor complacência, sem um pingo de sentimentalismo, algo totalmente irônico, sardônico, sarcástico. Não tem nenhum discurso edificante, apenas o humor mais cáustico possível.

 

As pessoas ainda te rotulam como maldito?

Isso já era, né, cara. Hoje os malditos têm estátua em praça pública. Eram malditos só porque chuchavam os limites da alma humana e da moral, falavam de coisas consideradas tabu. Mas hoje o que é tabu? Se você escrever um livro sobre necrofilia, talvez as pessoas nem achem maldito, apenas de mau gosto ou, se for bom, um bom livro, apesar do personagem necrófilo. Ninguém mais considera o outro maldito porque o livro tem drogas ou está cheio de sexo, trepada, sexo anal, mulher chupando um pau....

 

Como você acha que a literatura e o sexo se relacionam? Escrever cena de sexo é algo bem delicado, não?

A maior parte dos escritores contornam, né, usam eufemismos poéticos. Eu faço um negócio que é direto. Sempre achei que o sexo, a trepada, é um momento forte, que as pessoas não estão mais segurando nenhum papel social, porque isso é dissolvido pela excitação, o que sobra são as taras. É o momento de maior conexão com o inconsciente. É um teatro no qual os personagens se despem das suas máscaras sociais para atingir a parte mais profunda do inconsciente. E é um negócio que rende muito humor. Eu gosto de escrever cenas de sexo como se fossem cenas de seriado, tem todas as possibilidades de você explorar diversos tipos de pessoas.

 

Uma vez você disse que prefere a bebida à literatura.... É isso mesmo? Gosta de escrever bebendo?

Isso é frase, né!? Mas eu escrevo muito bêbado, à noite. Sempre faço assim: à noite, empurro a história para frente; escrevendo, vou tomando uma cervejinha, fumando um, porque dá uma soltura, abaixa o superego. Como sei que ainda vou trabalhar muito em cima do negócio, não me policio. Às vezes fico quatro, cinco horas nisso. No dia seguinte, acordo umas seis, cafezão, e começo a revisar tudo, jogo metade no lixo de cara...

 

Tem algum gênero que te dê mais tesão ao escrever?

Toda hora estou escrevendo uns continhos. Se você está fazendo um romance de mais fôlego, é legal fazer algumas coisas que acabam logo, dá uma sensação de completude. Se você fica quatro anos pendurado num negócio que não termina nunca, às vezes dá um desânimo. Eu olho para aquilo e falo “isso não tem chão ainda, puta que o pariu”.

 

Sobre seu próximo romance, o Maior que o mundo, o que dá para falar?

Ele começou como um roteiro de cinema, que peguei para fazer porque estava precisando da grana. O (cineasta) Roberto Marquez queria algo na linha do Pornopopéia, com puta, droga e rua Augusta. Depois fiz um acordo para ficar com os direitos literários da história, para transformá-la em livro. Como tudo já estava armado, as cenas, os personagens, os diálogos, achei que seria um passeio no parque, que seria só desentortar o roteiro que viraria um romance, mas não é verdade. O romance é trabalhado em outras ideias. O roteiro não tem valor literário, é extremamente visual. É sobre um escritor bloqueado que há vinte anos publicou um livro e desde então está tentando escrever outro. Ele foi um puta junkie, mas agora só bebe e fica querendo comer umas meninas. É um narrador em primeira pessoa que alterna com outro em terceira pessoa, onisciente. Se passa em São Paulo.

 

E o seu livro da coleção “Amores Expressos”, da Companhia das Letras?

Essa foi uma cagada. Fiquei trinta dias na Cidade do México, rabisquei uma ideia, fiz uma sinopse, também achando que ia ser um passeio no parque. Cheguei a escrever umas 250 páginas, mas a história não ia pra frente. Só estava fazendo aquilo porque fui pro México e assinei um contrato, não tinha nenhum tesão em escrever aquela merda. Aí cheguei pro editor da Companhia e falei: “Bicho, não tá saindo”. Ele pediu para eu ficar calmo. Fui em 2007 e tinha que entregar em quatro meses. Deu 2008, nada, 2009, nada. Até que o ano passado eu liguei pro cara e propus ceder os direitos do Tanto faz e ficarmos quites. Ele adorou.

 

Você disse que Pornopopéia vendeu até hoje 14 mil exemplares. Apesar de ser um bom número para literatura brasileira, é baixo para a repercussão que o livro teve e ainda tem, não?

Para a literatura brasileira, os editores adoram. Mas essa repercussão toda que ele teve se dá no clubinho dos 500. A minha antiga editora, que trabalhava na Objetiva, dizia que tinha oito mil pessoas no Brasil que liam literatura brasileira. Ela percebia pelas tiragens, pelo que sai, pelo número de livros vendidos... Claro que Machado de Assis, Guimarães Rosa, vendem muito mais, mas estamos falando de quem lê a Veronica Stigger, eu, o Xico Sá, o Marcelino Freire, o Joca Terron, Michel Laub. O público virtual dessa turma é de oito mil pessoas.

 

 

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