leonardo

"As grandes livrarias vendem pilhas de livros iguais"


O maior espólio de Milena Duchiade está prestes a entrar em liquidação. Herdeira de uma das livrarias mais antigas do Rio de Janeiro, ponto de visita no centro da cidade, ela foi protagonista nesta quinta (28) de uma matéria publicada no jornal O Globo, em que anunciava o fechamento da livraria Leonardo da Vinci com um saldão que vai acontecer nos primeiros dias de junho. Conversamos com Milena sobre essa decisão e o contexto em que ela foi tomada.

Até que ponto o fechamento da Leonardo da Vinci é resultado de um enfraquecimento das livrarias fora do padrão das megastores, e até que ponto não é também consequência desse "inflacionamento" do Rio de Janeiro dos grandes eventos?

Existem esses fatores estruturais e conjunturais. Os conjunturais começaram em 2013, com as manifestações nas ruas. Entenda, não sou contra manifestações, mas o que aconteceu aqui foi uma depredação completa. Aqui no nosso prédio temos três bancos e, no dia seguinte às manifestações, ninguém conseguia andar de tanto vidro estilhaçado no chão. Depois veio a Jornada da Juventude, que parou o Rio de Janeiro por uma semana. Em 2014, veio a Copa do Mundo e tivemos um mês inteiro perdido. E agora as obras que estão acontecendo aqui no Centro da cidade. Desde novembro do ano passado começaram a destruir a (avenida) Rio Branco. Tudo aqui é destruição, você não consegue chegar nos lugares. Estruturalmente, optamos por um modelo de negócios que não funciona mais. Nossa escolha foi vender livros, e não games, cafés. Se eu quisesse fazer um café eu abria um restaurante, mas não sei mexer com comida. Tentei criar alternativas. Fiz um sebo num pedaço da livraria, fiz um espaço para usar como galeria de arte. Ninguém pode dizer que eu não tentei. Mas isso não funciona. E existe ainda uma deterioração do público. Livros de colorir não são literatura, são passatempo, tal como o Almanaque da Mônica. Ou seja, temos uma nova classe média que, com novo poder aquisitivo, não vai necessariamente comprar literatura, mas vai comprar uma TV de não sei quantas polegadas, um iPhone novo. A pessoa que não tinha o hábito de ler antes não vai de uma hora pra outra adquirir esse hábito. Meu filho fez comunicação na UFRJ e dia desses ele me falou que hoje é possível você concluir uma graduação sem precisar ler um livro inteiro. É com isso que temos que lidar.

O que você espera de uma livraria quando entra em uma?

Variedade. Procuro livros que não sejam todos iguais. Numa boa livraria, o cliente deve entrar procurando uma coisa e achar várias outras que ele desconhecia. Ou como uma cliente muito querida de São Paulo costuma me dizer: “adoro ser encontrada por um livro”. O que acontece hoje é que essas grandes livrarias vendem pilhas de livros iguais, porque elas estão todas associadas a um negócio chamado Bookscan, que é uma empresa que te dá a lista dos 50, 100, 1000 livros mais vendidos. As grandes livrarias recebem esses relatórios e escolhem seus livros baseadas nisso. É o contrário da diversidade que uma livraria deve ter.

Existem alguns títulos em especial que você gostaria de destacar no acervo de vocês?

Temos edições da Confraria dos Bibliófilos do Brasil, um fac-símile raro do Codice Arundel, de Leonardo da Vinci, tem muita coisa difícil de achar em outros lugares. Os livros consignados, que pertencem às editoras, estou começando a devolver. Os que são nossos, farei desconto de tudo. Não posso mais passar cinco anos para vender um livro porque ninguém procura. Como disse na matéria do Globo, estou aberta a propostas para permanecer com a livraria. Mas como está hoje não dá, a conta não fecha. Vamos honrar todos os compromissos que estabelecemos até agora, mas vamos desde já parar de comprar mais livros

SFbBox by casino froutakia