
A interferência do tempo e todos os fantasmas que ele carrega na realização de uma obra literária. O perfil do Brasil lido na chave dos autores contemporâneos. Promessas traídas. Esses são alguns dos temas que cruzam a conversa entre o escritor Marçal Aquino (entrevistado por Santiago Nazarian na edição passada desta coluna) e o escritor Fernando Bonassi, parceiro de Marçal Aquino em alguns projetos de roteiro e autor de romances como O Menino que Se Trancou na Geladeira e de uma prolífica lista de títulos infanto-juvenis. Confira a conversa:
Marçal - É inegável que a política, que foi tema crucial para quem escrevia no Brasil das décadas de 70 e 80, parece não interessar aos novos autores e praticamente desapareceu dos livros. Em sua opinião, por que isso acontece?
Fernando - Acontece porque na geração que começou a publicar lá pelo início dos anos 2000, e que ainda goza da posição e benesses de ser “a” nova geração, entendeu que o mais importante (até como reação alérgica à falência da grande política, das utopias sociais, aquela da abertura democrática dos anos 80 e 90), era escrever/descrever a sua história pessoal, exclusivamente - o que chamaram, ou ainda chamam, se não me engano, de “auto ficção”. Num contexto como este, a política, pelo menos como a geração e 60/70 a entendia, tinha perdido espaço.
Marçal - Existe muita diferença entre ser um escritor nos dias de hoje e há quase 30 anos, quando você começou a publicar seus primeiros textos?
Fernando - A internet mudou tudo, especialmente as relações de poder na indústria cultural - agora, nada passa fora da rede. Aquilo que é considerado sucesso não é mais “criado” apenas pela cadeia produtiva clássica do capitalismo: “editora/crítico pautado/imprensa”. Na minha época, viver fora do mundo virtual ainda era possível.
Marçal - Se você fosse um estrangeiro que se dispusesse a conhecer o Brasil a partir da leitura apenas dos escritores contemporâneos, que país emergiria desse exercício?
Fernando - Um país à procura de sentido, de entender porque as melhores propostas de sociedade naufragaram na mediocridade dos utopistas, um pais à procura de heróis, de entender porque teima em dar errado em meio a tanta “sabedoria” sobre o que “não funciona”. Porque somos um bando de corruptos, covardes e linchadores, em suma.
Marçal - Na condição de roteirista experiente, que recomendações faria a alguém que se propusesse a adaptar seu livro mais recente, o romance Luxúria?
Fernando - As melhores promessas feitas para a nossa geração foram traídas. Um filme que preste, neste momento histórico, precisa tratar disto. E, como norma geral: na dúvida, escolha o caminho mais radical.
Marçal - O que você aprendeu com seu autor favorito – e quem é ele?
Fernando - Aprendi com Henry Miller que, se você não “se conhece” (mesmo que seja um covarde), não pode defender o que lhe interessa, não pode ser chamado de artista.