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A história, enquanto a vivemos, não a vemos. Ao menos não plenamente. É o que responde o Luiz Ruffato em uma conversa com Fernando Bonassi, em mais uma edição da nossa série de entrevistas entre escritores. Entrevistado anteriormente por Marçal Aquino, Bonassi agora dá um tom político à conversa com Ruffato, autor, entre outros, de Inferno provisório, pentalogia de livros sobre o operariado brasileiro, e o questiona também sobre como as viagens e esse "olhar de fora" afetam sua literatura.
 
Bonassi - Depois de um período de governos de centro-esquerda, de prosperidade material associada à uma série de avanços em direitos, o Brasil parece dar uma nova guinada conservadora; momento em que os ideais de liberdade e solidariedade são relevados. Você concorda com esta visão? E como este estado de coisas repercute na sua literatura em particular?
 
Ruffato - Concordo plenamente com a assertiva. Tivemos importantes avanços no campo social, com praticamente a erradicação da miséria no Brasil. Isso é histórico, isso é fundamental... a questão toda é que não tivemos aliado a isso quase nenhum avanço naquilo que realmente conta para uma mudança efetiva, que é a transformação do indivíduo em cidadão... foi criada a condição necessária para a entrada no mercado de consumo de milhões de pessoas, mas elas se transformam apenas nisso, consumidores, e não em cidadãos. Está provado, com nossa trágica experiência, que o enriquecimento econômico, sem um acesso à educação de qualidade não muda a realidade, apenas a mascara... por isso, essa onda conservadora, que vem ocupar aquele espaco que o Estado não ocupou, de iluminar os cantos escuros da alma humana, que só ocorre quando estamos dentro de um sistema de democracia plena. Quanto a essa realidade entrar na minha literatura, ainda é cedo pra dizer...certamente, ecos desse momento já estão presentes no Inferno Provisório, mas quando estamos vivendo a história, não temos muita consciência dela... 
 
Bonassi - Você que presenciou a luta contra a ditadura e a volta da democracia, que tem posições políticas progressistas, qual a avaliação que faz dos ideais de esquerda clássicos? A distribuição da riqueza, do conhecimento, a propriedade pública, o elogio da liberdade, da aceitação das diferenças, os melhores valores do socialismo, enfim: ainda faz sentido fazer literatura com eles?
 
Ruffato - A grande beleza da arte, e da literatura em particular, é falar de um certo espaço e um determinado tempo, numa língua específica, e ser ouvida em qualquer espaço e tempo e língua, sem prejuízo de sua mensagem. Toda literatura é política, porque quando alguém escolhe escrever sobre algo está fazendo uma escolha estética ética. Acho que o que permeia sempre a arte é a opção pela liberdade, é opção pela crítica. Agora, tenho claro para que existe uma enorme diferença entre litetura política e literatura panfletária. Literatura política não defende teses, mas valores. Literatura panfletária defende ideologias... e o valor maior que a literatura pode defender é o valor do ser humano, pois ao fim e ao cabo, todos, pobre e ricos, buscam a única coisa que interessa e que dá sentido à vida, que é a felicidade. Portanto, defender valores éticos é pregar a felicidade. Esse é talvez o compromisso último da literatura, oferecer reflexões sobre a busca da felicidade humana.
 
Bonassi - Você que viaja muito pra fora do país, que escreve desde vários territórios distantes, como este “olhar de fora” afeta a sua visão do Brasil? E de si mesmo? Você muda de assunto quando muda de lugar?
 
Ruffato - Eu sou um ser dinâmico. Nao acredito em verdades definitivas. As verdades são relativas e provisórias - mas a ética não. Portanto, estou sempre pronto a aceitar opiniões diversas das minhas, desde que elas agreguem pontos de vista mais complexos que os que defendo. Minhas viagens me fazer ver o Brasil melhor, o quanto temos de coisas fantásticas, que nenhum outro país tem, e como somos estúpidos quando falamos de nós mesmos, sem comparar com o que há no resto do mundo. Ssomos um pais rico, mas extremamente medíocre, em todos os campos. E se fossemos mais modestos em alguns aspectos, e mais empreendedores em outros, seríamos um pais respeitado no mundo, coisa que nao somos...
 
Bonassi - Como começa uma história pra você? Com a trama? Com personagens reais? Imaginados? Imagens do mundo? Você percebe quando é conto ou romance? Muda por isso? E, por fim, você escolhe os seus assuntos ou “é escolhido” por eles?
 
Ruffato - Eu escrevo com o corpo. Tudo que vou escrever tem que ter se tornado antes substância em meu corpo. Quando escrevo, os cheiros, as cores, os sons, os gostos e as sensações externas têm que ser reais. Portanto, só sento pra escrever quando a história que se quer escrita me convenceu, após tempos de convivência, que pode ser curto, um mês, dois, ou longo, anos e anos. As personagens se oferecem e contam suas histórias. Interfiro minimamente no conteúdo, mas fortemente na forma. Acho que escrevo a quatro mãos, as duas dos personagens, as minhas duas. Quanto à escolha do gênero, eu não acredito em gêneros...  
 

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