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Ainda reverberando os impactos da vitória de Donald Trump nas eleições para presidência dos EUA, entrevistamos o cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, um dos mais importantes analistas latino-americanos da política internacional. Ex-preso político da ditadura de 1964, ele nos fala, neste rápido diálogo, sobre alguns olhares acerca da vitória de Trump e da corrupção inerente ao regime presidencialista.

Radicado na Alemanha há cerca de 20 anos, Moniz Bandeira é autor de mais de 20 obras, entre elas Presença dos Estados Unidos no Brasil e a trilogia Formação do império americanoA segunda Guerra Fria A desordem mundial – esta recentemente lançada. Os três livros, publicados pela Civilização Brasileira, visam dar conta de analisar com profundidade o impacto do poderio norte-americano no mundo, suas estratégias de dominação e perpetuação, além de temas correlatos. Moniz Bandeira é doutor em Ciência Política pela USP, foi professor visitante nas universidades de Heidelberg (Alemanha), Colônia (Alemanha), Estocolmo (Suécia), Buenos Aires (Argentina), Nacional de Córdoba (Argentina) e Técnica de Lisboa (Portugal). 

 

 

O senhor declarou recentemente à Carta Capital que, com a vitória de Trump, “dessa vez Wall Street perdeu”. Que o apoio por ele recebido dos trabalhadores brancos empobrecidos pela globalização” venceu o apoio do sistema financeiro a Hillary Clinton. Venceu um homem que se valeu de uma narrativa não-política (da sua falta de trajetória política) ou, talvez, uma narrativa “antipolítica” (além da falta de carreira política, se mostra, de alguma forma, contrário à política e usa isso como capital para concorrer a um cargo político), algo similar ao que ocorreu, por exemplo, em São Paulo.

Já é possível falar sobre o impacto desses ocorridos no sistema de representação política?

Moniz Bandeira: Sim, Hillary Clinton era, abertamente, a candidata do establishment, dos bancos e das grandes corporações, i.e., do capital financeiro internacional. Significava a continuidade da política de Barack Obama, George W. Bush, Bill Clinton et caterva. Donald Trump era um outsider da política e, conquanto bilionário e concorresse sob a sigla do Partido Republicano, representava revolta contra o statu quo. Mais de 70 milhões de cidadãos americanos (59 milhões em favor de Trump e 13 milhões em favor Bernie Sanders, no Partido Democrata) - votaram contra o establishment, contra uma elite política corrupta, e demandaram mudança. A pobreza abrange, atualmente mais de 45 milhões de pessoas. A infra-estrutura do país está deteriorada, enquanto o débito público, da ordem de US$19,7 trilhões, em 2016, é previsto saltar para US$23,277, enquanto o PIB, estimado em US$16,9 trilhões, em 1916, só alcançará US$18,5 trilhões em 2020.

Em seu livro mais recente, A Desordem Mundial (Civilização Brasileira), o senhor descreve, entre outros processos, os meios de exportação de fake democracy (falsa democracia) pelos EUA. Trata-se de uma democracia militar governada por Wall Street. Com a perda da candidata de Wall Street, existe alguma perspectiva de mudança nesse perfil?

Moniz Bandeira:A expressão “democracia militar” é do filósofo anglo-irlandês Edmund Burke, depois da Revolução Americana no século XVIII. E o que ocorre nos Estados Unidos é um processo de mutazione dello stato, a transformação da democracia em uma oligarquia, como diagnosticaram o ex-presidente Jimmy Carter e acadêmicos americanos, i.e., a mutação da democracia em uma “democratura” (“Demokratie zur Demokratur”), conforme Folker Hellmeyer, analista-chefe do Bremer Landesbank (Alemanha). O rumo que o governo de Donald Trump pode tomar é difícil prever. Em um país como os Estados Unidos, o presidente não faz o que quer. As relações reais de poder é que, de um modo ou de outro, prevalecem e determinam a polítca. E os atores são Wall Street, Pentágono e aparelho de segurança, Congresso, grandes bancos etc, que constituíam fundamentais frações, cujos interesses, a entremesclar-se no complexo industrial-militar.

O escritor Sérgio Sant'anna lembrou, recentemente, de uma história envolvendo Gore Vidal e Ronald Reagan, que reproduzo abaixo:

“Grande crítico da sociedade do seu país, o escritor americano Gore Vidal, está fazendo muito falta agora. Na época da candidatura Reagan, os jornalistas perguntaram a Vidal se ele achava que o ator podia ganhar a eleição e ele respondeu: 'Isso aqui não é o Paraguai'. Reagan ganhou e os jornalistas foram perguntar ao escritor o que ele tinha a dizer e sua resposta foi exemplar: 'Bem-vindos a Assunção'”.

Deixando de lado o imaginário preconceituoso acerca da complexa e complicada política paraguaia, o senhor acha possível comparar a vitória de Trump com a de Reagan?

Moniz Bandeira: Não. As condições eram outras. E Ronald Reagan ganhou graças a um complot da CIA, cujos agentes desejavam ardentemente a vitória do Partido Republicano e contaram com a participação de George H. W. Bush, manipulando a questão dos funcionários da Embaixada dos Estados Unidos, presos pelo governo de Teerã, após a Revolução Islâmica de 1979. Esso caso chamado de October Surprise explico documentadamente em meu livro Formação do Império Americano (Civilização Brasileira).

Em A Desordem Mundial, o senhor fala que a mídia corporativa nem sempre é confiável. Em entrevista à Carta Maior, o senhor fala que “jornais, rádios e televisões são confiáveis quando noticiam fatos que podemos comprovar e não informações plantadas por agentes dos serviços de inteligência”. O seu método de checagem é baseado em sua experiência como cientista político e como pessoa que trabalhou na imprensa. Mas como uma pessoa comum, em meio às desinformações da internet, pode checar informações? Consegue vislumbrar algum recurso que leve cidadãos interessados a informações mais confiáveis?

Moniz Bandeira: Eu me referi à pesquisa, que faço, como cientista político, ao escrever um livro. E o fato é que os meios de comunicação servem, no mais das vezes, como arma de guerra, de propaganda política, de operações psicológicas (psy-ops). A manipulação de informações é uma das técnicas usadas pelos meios de comunicação, como veículos a serviço de determinados interesses econômicos, políticos e militares, sobretudo em meio a crises sociais e políticas, em meio conflitos internacionais. E, em tempos de guerra, a verdade deve estar sempre acompanhada por um comboio de mentiras, como Winston Churchill disse a Joseph Stalin. E o comboio de mentiras navega, é certo, através do mar das comunicações. Assim, quem quiser alguma informação mais tem de ouvir todos os lados, recorrer a todas as fontes.

Na mesma entrevista à Carta Maior, o senhor diz que “a corrupção é inerente à república presidencialista inspirada no modelo americano”. Então estamos fadados a viver com esse problema enquanto o regime presidencialista vigorar? A república parlamentarista é um modelo menos corrupto?

Moniz Bandeira: Aléxis de Tocqueville, em De la Démocratie en Amérique, publicada em 1840, observou que nos regimes aristocráticos os governantes eram raramente accessíveis à corrupção e tinham menos desejo de dinheiro, enquanto era o reverso nas repúblicas democráticas, no caso, os Estados Unidos da América, onde os estadistas eram pobres e tinham de fazer suas fortunas. E os políticos quanto mais ganhavam dinheiro mais queriam aumentar suas fortunas. A corrupção tem assim profundas raízes políticas e culturais, nos Estados Unidos, onde foi institucionalizada, com a criação de lobbies, os interesses privados e interesses públicos sempre se entreteceram e os negócios de empresas transformavam-se em razões de Estado. Os grandes eleitores dos presidentes e congressistas, nos Estados Unidos, sempre foram os grandes bancos, desde o final do século XIX. E esses bancos, nas últimas três décadas, foram o Chase Manhattan Bank, J.P. Morgan, Morgan Stanley, National City Bank of New York, Bank of America, Wels Fargo. Quanto ao Brasil está a seguir a mesma trilha, como república presidencialista, proclamada em 1889, com o dedo de James G. Blaine, secretário de Estado dos Estados Unidos, segundo o Visconde de Ouro Preto, o último presidente do gabinete de D. Pedro II. E aí, com o capitalismo em sua plenitude, o dinheiro pode comprar qualquer cargo eletivo, corrompe, apodrece o sistema político e o individualismo a adensa a disputa pelo poder. Ao contrário do que ocorre nas Américas, os países do norte da Europa – Noruega, Suécia, Dinamarca, Holanda, Bélgica e Reino Unidos, onde o regime político é a monarquia parlamentar, os casos de corrupção são extremamente raros. A ordem política, com outra organização partidária e parlamentar, reveste-se de continuidade e estabilidade, como elementos vitais que possibilitam a evolução e reformas. Também na Alemanha, que é uma república parlamentar, a corrupção no regime é muito rara.

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