De Portugal, onde está fazendo uma residência artistica na Universidade de Coimbra, Adriana Calcanhotto conversou por e-mail com o Pernambuco sobre a antologia de poetas contemporâneos É agora como nunca, que será lançada dia 19 pela Companhia das Letras. Revelou que teve poeta negro que não quis participar da antologia pelo fato da maioria dos autores ser branca, dos riscos que correu ao aceitar fazer sozinha a seleção e dos seus primeiros contatos com a poesia. Confira a integra da conversa.
Você está em Portugal em residência artística, para “dinamizar ateliês sobre escrita e produção artística, palestras, exposições e a dar aulas abertas em articulação com as áreas de Português e de Estudos Artísticos” da Universidade de Coimbra. Como é estar nessa posição de ser responsável pela transmissão/discussão/criação de um certo conhecimento?
Tenho tido experiências parecidas em festivais de literatura, dando palestras, fazendo conferências, falando sobre meu trabalho quando lanço alguma coisa. Agora vou abrir o espectro e falar dos primórdios da poesia ocidental, da invenção da língua portuguesa, da transmissão oral de poesia, antes da escrita, assuntos sobre os quais estudo e que com o convite da Universidade tenho a oportunidade de partilhar.
Vê alguma interface entre essa vivência e a experiência de organizar uma antologia?
De algum modo é um recorte, escolho alguns temas e enfoques como faço escolhas para armar uma antologia.
O título do texto que você escreveu para apresentar a antologia se chama “De dentro do agora”. Qual o seu agora?
O presente instante, que, aliás, acaba de escapar.
Você afirma, no texto de apresentação, que “Depois do fim das vanguardas, 'ficou ainda mais difícil' escrever poesia”. Na sua opinião, a que isso se deve?
Ao emaranhado de textos da literatura de todos os tempos. É corajoso conseguir escrever poesia depois de tudo o que já foi escrito, não se deixar paralisar pelo peso da poesia do mundo, não se deixar esmagar.
Quais os critérios usados para dispor poetas e poemas na ordem em que eles aparecem na sua antologia?
Basicamente ritmo. Trabalhei a ordem exatamente como faço meus roteiros de show. É difícil explicar, tem elementos muito subjetivos.
Contou com algum tipo de auxílio para lidar com o imenso volume da produção poética contemporânea?
Não. Em um dado momento cogitei consultar Eucanaã Ferraz, Antonio Cicero, Armando Freitas Filho mas vi que poderia enlouquecer e decidi assumir todos os riscos e prazeres sozinha.
Você diz, no texto, que É agora como nunca “é um agrupamento de poemas armado por uma leitora de poesia diletante, não acadêmica ou crítica, que decidiu, em vez de levar nas férias de verão mais de quarenta livros de poesia contemporânea brasileira, levar um só”. E faz um convite ao leitor, à leitora, para o seu “livro de férias, desejando bom mergulho”. Isso me fez entender – talvez você discorde – que a antologia propõe espécie de “encenação de intimidade”, um convite a entrar em uma espécie de ficcionalização do que seria o mundo de Adriana Calcanhotto. Pode comentar essa ideia?
É uma ideia prática, juntar poemas ou poetas em um volume só. Vi em uma palestra de Ferreira Gullar uma vez que ele tinha seus poemas de consulta recorrente em uma pasta. A partir daí passei a fazer o mesmo para não andar com malas de livros. Partilhar isso com os leitores de poesia me dá prazer embora as férias de verão tenham virado residência artística de inverno.
Há, no livro, a ausência de pretensão em realizar uma espécie de “galeria” da poesia contemporânea no Brasil, de mostrar ao leitor um quadro crítico que pense o atual cenário. O que está presente lá são os gostos eletivos de Adriana Calcanhotto. O que pode fazer com que o leitor acabe passando batido por poetas fortes. E aí, a “função social da antologia” – funcionar como porta de entrada para a poesia contemporânea – pode ficar perdida. Pode comentar essas ideias?
Um único poema pode servir como porta de entrada para a poesia, não é necessário um tratado. O livro não pretende isso. Como digo no prefácio, sou apenas uma leitora que não quer distanciamento, muito antes pelo contrário, estou dentro do mesmo tempo em que essas vozes estão se construindo. Tudo pode sempre se perder, quem é que sabe?
Você é uma artista discreta sobre suas opiniões políticas. Essa discrição me parece evidente também nas suas escolhas poéticas – no livro me chama a atenção a presença de poucos poetas negros, poucos poemas que coloquem temas de sexualidade ou gênero. Enfim, poucos poemas que se ligam diretamente a questões histórico-político-sociais, que se conectem ao agora do país. Como você enxerga essa característica da sua seleta poética?
Na antologia há poetas negros, há poetas gays, há poeta transsexual falando disso em seus poemas, não conheço as posições políticas dos poetas e nem estou interessada. Estou interessada na poesia. Há poeta negro que não quis estar na antologia, não autorizou o uso do poema que escolhi pelo fato de a maioria dos poetas não ser negra. Essa é a realidade do Brasil, não decidi fazer uma antologia branca. Mas é possível que alguém não queira estar na minha antologia porque nasci branca, o que posso fazer? Ou melhor, tenho mais o que fazer.
O que é uma antologia? O que é um antologista?
Conheci poemas e poetas muito importantes para mim por meio de antologias. Sou leitora, compradora de antologias. Existe o antologista científico, que se utiliza de critérios técnicos e há o amador, como eu, que partilha seu recorte pessoal com quem estiver disposto a conhecê-lo.
Na sua visão, existe algum tipo de “responsabilidade” inerente ao trabalho do antologista? Se sim, qual?
Quando é acadêmico sim, é claro, no meu caso sem irresponsabilidade não tem graça.
Como leitora diletante de poesia, como você entende o mercado editorial de poesia no Brasil? E o papel da crítica literária?
Não temos um mercado editorial de poesia como tem Portugal, por exemplo, mas acho que estamos indo bem. As grandes vendas da poesia completa de Waly Salomão e Paulo Leminski atestam isso. E temos esse fenômeno que é a veiculação de poesia através da música, de quase todos os gêneros no Brasil. Digo quase porque alguns estilos não se propõe a isso, mas nem no cancioneiro americano temos o nível de qualidade poética que encontramos na música brasileira. Sim, o Nobel de literatura é do americano Bob Dylan e acho justo, mas temos Noel Rosa, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Caetano Veloso, Torquato Neto, Lenine, Arnaldo Antunes, etc, etc...
Como se deram seus primeiros contatos com poesia?
A poesia de livro descobri com Oswald de Andrade, meio por acaso, aos 15 anos e aí me apaixonei mas já ouvia na rádio e nos discos mas só aos poucos fui entendendo o que era Fagner cantando "Traduzir-se" de Ferreira Gullar ou "Canteiros" de Cecília Meireles ou ainda Chico cantando "Morte e vida Severina", do João Cabral.