A poesia completa de Hilda Hilst (1930-2004) será lançada em um único volume pela Companhia das Letras na próxima segunda (24), sob o título Da poesia. Conversamos com Alice Sant'Anna, poeta e editora da Companhia das Letras, sobre o processo de organizar o trabalho de Hilst em um volume único. Sant'Anna também organizará a prosa completa da autora, que será publicada em 2018.
Autora de extensa produção, Hilda Hilst hoje é um nome conhecido de quem acompanha a produção literária do país e a qualidade de seus trabalhos hoje é incontestada. Se durante a maior parte dos seus 45 anos de carreira ela permaneceu restrita a poucos leitores, no fim da vida viu sua obra ser reeditada pela Biblioteca Azul, em coleção coordenada pelo crítico e professor Alcir Pécora.
Diferentemente do trabalho de Pécora, o livro agora é publicado sob edição de Sant'Anna parece mais preocupado em apresentar Hilst com posfácios panorâmicos sobre sua vida e poética, sem interpretações elaboradas. De certa forma, a edição da Companhia das Letras parece chegar como um atestado da popularidade – se não como uma autora realmente lida, ao menos como um nome muito conhecido dos leitores.
Além do processo de edição, Alice Sant'Anna também falou ao Pernambuco sobre o discurso de que “poesia não vende” e acerca de lançamentos avulsos de Hilda Hilst.
Como conheceu a obra de Hilda Hilst?
Comecei a ler a Hilda pela prosa, acho que foi A obscena sra. D. E a poesia fui ler mais tarde, o que é curioso porque poesia é o começo da carreira dela. Conhecer a obra da Hilda é percorrer um caminho longo. Foi curioso fazer isso, ler o arco completo de um poeta, 45 anos de carreira. Foi um bom aprendizado.
Quais as dificuldades para editar a obra dela?
Sobre os inéditos, pedimos à poeta Julia de Souza para fazer uma pesquisa deles. Tivemos medo de dizer com clareza que tudo que estava no livro era “inédito”, porque, por exemplo, a Hilda transformava poemas inacabados em prosa. Isso acontece com muitos escritores. Você começa a vasculhar os cadernos dela no Instituto Moreira Salles e vê esses rascunhos. [Como forma de contornar isso] Cito o trabalho de reedição da poesia de Ana Cristina César, feito pelo Armando Freitas Filho. Lá [no Poética], o nome que ele deu [ao que seria a seção de inéditos] foi “Visita à oficina” e tem os inacabados, os rascunhos, os realmente inéditos. “Visita à oficina” é um nome mais justo. Então, no caso da poesia da Hilda, decidimos inserir tudo em divisões parecidas. Sinalizamos esse cuidado no início do livro.
A graça da Hilda é que ela tem muita coisa, 25 livros de poesia. Mas isso flutua, porque ela eliminou alguns livros ou alguns poemas de livros [entre outras intervenções]. É complicado organizar uma obra dessas porque a própria Hilda a norteou de diferentes formas. Mas no livro que estamos lançando tem tudo dela, inclusive o Bufólicas, que completa a tetralogia obscena [também composta por três livros de prosa: O caderno rosa de Lori Lamby, Contos d'escárnio e textos grotescos e Cartas um sedutor]. Ano que vem lançaremos a prosa completa, que eu também vou editar.
O lançamento da poesia completa de Hilda Hilst vem com posfácio, entrevista e algumas declarações de Lygia Fagundes Telles sobre a autora. Se compararmos com a edição da Biblioteca Azul, coordenada por Alcir Pécora, a de vocês não me parece se preocupar tanto em ofertar uma interpretação mais elaborada da obra de Hilst, mas sim em apresentá-la e mostrar a importância dela ao leitor. Pode comentar o viés escolhido para abordar a autora nessa edição?
Interessante você falar do Alcir. Quando pensamos a forma de apresentar ao leitor a poesia da Hilda, se apresentou uma questão, que é o fato da Hilda ter sido publicada por editoras pequenas, tiragens pequenas, pouca venda. Mas já tinha um terreno trilhado para a poesia dela, que foi o do Alcir. A reedição que ele coordenou é diferente da nossa – nós publicamos de forma cronológica, ele seguiu por eixos temáticos. E ele começou a fazer isso em 2001, quando a obra dela era pouco conhecida. Se hoje vemos a explosão de trabalhos acadêmicos, de textos críticos sobre a Hilda, é porque houve uma preparação do campo. O Alcir é consistente. E fez isso com a Hilda viva, e ela gostava das ideias dele. Também conversei com ele [durante o processo de edição].
Por que lançar Hilda Hilst em um volume único, e não em volumes separados, como a obra de Ferreira Gullar, por exemplo?
Vamos publicar alguns volumes avulsos dentro da coleção Poesia de bolso, que também tem livros do Leminski, da Ana C. E do Waly Salomão. Mas não definimos ainda qual será o primeiro título dela a ser lançado. Isso de ser publicado em um volumão… a Hilda vem na esteira do Leminski e da Ana C. É um filão que virou chamariz para quem quer conhecer a obra desses poetas ou já tem os livros avulsos, mas quer um volume único.
“Da poesia” é mais um lançamento da Companhia das Letras e leva à discussão do “poesia não vende” – muitos argumentam sobre a falácia dessa afirmação e pontuam, entre outras coisas, que o fato de editoras investirem mais em poetas é um sinal de que poesia vende, sim. Como você, poeta e editora de uma grande casa, enxerga essa discussão?
Então, não vou dizer que é um sucesso de vendas. Depende muito. Mas poesia tem leitores, tem público, sim. Claro que comparar a venda de um livro de poesia com um best-seller de romance não tem muito sentido, salvo exceções como o Leminski. Engraçado que, na época em que eu trabalhava numa livraria – foi meu primeiro emprego –, me disseram que a estante de poesia era a que [os leitores] mais mexiam e da qual menos levavam. Mas acho que é uma questão de mercado trabalhar esses lançamentos. Claro que, comparando com prosa, é outro patamar; mas está tudo bem que não se venda tanto quanto um best-seller. E é interessante, também, ver o surgimento de pequenas editoras, como a Luna Parque, que são muito procuradas pelos leitores. Estou muito otimista.